publicado dia 11/11/2016
Especialistas debatem desafios curriculares no ensino médio
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 11/11/2016
Reportagem: Ana Luiza Basílio
A tríade acesso, permanência e aprendizagem pauta o debate sobre as mudanças estruturais e curriculares do ensino médio. O desdobramento de cada um dos aspectos traz desafios e responsabilidades de complexidade diversas para gestores públicos, escolares e demais representantes da comunidade escolar, dada a urgência do reconhecimento das juventudes.
Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, mostrou
em números a realidade desafiadora durante o Seminário Internacional Desafios Curriculares do Ensino Médio, realizado em parceria com o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), em São Paulo, nos dias 9 e 10/11.
O especialista retomou o número de jovens de 15 a 17 anos fora da escola – cerca de 1,7 milhão, o que corresponde a 16% da faixa etária, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE – e também o percentual de estudantes que se encontra retido no ensino fundamental, cerca de 20%, para embasar o que considera os principais enfrentamentos da etapa.
“Precisamos estabelecer uma conexão com as culturas e as identidades e buscar uma organização curricular que permita a flexibilidade e o protagonismo juvenil”, assegurou Henriques ao reconhecer a lógica excludente preponderante nas escolas: “dos estudantes que chegam ao ensino médio, muitos não ficam e, dos que ficam, poucos aprendem”, criticou.
Os especialistas entendem que, parte do descolamento do ciclo em relação às juventudes se deve à recente universalização da educação básica no Brasil para crianças e jovens de 4 a 17 anos – alcançada em 2009 pela Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. Eles reconhecem que o incremento de matrículas veio acompanhado de uma demanda bastante diversa de jovens que até então não tinham estado no sistema educacional e que se viram pouco acolhidos pela dinâmica conteudista e voltada para o acesso ao ensino superior.
A superação desse modelo é crucial para Francisco Soares, integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE) e debatedor na mesa O currículo do ensino médio no olhar de pesquisadores e gestores brasileiros. “Precisamos de um projeto para todos, capaz de reconhecer as diferenças, as comunalidades, as diferentes exigências de cidadania”, pontuou.
Pactuaram da opinião as pesquisadoras Gisela Tartuce e Marina Nunes, da Fundação Carlos Chagas. As especialistas, que puderam se debruçar sobre as políticas curriculares de dez estados brasileiros durante uma pesquisa, entendem que, embora reconhecida por lei, a parte curricular diversificada ainda é pouco contemplada pelos currículos.
“O foco se dá na base comum e na manutenção das treze disciplinas, evidenciando a ênfase preparatória aos vestibulares”, apontou a dupla. Elas também reconheceram que, embora não oficial, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também dita os modelos dos documentos curriculares estaduais.
O convidado britânico Dave Peck, CEO da Curriculum Foundation do Reino Unido, reconheceu que nenhum país tem um currículo perfeito e que o caminho é revisar constantemente os documentos para que não fiquem estáticos. “O mundo muda e os currículos precisam acompanhar essas mudanças”, sentenciou.
Ele ainda colocou a importância de se esclarecer os objetivos de aprendizagem pretendidos e a urgência de entender que o papel do currículo vai para além da simples organização de disciplinas e matérias. “Todo jovem deveria sair da escola com confiança, habilidade e desejo de transformar o mundo em um lugar melhor”, afirmou.
Para isso, defendeu o trabalho com as habilidades, competências e atitudes dos estudantes. “Imaginem, não seria um horror se um garoto saísse da escola sem valores e chegasse à presidência de um país?”, ironizou, referindo-se à recente eleição de Donald Trump nos EUA.
Peck reforçou que os países não podem perder os talentos de seus jovens, o que significa considerar as experiências de cada um deles nos processos educacionais. “Só que as normas e padrões não vão nos assegurar isso, o caminho é rever os objetivos, as abordagens para que as crianças parem de ser vistas como copos vazios que precisam ser preenchidos por conhecimento, o que é um erro”, alertou.
Durante o evento também se discutiu a necessidade dos currículos enfrentarem as desigualdades sociais expressadas cotidianamente no interior das escolas e nas relações estabelecidas. Rodrigo Mendes, diretor do instituto de mesmo nome, pautou a necessidade de um desenho universal para a aprendizagem capaz de ampliar o acesso à aprendizagem por meio da redução de barreiras físicas, cognitivas, intelectuais e organizacionais.
O especialista comemorou o fato de 80% das matrículas de estudantes com deficiência se darem em ambientes inclusivos, mas chamou a atenção para o fato de que apenas 0,8% acontecem no ensino médio.
A coordenadora executiva do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade (Ceert), Cida Bento, trouxe a questão da descolonização do currículo, “pautado pelo eurocentrismo, ou seja, pela exclusão da história dos negros. De cada cinco anos de nossa história, quatro se viveu na escravidão, e isso ou não está refletido ou está de maneira negativa”, questionou.
Para a especialista, a conquista da alteração da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) pela Lei 10.639, que inclui a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira, não diz apenas da inserção de novos conteúdos, mas de novas práticas, do questionamento de lugares de poder. “Os jovens negros precisam ser ouvidos, mas não como pauta de reivindicação, mas de fato inseridos, participados”.
Denise Carreira, coordenadora da área de educação da Ação Educativa, também debateu o currículo a partir da perspectiva da promoção da justiça social. Para ela, há uma tendência a se invisibilizar as desigualdades e naturalizá-las. “E aí está o desafio do nosso país, o de trazer essas questões para o centro”, colocou.
Ela defendeu um currículo que promova a cultura democrática. “Que seja capaz de enfrentar a nossa imensa tolerância com as desigualdades, racismos, sexismos, com a homofobia e as questões de gênero; que supere a cisão existente entre o que demandam avaliações de larga escala e os direitos humanos e a diversidade”, finalizou.