publicado dia 24/03/2016
Indisciplina: a culpa é dos estudantes?
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 24/03/2016
Reportagem: Ana Luiza Basílio
“Olha para frente!”, “senta!”, “olha a conversa paralela…”, “chega!”, “silêncio!”. Quem nunca escutou alguma dessas frases na sala de aula? A indisciplina certamente ocupa lugar de destaque no ambiente escolar, angustiando professores, preocupando familiares e frustrando estudantes.
Os números mostram que o Brasil é um dos países onde as “bagunças” mais tomam tempo em sala de aula. A Pesquisa Internacional de Ensino e Aprendizagem (Talis, na sigla em inglês), conduzida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostrou que, nos anos de 2008 e 2013, os professores brasileiros foram os que mais se queixaram da quantidade de tempo que gastam tentando manter a sala em ordem: 18% em 2008 e 20% em 2013; a média internacional é de 13% nos dois anos abordados pela pesquisa.
Longe de serem exclusivos da realidade brasileira, dados como esses, segundo especialistas, requerem uma leitura analítica, capaz de situar a indisciplina como fenômeno social, para que, no âmbito escolar, o tema não se reduza à desordem e, consequentemente, ao pressuposto de que o problema são os estudantes.
Pesquisador do tema e também diretor da Escola Municipal de Ensino Fundamental Infante Dom Henrique, Cláudio Marques da Silva Neto conta que em sua trajetória aprendeu que a indisciplina é consequência e não causa. Ele aponta dois aspectos fundamentais: “ela pode desvelar traços de uma cultura escolar, ou seja, mostrar um descontentamento mediante as configurações de poder que se dão dentro do espaço da escola, ou ainda captar fundamentos da ordem estabelecida que pode ser democrática ou autocrática e, nesse caso, potencializar as desigualdades”, avalia.
A seu ver, essa análise é fundamental para que a indisciplina seja avaliada em seu aspecto positivo que é o de promover reflexões sobre a realidade sob a qual ela se dá. Caminho parecido trilhou a pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, Gabriela Miranda Moriconi.
Também buscando desmistificar a indisciplina do espectro dos estudantes, a especialista partiu dos dados da pesquisa Talis 2013 e, subsidiada por um programa da OCDE, deu início a um estudo em que procurou levantar subsídios para o desenvolvimento de políticas que apoiem o trabalho dos professores e escolas em relação ao comportamento dos alunos em sala de aula, tendo em vista a melhoria do clima escolar.
Pesquisa
Acesse na íntegra a pesquisa elaborada pela pesquisadora Gabriela Moriconi: “Comportamento dos alunos e uso do tempo em sala de aula: evidências da Talis 2013 e de experiências internacionais“.
O trabalho de Gabriela se deu em duas frentes, uma de ordem quantitativa em que a pesquisadora considerou a análise da Talis de três países latino-americanos: Brasil, Chile e México; e uma de caráter qualitativo que considerou estudos de caso dos sistemas educacionais da Inglaterra e da província canadense de Ontário, para elucidar como essas políticas foram implementadas de forma a melhorar o clima escolar e ajudar os professores a lidar com problemas de comportamento dos alunos.
De maneira sintética, o Centro de Referências em Educação Integral elenca alguns aspectos que a pesquisadora evidenciou em sua pesquisa e considera importantes mediante o debate de como lidar com o clima dos ambientes escolares.
A pesquisadora pôde constatar que os professores que atuam em escolas de grandes cidades têm maior probabilidade de terem alunos com problemas de comportamento. A mesma evidência se dá com o nível socioeconômico. Para Gabriela, isso mostra que as escolas são permeadas pelas questões postas no território, ao que adverte: “as políticas e práticas, portanto, não podem ser adotadas em todas as escolas, há de se levar em conta a realidade local”.
Favorável a essa visão, Cláudio Neto acrescenta: “não dá pra prescindir do capital humano. O território é o lugar em que os sujeitos vivem, então é necessário se atentar para aquela cultura, até para reconhecer e entender o que potencializar nesse processo educativo”, coloca.
Especialmente nos estudos de caso da Inglaterra e Ontário, Gabriela identificou a atuação dos professores em jornada exclusiva. “Raramente acontece de ver um docente atuando em mais de uma unidade”, comentou. Chamou a atenção da especialista o tempo do docente dimensionado para o ensino em sala de aula, para a supervisão dos alunos e para o planejamento das atividades. As salas de aula, como cita, também costumam ter menos de 25 estudantes cada uma.
“Com a carga de trabalho reduzida, os professores conseguem se dedicar mais aos estudantes e familiares, em pensar como engajá-los e, no caso dos alunos, fazer com que eles aprendam”, comenta. A aprendizagem, aliás, é apontada por Neto como um dos principais elementos para contornar a indisciplina. “É preciso que as escolas garantam o direito à aprendizagem e não fortaleçam as desigualdades por conta das diferenças que naturalmente circulam nesses ambientes”, sentencia.
As escolas inglesas e canadenses também atuam em tempo integral, 5 e 6 horas, respectivamente, com almoço e intervalo, e possibilidade de envolvimento dos estudantes em outras atividades, como demonstra a pesquisa. “Isso favorece o engajamento deles, e não a dispersão, uma vez que se estreita a convivência entre o grupo”, aponta Gabriela. Lógica pela qual Neto se coloca completamente favorável. “Aqui falamos do aspecto democrático de ampliação de oportunidades. Coloca-se o mérito a partir da perspectiva da igualdade de oportunidades. A ampliação do tempo, de mais chances aos estudantes se relaciona diretamente com a diminuição da indisciplina, e geralmente se traduz em uma cultura de paz”, observa.
Também está colocado em meio aos resultados da pesquisa que professores que atuam em escolas regidas por uma gestão democrática, participativa e colaborativa gastam menos tempo com a indisciplina em sala de aula. O grau de participação da comunidade escolar é diretamente proporcional à melhoria do clima escolar. “Isso se evidencia em professores que relatam permitir a participação dos estudantes nas tomadas de decisões e dizem ouvi-los para saberem de seus interesses”, aponta a pesquisadora.
Para Claudio, é necessário que o gestor escolar tenha a capacidade de enxergar seu contexto e interpretá-lo. “Aqui, por exemplo, começamos a ter que identificar as incoerências que se dão no próprio espaço escolar, entre a própria gestão, funcionários e professores, para ver se não partem daí as brechas para a indisciplina. Por exemplo, imagina que seja proibido aos estudantes usarem o celular em sala de aula, mas quando toca o do professor, ele atende. É preciso ampliar esse olhar para que a gestão saia da sua clausura”, defende.
Por fim, a pesquisa coloca a importância do apoio acadêmico, com um atendimento que vai para além do educacional, o que Gabriela aponta ser um cuidado tanto do sistema inglês como do canadense. “Por exemplo, se os alunos apresentam muitas faltas há um diálogo com a família, ação que pode ser feita pelo professor ou profissionais específicos, como é o caso de Ontário, que conta com apoio de psicólogas na escola nessas situações. É a ideia de que o estudante não chega disciplinado à escola, que isso é parte de um processo que deve ser construído com o apoio escolar”, finaliza.