publicado dia 05/07/2016
Polêmico, projeto do Escola Sem Partido tramita em 5 estados, 8 capitais e DF
Reportagem: Caio Zinet
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Reportagenspublicado dia 05/07/2016
Reportagem: Caio Zinet
Em 2004, o procurador de Justiça de São Paulo, Miguel Nagib, fundou o movimento Escola Sem Partido. Partindo do questionável pressuposto de que a educação brasileira é um espaço de doutrinação, no qual os professores se aproveitam da audiência cativa de seus estudantes para impor suas ideias, ele passou a defender que os docentes sejam “neutros”.
O movimento ganhou força em 2014 quando o deputado estadual do Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro, procurou Miguel, pedindo que ele escrevesse um projeto de lei baseado nas suas ideias. Assim nasceu o PL 2974/2014, apresentado na Assembleia Legislativa Estadual do Rio de Janeiro (Alerj).
Rapidamente, o irmão mais novo da família Bolsonaro e vereador do Rio de Janeiro, Carlos, propõe o PL 867/2014, com conteúdo praticamente igual ao apresentado pelo irmão na Alerj.
Miguel Nagib disponibilizou, no site do programa, os dois projetos, estadual e municipal, para que deputados e vereadores pudessem copiar o conteúdo e apresentar em suas respectivas casas legislativas.
Desde então, o projeto foi aprovado em Alagoas, Campo Grande (MS), Santa Cruz do Monte Castelo (PR) e Picuí (PB). O Centro de Referências em Educação Integral fez um breve levantamento e identificou que o projeto de lei tramita ou tramitou em ao menos 10 assembleias legislativas e em 9 câmaras de vereadores de capitais do país.
Nacionalmente, o PL 867/2015, de autoria do deputado federal Izalci Lucas (PSDB), também tramita na Câmara, paralelamente a outros quatro PLs que defendem ideias muito próximas às do movimento Escola Sem Partido. Especialistas em educação acreditam que as propostas do grupo visam censurar os professores, além de não terem nenhuma sustentação pedagógica.
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“[O movimento Escola sem Partido] tem uma visão cruelmente deturpada da educação escolar. A sala seria um cativeiro no qual alunos completamente inocentes estariam passivos e indefesos frente ao poder absoluto do professor de impor as suas concepções, seja através da sua doutrinação maliciosa ou da violência física praticada por aqueles que já foram sequestrados intelectualmente pelo professor”, afirmou o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Fernando Penna.
Para os defensores das propostas do Escola sem Partido, o papel do professor dentro da sala deve se limitar a expor uma visão supostamente neutra sobre os fatos. Qualquer prática que fuja disso pode ser considerada como doutrinação e deve ser coibida. Os projetos preveem, inclusive, canais para que os professores sejam denunciados por seus colegas, pais dos estudantes ou qualquer outro membro da comunidade escolar.
“Não existe escola sem ideologia. Seria muito que um professor não impusesse apenas uma ideologia e que abrisse sempre o caminho para o debate, mas é uma crença fantasiosa de uma direita delirante e absurdamente estúpida de que a escola forme a cabeça dessas pessoas e que esses jovens saiam líderes sindicais. Os jovens têm sua própria opinião, os jovens não são massa de manobra e os pais sabem que os professores têm sua opinião e toda opinião é política”, afirmou o historiador Leandro Karnal em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura.
Família e convicções ideológicas, sexuais e religiosas
Uma das principais propostas defendidas pelos partidários de Nagib é que a escola é um espaço que deve se restringir a educar os filhos de maneira neutra sem ferir convicções ideológicas, sexuais e religiosas de seus pais. O que especialistas em educação perguntam é: quem estipula o que é o neutro? Como definir neutralidade na sala de aula quando existem estudantes cujos pais são de direita, esquerda ou de centro, que são católicos, evangélicos ou ateus?
“Qualquer coisa que ultrapassasse a transmissão de conhecimento seria considerada ‘doutrinação ideológica’ e, por isso, passível de ‘estar em conflito com as convicções morais dos estudantes e de seus pais’ (Art. 2º do PL nº 867/2014). A educação seria responsabilidade da família, que não poderia ser contraditada nos seus valores morais, religiosos e sexuais. A professora, o professor e a escola teriam de ser “neutros”. Mas quem decidiria o que seria ‘neutro’ e o que seria ‘ideológico’? Ou melhor, como ignorar que todo conhecimento parte de algum viés, e que docentes e discentes o produzem sempre dentro de um contexto?”, analisam um grupo de professores universitários em manifesto contra as propostas do Escola Sem Partido.
Juristas
Diversos advogados acreditam que as propostas do movimento Escola sem Partido são inconstitucionais. Em entrevista ao site Consultor Jurídico, o jurista Lenio Streck afirmou que o projeto representa uma forma de censura porque tenta controlar os professores por meio da criminalização do pensamento.
“Quem quer fazer escola desse modo deve ir para o canto da sala e ficar de castigo e depois ir para a lousa e escrever cem vezes: a escola deve ser pluralista. E nisso está incluído o ‘risco’ de ter um professor de esquerda… Ou de direita”, afirmou o jurista ao site de notícias.
Em entrevista ao mesmo site, o presidente da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinícius Furtado Coelho, também se posicionou de maneira contrária ao projeto e às ideias defendidas pelo Escola sem Partido.
Segundo ele, tão problemático quanto impedir que o professor exprima sua opinião dentro da sala de aula é colocar a necessidade de punição, caso assim o faça. “Assim, além de inconstitucional, é desumano exigir que o professor seja um autômato dentro da sala de aula.”
Posição do MEC
Em abril, época da aprovação do projeto de lei em Alagoas, o ex-ministro da Educação, Aloízio Mercandante, solicitou a Advocacia Geral da União (AGU) que entrasse no Supremo Tribunal Federal (STF) com um Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o projeto.
Com o afastamento da presidente Dilma Rousseff, o presidente interno Michel Temer nomeou Mendonça Filho como novo ministro da educação e a postura diante do Escola Sem Partido mudou. Uma dos primeiros encontros do novo chefe da pasta foi com o líder do movimento Revoltados On-Line, Marcelo Reis, e com o ator Alexandre Frota.
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Em vídeo gravado depois do encontro, os dois afirmaram que, durante a reunião, defenderam as propostas do Escola Sem Partido.
Sobre o pedido para que a AGU entrasse com uma Adin contra o projeto, o MEC não respondeu aos pedidos de posicionamento enviados pelo Centro de Referências. Segundo a assessoria de imprensa da AGU, entretanto, o pedido está paralisado no MEC.
A AGU abriu processo para examinar o pedido e aguarda que o ministério preste informações complementares para formular uma conclusão sobre o tema, afirmou a AGU em nota.
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