publicado dia 27/06/2016
Matrículas de estudantes com deficiência aumentam, mas qualidade ainda é um desafio
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 27/06/2016
Reportagem: Ana Luiza Basílio
Um, dois, três, quatro…catorze nãos. Essa foi a quantidade de negativas que a professora Rosana Bignami teve de escolas particulares de São Paulo ao procurar uma vaga para a filha Giovanna, 10 anos, que tem Síndrome de Down. A mãe conta que fez uma peregrinação por três semanas, até a decisão de buscar a matrícula na rede pública para a estudante com deficiência.
A entrada de Giovanna em uma escola estadual aconteceu em 2015 e, desde então, ela já conheceu outras duas unidades da rede municipal, onde estuda atualmente. “Não há uma inclusão efetiva, dependemos muito da subjetividade da escola e dos professores de quererem colaborar”, coloca Rosana.
Hilda Sommer, mãe de uma adolescente com deficiência intelectual, travou uma luta contra um colégio federal do Rio de Janeiro para retirar a filha da unidade após perceber que ela vinha sofrendo discriminação. Depois de acionar o conselho tutelar e mover ação no Ministério Público contra a escola, Hilda garantiu a saída da adolescente com uma ordem judicial.
Os dois relatos dão uma amostra do desafio que o país tem com a educação inclusiva para garantir o direito à educação. Dados do Censo Escolar 2013 apontam uma evolução nas matrículas da educação especial, que passou de 504.039 em 2003 para 930.683 em 2015, expressando um crescimento de 85%; também mostram aumento no ingresso em classes comuns do ensino regular se comparadas às classes ou escolas especiais – passando de 145.141 estudantes em 2003 para 760.983 em 2015.
O país tem a meta de universalizar a educação inclusiva para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, conforme explicita a meta 4 do Plano Nacional de Educação (PNE).
A questão, como frisa a coordenadora do Movimento Down, Maria Antônia Goulart, é que “o aumento das matrículas não está acompanhado da oferta de qualidade na inserção desse aluno na escola”. Segundo ela, isso não reflete um processo específico da educação inclusiva, mas um despreparo da escola em reconhecer os estudantes em sua singularidade. “Estamos falando de estudantes serem reconhecidos em grupos e para isso as estratégias pedagógicas mudam o tempo todo, até mesmo quando um aluno muda de turma. Esse processo deve ser feito de qualquer professor para qualquer aluno. Então, não é olhar para a deficiência, mas para as características buscando entender como na minha prática pedagógica eu vou promover a inclusão”, avalia.
Para a especialista é muito menos uma técnica específica de como ensinar uma pessoa com determinado tipo de deficiência e mais o caso de uma educação que parta de uma identificação do perfil do aluno e de estratégias que o contemple. “Aí é hora de estudar, buscar referências, mas não porque tenho um aluno com deficiência, mas porque tenho uma turma diferente, pois diferentes somos todos”, afirma.
Saiba + “Fazer educação inclusiva é construir uma sociedade inclusiva”
Em seu entendimento, essa observação é fundamental até para que se possa oferecer os recursos adequados, já que eles podem variar caso a caso. Há estudantes, por exemplo, que precisam de acompanhantes para conseguirem desenvolver funções cotidianas. Também é fundamental que se tenha clareza de que o trabalho realizado em sala de aula e o atendimento educacional especializado (AEE) – atividades pedagógicas específicas ao grupo no contraturno ou suplementares às aulas regulares – são complementares e não excludentes.
Nessa configuração, Maria Antônia reforça a necessidade da gestão escolar garantir, em meio ao planejamento, momentos partilhados entre docentes e os profissionais do AEE para que as estratégias educacionais sejam construídas coletivamente. “Sem isso, os professores acabam por se sentir solitários ou sem condições de desenvolverem um trabalho pedagógico efetivo”, avalia. Isso deve ser garantido mesmo em casos que as escolas não internalizam esse atendimento e contam com uma unidade de referência na rede.
O desafio da educação inclusiva passa pela oferta de recursos pedagógicos acessíveis e metodologias, mas sobretudo pela construção dessa cultura nas escolas. “A comunidade escolar precisa se reconhecer como inclusiva, valorizar isso e trabalhar com as famílias porque ainda há as que preferem as escolas especiais. É preciso garantir o acolhimento das crianças e o empoderamento dos familiares para que além das matrículas possamos garantir a permanência desses estudantes”, coloca.
O advogado e secretário geral da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD) da OAB/RJ, Caio Silva de Sousa, retoma a Constituição Federal via Lei 7853 (de 24 de outubro de 1989), para dizer da inconstitucionalidade de negar matrícula ou cobrar custos extras pelo atendimento a pessoas com deficiência. “Além de inconstitucional é crime, como previsto no artigo 8º, punível com reclusão de dois a cinco anos e multa”, sentencia.
Ele ainda coloca que a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015) mina qualquer possibilidade de interpretação contrária, ao trazer no artigo 28, parágrafo 1º, que “incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar o sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida”.
A Lei chegou a fomentar movimentos contrários como o caso da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5357, ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen). A ação trouxe que o atendimento a alunos com deficiência poderia trazer custos altos às escolas privadas, para justificar possíveis custos extras. A medida, no entanto, foi negada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) que julgou constitucionais as normas da Lei nº 13.146.
Uma parceria entre o Movimento Down, a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD) da OAB/RJ e o Coletivo de Advogados do Rio de Janeiro (CDA/RJ) vem apoiando famílias a saberem de seus direitos quanto à educação inclusiva.
Foi criada uma frente de atendimento dentro da CDPD para famílias que não conseguem resolver impasses de atendimento escolar junto às escolas. Caio conta que o trabalho é avaliar a demanda e direcionar atendimento. “Por exemplo, caso a criança não tenha a presença de um mediador garantida, vamos buscar diálogo com o colégio; se a questão é com a sala de recursos, buscamos a coordenadoria regional vinculada, ou buscamos o Instituto Helena Antipoff, equipamento que cuida da educação inclusiva no município.
Publicação busca responder a questões como “O que é uma escola inclusiva?” “O que é AEE?””O que fazer se meu filho tiver a matrícula negada?” e esclarecer as famílias.
Segundo o advogado, o grupo atua o ano inteiro e presta mais atendimento nas épocas de matrícula e renovação, ou início das aulas. A articulação existe desde 2014 e já conta com taxa de sucesso de 90%. Recentemente, o grupo criou uma cartilha chamada “Escola Para Todos” que tem o objetivo de esclarecer os direitos e promover orientação em casos de descumprimento.