publicado dia 08/06/2016

Escolas ocupadas mostram que outra educação é possível e necessária

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Os alunos das escolas estaduais Fernão Dias e da Escola Estadual Diadema provavelmente não sabiam, mas começaram a fazer História na madrugada de 10 de novembro de 2015. Nesse dia, os adolescentes das escolas localizadas na capital paulista e em Diadema, respectivamente, ocuparam seus espaços de estudos contra a proposta de reorganização escolar na rede estadual de São Paulo. Um mês e mais de 200 escolas ocupadas depois, o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) se viu obrigado a recuar e os estudantes saíram vitoriosos.

Crédito: Roberto Parizotti/ Secom Cut

Crédito: Roberto Parizotti/ Secom Cut

A luta dos secundaristas paulistas inspirou milhares de jovens em todo o país, que perceberam seu papel de protagonistas nos processos de luta pela melhoria da qualidade da educação pública. Ao menos 500 escolas foram ocupadas em sete estados somente nos últimos oitos meses com as mais diversas reivindicações. Além de São Paulo, houve ocupações no Ceará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás, Minas Gerais e Paraná.

Os jovens ativistas estão fazendo História não só pelas conquistas políticas e pelo engajamento, mas principalmente porque forçaram uma reconfiguração do espaço escolar. Mostram que, ao contrário do que considera o senso comum, eles têm interesse em aprender, mas em um colégio no qual seus desejos e autonomia sejam respeitados dentro de um processo de ensino-aprendizagem que ultrapasse as paredes da sala de aula e os muros da escola, e que também leve em consideração saberes não tradicionais.

O aprendizado não se limita ao acesso aos conteúdos, mas inclui desde o cuidado com a grama e o espaço físico, até organização de palestras e oficinas sobre temas que os interessam, passando por organizar a alimentação e protagonizar atividades culturais. Assim, os estudantes vão colocando em xeque o modelo escolar tradicional e as relações que ali se estabelecem, colocando, na prática, uma escola que se paute pelo desenvolvimento integral dos sujeitos.

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O Centro de Referências em Educação Integral acompanhou de perto as duas ondas de ocupações em São Paulo, em 2015 e 2016, e também pesquisou o trabalho realizado pelos estudantes em outros estados, elencando diversas razões que mostram que esses jovens quando tomam o protagonismo para si fazem uma escola diferente promovendo uma educação integral nas ocupações. Veja alguns exemplos:

#1. Cuidado com a escola

Mural pintado pelos estudantes da EE Salvador Allende na Zona Leste de São Paulo

Mural pintado pelos estudantes da EE Salvador Allende na Zona Leste de São Paulo

A rede pública de Ensino Básico do país sofre com graves problemas de infraestrutura. Na Escola Estadual Salvador Allende, zona leste de São Paulo, os estudantes decidiram parar de esperar por uma ação do governo estadual ou da direção escolar.

Jovens pintam escola ocupada na Zona Leste de São Paulo

Jovens pintam escola ocupada na Zona Leste de São Paulo

Diversos canos que estavam quebrados foram consertados pelos estudantes, a grama que crescia junto ao lixo acumulado do lado de fora da escola foi cortada e uma horta foi construída. A pintura foi refeita e alguns muros da grafitados. Tudo por ação dos estudantes que transformaram o espaço físico naquilo que desejavam.

#2. Protagonismo
Ao contrário do que pensa o senso comum, os jovens se organizaram e provaram que quando protagonistas têm interesse em aprender.

Jovens organizam oficina de botânica em escola de Fortaleza

Jovens organizam oficina de botânica em escola de Fortaleza

Na Escola Estadual Adauto Bezerra, em Fortaleza (CE), diversas atividades foram realizadas a partir da demanda dos estudantes. Eles criaram um banco de dados no qual colaboradores da comunidade podiam se inscrever para realizar oficinas. Uma delas foi sobre botânica.

Além de se organizarem em comissões para pensar as atividades do dia a dia, os estudantes também aproveitaram o espaço para compartilhar conhecimentos e realizar atividades culturais. Em uma escola do Rio de Janeiro, uma adolescente compôs uma música especialmente para o 8 de março, Dia Internacional da Mulher.

Além de produzirem sozinhos, eles também se articularam para trazer shows para dentro da escola. No Rio de Janeiro, a cantora Marisa Monte se apresentou no Colégio Estadual André Maurois, na Gávea, zona sul do Rio de Janeiro. Isso aconteceu também em São Paulo. Artistas como Maria Gadú, Chico César e Paulo Miklos foram às escolas e participaram de um grande festival no final do ano passado em solidariedade aos jovens estudantes.

#3. Autogestão

A maioria das escolas no Brasil tem um modelo de gestão hierarquizado na qual a voz dos estudantes não é levada em consideração, contrariando os princípios da gestão democrática, presente na legislação brasileira. Nas ocupações, o funcionamento é o oposto. As decisões são realizadas em assembleias que em muitos casos acontecem mais de uma vez ao dia. Comissões cuidam de temas como programação, alimentação, segurança, mobilização e programação cultural.

Uma das principais pautas dos estudantes no Rio de Janeiro foi a realização de eleições diretas para as diretoria das escolas. Depois de muita luta, os adolescentes conquistaram a demanda e a Assembleia Legislativa Estadual do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou uma lei determinando eleições diretas para todos colégios.

Para além de se articularem de maneira autogestionada dentro das ocupações, os jovens também se articularam com outras escolas. Em São Paulo aconteceram, em 2015, reuniões entre o comando de todas as escolas ocupadas, onde se discutiam os rumos do movimento.

#4. Currículo integrado 

Quem achava que escolas ocupadas por jovens seriam uma bagunça, enganou-se imensamente. Dentro das unidades, eles tiveram um processo de aprendizado intenso, amplo e diversificado que conectou múltiplas áreas de conhecimento e fez uso de diversas ferramentas, recursos e formatos de atividades. Além disso, os jovens passaram muito mais tempo dentro da escola – por livre e espontânea vontade – do que as 4 horas usuais.

Em São Paulo, os estudantes abriram um tabela online para receber “doações” de aulas e oficinas. No primeiro dia de lançamento, em 19 de novembro de 2015, foram enviadas 1,3 mil propostas de atividades.

Havia desde aulas “regulares”, como História, Biologia, Matemática e Filosofia, como outras mais “livres”, incluindo Astronomia, Italiano, Permacultura, Educação Financeira, Língua Brasileira de Sinais (libras), Jornalismo, Alimentação Saudável, Yoga, Ritmo e Percussão, além de debates sobre a redução da maioridade penal, uso de drogas e redução de danos.

#5. Cuidado com alimentação

Estudante prepara estrogonofe vegetariano para alimentar jovens que ocupavam o Colégio Estadual Prefeito Mendes de Moraes, na Ilha do Governador (RJ).

Estudante prepara estrogonofe vegetariano para alimentar jovens que ocupavam o Colégio Estadual Prefeito Mendes de Moraes, na Ilha do Governador (RJ).

Na maioria das ocupações, os próprios estudantes prepararam as refeições. Eles arrecadaram comida com a comunidade ou compraram a partir de vaquinha organizada por eles mesmos. Escolhiam o horário que preferiam comer e se dividiam entre eles para cozinhar, limpar os pratos e as panelas.

Na escola Estadual Prefeito Mendes de Moraes, na Ilha do Governador (RJ), os estudantes no começo dependiam de quentinhas enviadas pelo Sindicato dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (SEPE), mas depois de poucos dias organizaram uma “comissão de cozinha” que ficou responsável por cuidar do espaço e garantir a alimentação de todos.

Eles rejeitaram doações de partidos e organizações e receberam alimentos e dinheiro para comprar o que falta de pais, professores, universitários e até pequenos comerciantes da região.

Tanto no Ceará como na segunda leva de ocupações em São Paulo, o tema da alimentação ganhou centralidade. Os jovens passaram a reivindicar o oferecimento de refeições saudáveis, de acordo com as normas.

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Estudantes da Fernão Dias mostram uma lista com as principais necessidades de comida.

Estudantes da Fernão Dias mostram uma lista com as principais necessidades de comida.

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