Avaliar significa atribuir valor, valorar, reconhecer, apreciar. Avaliar a educação implica não apenas em descrever e mensurar a qualidade dos processos de ensino-aprendizagem, como também dos mecanismos de gestão e da formação de educadores. A função dos processos avaliativos educacionais é, portanto, melhorar o processo educacional em todos os seus aspectos.
A avaliação na perspectiva da Educação Integral tem ainda outras características específicas, e necessariamente exige uma reflexão conceitual sobre temas como os tempos-espaços de aprendizagem, o que é qualidade de ensino e quais os métodos de atribuição de valor.
Esta, no entanto, não é uma tarefa fácil. Se por um lado a Educação Integral tem se expandido não apenas em número de escolas, mas também no debate nacional, por outro lado ainda faltam parâmetros claros no que se refere à qualidade da educação integral. O próprio Ministério da Educação (MEC) reconhece a inexistência de um modelo específico para avaliação da Educação Integral.
Uma vez que a Educação Integral não é sinônimo de tempo integral, pois não basta replicar, ampliar ou adaptar os mesmos índices oficiais utilizados para avaliação da qualidade do ensino, como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), Exame Nacional do Estudantes (Enade).
Na realidade, como afirma o teórico francês Philippe Perrenoud, no livro “Práticas pedagógicas, profissão docente e formação : perspectivas sociológicas”, refletir sobre os processos avaliativos implica em repensar a própria escola.
Diretrizes para avaliação como processo
O documento “Diretrizes do Programa Ensino Integral” elenca os seis princípios norteadores da avaliação em Educação Integral:
#1. Quem avalia tem decisões a tomar no sentido de qualificar o que está sendo avaliado: o avaliador deve refletir sobre a atribuição de valor no processo de ensino-aprendizagem;
#2. A avaliação está a serviço da formação do educando e não o inverso. Da maneira como a escola está tradicionalmente organizada, os processos avaliativos costumam determinar os conteúdos de ensino, e desta forma a educação acaba perdendo sua função original (a desenvolver habilidades e competências para a vida, garantir o desenvolvimento integral, etc). A avaliação deve portanto servir à melhoria do ensino, e não o contrário.
#3. A avaliação deve ir além da verificação da aprendizagem. O resultado das avaliações de aprendizagem deve necessariamente servir como ponto de partida para uma reflexão aprofundada dentro da escola: os resultados avaliativos só têm sentido na medida em que servem para orientar os próximos passos do planejamento e oferecer diretrizes para a tomada de decisões.
#4. A avaliação expressa valores, concepções, crenças e o posicionamento político-ideológico do avaliador. Não existe processo avaliativo neutro. A concepção do que é um “educador” e um “educando” se traduz nos mecanismos avaliativos utilizados. Se por exemplo o educando é entendido como alguém que deve acumular informações, a avaliação medirá o número de informações memorizadas (“provas”). Se, por outro lado, o educando for compreendido como um ser potente, capaz de aprender e dotado de saberes, a avaliação terá um caráter mais dinâmico, processual e com função diagnóstica.
#5. O melhor procedimento de avaliação é o procedimento de ensino. É impossível educar sem avaliar. Na medida em que se devem investigar os conhecimentos prévios dos educandos antes de iniciar novos percursos de aprendizagem, a avaliação é parte inerente do processo de educação.
#6. O ‘produto’ do trabalho do professor não é a aula, mas sim a aprendizagem do aluno. O professor deve direcionar suas estratégias e métodos de ensino para atender as necessidades específicas dos alunos.
Além destes seis princípios, há muitos outros a considerar. Uma vez que a Educação Integral rompe com a dicotomia “turno” e “contraturno”, é preciso que esteja na agenda avaliativa a conexão entre as aprendizagens do turno regular e das atividades fora do turno regular. A avaliação deve analisar, afinal, quão “Integral” e “integrada” está sendo a Educação, de que forma os diversos saberes compõem um currículo único.
Outro aspecto importante da avaliação em Educação Integral é considerar que os processos avaliativos vão muito além dos resultados obtidos pelos alunos. A gestão educacional e a atividade docente também devem ser avaliados, e os resultados obtidos devem servir à reflexão e replanejamento de todas as instâncias envolvidas.
Há muitos teóricos que defendem que a avaliação dos processos educacionais deve ser participativa, isto é, os avaliados devem necessariamente conceber, planejar e participar dos métodos avaliativos da educação, estabelecendo para si os objetivos que intentam alcançar. A participação dos avaliados no planejamento da avaliação contribui para uma relação autônoma e prazerosa do educando com o conhecimento, estimula o senso crítico, a autonomia e a consciência de seu próprio processo de aprendizagem. A pesquisadora portuguesa, Manuela Terrasêca, defende que uma alternativa às avaliações externas padronizadas é a chamada avaliação negociada, um processo construído de forma horizontal entre todos os envolvidos e com a participação de toda a comunidade educativa.
Um aspecto muito importante da avaliação em Educação Integral é o olhar ampliado (integral) para o desenvolvimento de competências e habilidades. Os aprendizados não se referem apenas às habilidades acadêmicas e conteúdos escolares, mas passam por habilidades socioemocionais, de convivência, de respeito à diversidade, de estar e agir no mundo: os aprendizados atitudinais também precisam ser contemplados nos processos avaliativos em Educação Integral. Segundo Antoni Zaballa, no livro Prática educativa: como ensinar, os conteúdos e competências a serem avaliados devem considerar capacidades motoras, de equilíbrio, autonomia, relação interpessoal e inserção social.
Por fim, mas não menos importante, é preciso levar em consideração que a avaliação em Educação Integral é sobretudo uma avaliação processual, muito mais do que uma avaliação de resultados. Uma vez que o ponto de partida é a singularidade de cada aluno, torna-se difícil estabelecer parâmetros universais. Novamente como aponta Zaballa, a avaliação deve considerar os saberes prévios dos alunos, o que querem aprender, quais suas formas de aprendizado.
A partir de uma avaliação inicial, pode-se não apenas conhecer o aluno, como traçar estratégias metodológicas de ensino para atender às suas próprias necessidades e interesses. A avaliação em educação integral é, portanto, um instrumento processual de acompanhamento da aprendizagem tanto pelo educando como pelo educador, contemplando os diversos saberes, aproximando os conteúdos escolares dos saberes comunitários, convidando o avaliando a se auto-avaliar e a traçar seu próprio percurso nos caminhos do conhecimento.
Referências bibliográficas
- ZABALA, Antoni. Prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.ZABALA, Antoni. “Por quê se deve avaliar?”. Disponível online.Governo do Estado de São Paulo, “Diretrizes do programa Ensino integral” Governo de S Paulo. Disponível online.TERRASÊCA, Manuela. “A avaliação no interior da escola: espaço de inovação construída ou decretada?”. Disponível online.