publicado dia 12/07/2018
Visita de Malala ao Brasil encoraja perspectiva feminista para a educação
Reportagem: Da Redação
publicado dia 12/07/2018
Reportagem: Da Redação
Por Julia Dietrich
“Eu sou aquelas 66 milhões de meninas que estão fora da escola”, disse a ativista paquistanesa Malala Yousafzai em seu discurso de recebimento do Prêmio Nobel da Paz, em 2014. Quatro anos depois, a jovem chegou ao Brasil, trazendo a mensagem de que não basta acesso à educação, mas a reafirmação dos direitos de meninas e mulheres na sociedade.
Sobre Malala Yousafzai
Laureada com o Prêmio Nobel pela Paz em 2014, Malala é uma ativista paquistanesa que luta pelo direito à educação, com especial atenção ao direito das meninas e redução das desigualdades de gênero. Muçulmana, a jovem de 21 anos, sofreu um atentado e 2012, protagonizado por extremistas talibãs, que a condenavam por seguir com seus estudos, direito, segundo eles, exclusivo aos homens.
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Foi com essa perspectiva que Malala anunciou, na última terça-feira (10), a integração à Rede Gulmakai, iniciativa do Fundo Malala, de três mulheres brasileiras que lutam pela redução das desigualdades de gênero na educação e fortalecimento de uma educação não-machista no País. A rede que já atua no Afeganistão, Líbano, Índia, Nigéria, Paquistão e Turquia inicia com a parceira no Brasil um movimento de diálogo com a América Latina. No País, são mais de 1,5 milhão de meninas fora da escola.
“A vinda da Malala para o Brasil diz da importância do Brasil no continente e da capacidade de impacto que temos em apontar novos caminhos para a região. É reconhecer que estamos passando por uma situação muito difícil, que necessita de mudanças urgentes e que nós podemos apontar essas transformações”, explica Sylvia Siqueira Campos, militante da organização Mirim Brasil e uma das lideranças escolhidas por Malala.
Embora no Brasil as mulheres acessem mais a escola do que os homens, a educação apresenta uma perspectiva machista e sexista, que referenda e reforça as desigualdades de gênero na sociedade. “Essas são características revoltantes da nossa sociedade e a educação tem reafirmado essa triste realidade. Mas, ao mesmo tempo, a educação pode ser o caminho para mudar isso tudo”, explica Daniel Cara, coordenador licenciado da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Para ele, personalidades como a Malala e Kailash Satyarthi, ativista também reconhecido com o Nobel da Paz, fortalecem a luta pelos direitos humanos no País. “O Brasil é um país enorme, tem um potencial gigante, mas ainda está muito distante de respeitar os direitos das suas cidadãs e cidadãos”, justifica.
Para Malala, em entrevista ao Portal G1, o objetivo da iniciativa é apoiar as áreas que mais necessitam.“Vemos que só 30% das crianças afro-brasileiras terminam a escola. As comunidades indígenas representam 0,5% da população, mas representam 30% dos que estão fora da escola ou são analfabetos”, explicou, destacando o foco no Nordeste e nas comunidades indígenas e nas meninas afro-brasileiras. “[Precisamos garantir] que elas também tenham oportunidades iguais às de quaisquer outras meninas para ter acesso à mesma educação”. Na entrevista, a ativista ainda criticou o projeto Escola Sem Partido, reforçando a necessidade de educação sexual e de gênero nas escolas.
Um das respostas fundamentais, segundo Cara, para reduzir as desigualdades de gênero e raça no país está em “investir em uma educação não sexista, não machista, não misógina, não racista e não homofóbica. Em poucas palavras, precisamos de uma educação feminista”, reforçando a necessidade de políticas públicas específicas e do cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE).
De acordo com Sylvia, Malala apresentou muito conhecimento e preocupação com a realidade brasileira, com destaque às recentes mudanças curriculares e à Emenda Constitucional 55, do Teto dos Gastos, que reduziu sensivelmente o investimento em educação. “Outro ponto de extrema importância é o reconhecimento da Malala e da comunidade internacional sobre as diversas violências dos nossos governos, materializada de forma trágica no assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) e de Anderson Gomes, motorista que a acompanhava. “Esse fato fez com que várias Marielles, Malalas renascessem em nós. Esse surgimento de diversas Marielles é um sinal que a população não perdeu a esperança, que somos um povo que acredita na sua capacidade e que sabe que é com luta coletiva popular que conseguiremos transformar nossa sociedade”, complementa.
Além de Sylvia e o Projeto Mirim Brasil, Malala também apoiará Ana Paula Ferreira de Lima, da Bahia e uma das coordenadoras da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), com foco em aumentar o número de meninas indígenas a terminarem os estudos e Denise Carreira, de São Paulo, coordenadora adjunta da Ação Educativa, a fim de fortalecer um curso desenvolvido por ela e pela organização para formar educadores na temática e produzir pesquisas e informações na área.
O Mirim Brasil – Movimento Infantojuvenil de Reivindicação – é uma organização fundada em 1990 pelo militante em direitos humanos e importante agente na aprovação do ECA, Anacleto Julião, e atua, com o apoio de parceiros e ativistas, em três eixos complementares: educação em direitos para a cidadania ativa, com diversas atividades para crianças, adolescentes e jovens, apoiando-os a criar e utilizar mecanismos de qualificação e desenvolvimento de políticas públicas; apoio ao associativismo de base comunitária, fortalecendo coletivos locais a se estruturarem; e incidência política, com a participação em conselhos municipais e estaduais, e atuação em conjunto com organizações para os direitos da infância, adolescência e juventudes.
Na parceria com a Rede Gulmakai, a organização coordenará uma ação estratégica de 3 anos, com o objetivo de aprimorar o Plano Estadual de Educação de Pernambuco, atentando para a permanência escolar de meninas negras, quilombolas e indígenas no Ensino Médio.
“O Plano Estadual de Educação, aprovado em 2015, é um plano muito bom, mas que não reverteu em políticas concretas”, avalia Sylvia. Para tanto, a organização construirá um processo educativo junto a meninas de três municípios, paralelamente, coletando dados desagregados das estatísticas estaduais. “Isso nos permitirá maior qualidade na leitura cenarial para incidência na aplicação do orçamento público”, complementa a ativista.
O grupo também coordenará junto às meninas uma campanha e atividades de sensibilização da opinião pública para construir uma perspectiva feminista para a educação.