publicado dia 13/11/2024
Seminário visibiliza experiências de redes municipais com currículo e avaliação na Educação Integral
Reportagem: Da Redação
publicado dia 13/11/2024
Reportagem: Da Redação
🗒️Resumo: Como o compromisso com a Educação Integral transforma o funcionamento das escolas? Secretários municipais de Educação e professores com experiência na temática discutem avaliação e currículo durante o 3º Seminário Nacional de Educação Integral, na manhã desta quarta-feira (13/11).
Educadores e gestores públicos municipais de Educação reuniram-se na manhã de quarta-feira (13/11) no 3º Seminário Nacional de Educação Integral para discutir caminhos para construir o currículo e conduzir a avaliação nas escolas de Educação Integral e de tempo integral.
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Com mediação de Mark Assen (UFAC), a mesa “Formação humana integral, currículo e avaliação continuada: como o compromisso com a aprendizagem e desenvolvimento integral transforma o modo de ser escola, considerando indicadores?” contou com a participação de Gina Vieira Ponte de Albuquerque, professora de Educação Básica da rede pública de ensino do Distrito Federal.
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Na ocasião, também foram compartilhadas experiências da rede municipal de Contagem (MG), com a presença do Subsecretário de Políticas da Educação Básica Anderson Santos, e de Lajedo do Tabocal (BA), com a secretária de Educação Telma do Nascimento.
A transmissão online é realizada pelo canal no YouTube da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB). Para quem se inscreveu e deseja obter o certificado, é preciso acessar o evento pela plataforma indicada pela organização do evento.
Secretária de Educação de Lajedo do Tabocal (BA), Telma do Nascimento abriu as discussões da mesa contextualizando o município baiano. Localizada a 350 quilômetros da capital Salvador, Lajedo do Tabocal possui 8 mil habitantes e é uma cidade de economia frágil e baixa arrecadação.
“Antes de implantar a política, começamos processos formativos pensando que tipo de sociedade queremos construir e qual concepção de Educação Integral defendemos e desejamos efetivar”, lembrou Telma.
Além disso, a gestora ressaltou que a decisão política de implementar a política de Educação Integral se deu em um contexto desafiador, durante a pandemia de Covid em 2020-2021.
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Assim, além do foco na formação dos profissionais da Educação e outros sujeitos nas escolas, o município baiano focalizou atenção no planejamento financeiro sustentável da política de Educação Integral e tempo integral.
“Um dos maiores desafios sempre foi uma política de financiamento específica. Lajedo do Tabocal implantou a Educação Integral no contexto de pandemia, governo antidemocrático, professores adoecidos e miséria. Naquele momento, apesar de não termos uma estrutura física adequada, a gente precisava pensar nas pessoas. Esse é um ponto: alguns municípios aguardam a estrutura para implementar a política. No nosso caso, não podíamos esperar”, afirmou Telma.
“Alguns municípios aguardam a estrutura para implementar a política. No nosso caso, não podíamos esperar”, afirmou a secretária de Educação de Lajedo do Tabocal, Telma do Nascimento
Entre as ações da rede, a gestora destacou a instituição de uma equipe multiprofissional, a aposta na intersetorialidade e a proposta do currículo pautada na garantia de direitos. Além disso, a rede trabalha com uma coordenação específica de Estudos da Educação das Relações Ético-Raciais e para Atividades Esportivas.
A valorização e a formação dos professores é outro ponto de destaque. No caso, Lajedo do Tabocal apostou em formações com especialistas e militantes da área, além da distribuição de livros para os professores em cada diálogo pedagógico. Entre as obras apresentadas, estão clássicos como “Pedagogia do Oprimido”, de Paulo Freire, e “Da Educação que ama ao amor que educa”, de César Nunes.
Telma também contou que a gestão democrática foi fortalecida no município, com processos democráticos para escolha de gestores, avaliação da política, Conselho de Educação, Grêmio Estudantil e Audiência Pública de Educação Integral.
“Foi o momento de dar voz à comunidade para avaliar a política de Educação Integral e a gente seguisse compreendendo que a política é construída a muitas mãos e com a participação de todos”, comemorou.
A gestora também apresentou diferentes projetos desenvolvidos pela rede, como a experiência “O espetáculo da vida: viver entre o sonho ou a dura realidade da sobrevivência”. A experiência, cujo relato está disponível no Centro de Referências em Educação Integral, envolveu o uso de músicas dos Racionais MCs para refletir sobre a realidade da população carcerária e negra no Brasil.
Subsecretário de Políticas da Educação Básica em Contagem (MG), Anderson Santos compartilhou a importância de projetos de Educação Integral como o “Além dos Muros”, que induz a exploração dos espaços públicos da cidade e até de outros municípios pelos estudantes das escolas públicas da rede.
“A ideia é que o currículo é a cidade, os territórios onde as pessoas estão. O projeto tem muita adesão e dialoga muito com a concepção de Educação Integral. ”, comemorou Anderson, detalhando que a secretaria de Educação acompanha cada projeto desenvolvido neste âmbito
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“A ideia é que o currículo são os territórios onde as pessoas estão. O projeto dialoga muito com a concepção de Educação Integral”, afirmou Anderson Santos, secretário de Educação de Contagem (MG)
Outro projeto é a Escola Viva, que ainda é realizado no contra-turno. “Podemos depois avançar para além desse modelo? Sim, mas se a gente não fizesse assim, não íamos fazer. Às vezes ficamos muito presos nesse debate”, opinou.
Anderson também detalhou o trabalho com tutoria realizado pela rede municipal.
“A gente quis implementar a tutoria em todas as escolas, mas sem o convencimento da rede, isso não funciona. Sou maravilhado com as experiências como a das escolas Amorim Lima e Waldir Garcia, mas a tutoria trata de uma abordagem pedagógica de um professor orientador, próximo afetivamente, inclusive, que ajuda na condução da vida escolar dos estudantes e que tem a sensibilidade para fazer um trabalho numa rotina que não pensa nos estudantes como aqueles que trazem um déficit, mas ela é para olhar para os sujeitos e potencializar o que eles estão trazendo. Por isso, no programa, o acompanhamento pedagógico é feito por professores-tutores e proibimos a palavra ‘reforço escolar’. O que fazemos é outra dinâmica, o que não é fácil”, explicou ele, ressaltando que a tutoria conta também com apoio dos agentes culturais envolvidos nos projetos.
Para avaliar os processos, Anderson contou que a rede organizou mais de 600 bancas, evitando o uso de instrumentos como provas objetivas. “Cada um teve 20 minutos para exposição do projeto. Dá trabalho, mas vale a pena”. A rede realiza também uma avaliação multidimensional trimestral, com diferentes pesos para a avaliação dos professores (60%), do Conselho de Classe (20%) e do próprio estudante (20%).
“Desde o primeiro ano do Fundamental, o estudante pode atribuir para ele mesmo 20% da nota da avaliação”, contou.
Sobre os indicadores, Anderson explicou que existe pressão por resultados em avaliações externas, como no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Assim, o município criou o Índice de Qualidade da Educação Social da Educação (IQESE), que considera outros fatores. “São 10 itens que precisamos avaliar na escola, como gestão escolar, desempenho acadêmico, indicadores sociais, organização escolar, recursos humanos e materiais, projetos pedagógicos da escola, equidade e inclusão. Ele leva em conta uma leitura mais aprofundada da escola”, explicou.
Por fim, Anderson defendeu a ideia de expandir a Educação para além dos muros da escola, incluindo, por exemplo, espaços públicos como as praças. “A praça é lugar do encontro, da convivência, das expressões culturais e dos shows”, concluiu.
Expoente no campo da Educação Integral e da Educação Antirracista, a professora Gina Vieira trouxe a perspectiva do chão da escola.
“Houve uma mudança profunda no comportamento dos estudantes com a chegada dos celulares na escola. Estou lendo um livro, ‘A Geração Ansiosa’ (de Jonathan Haidt), que mostra esse marco de uma infância apartada das ruas. Ele mostra como, a partir da década de 1980 e 1990, houve um processo de superproteção das crianças. E o livro vai mostrando como saímos da infância do brincar para a infância do celular e como isso impacta, profundamente, o processo de subjetivação das crianças e como isso esgarça o tecido social”, explicou.
Assim, defendeu Gina, quando falamos que a escola de tempo integral devolve as crianças para as ruas, não estamos fazendo uma coisa pequena. “Estamos resgatando aquilo que as Big Techs tem tentado destruir, que são as relações sociais”, disse.
Voltando ao foco da mesa, a educadora localizou o currículo, a didática e a avaliação como tripé do trabalho na Educação.
“Quem está no chão da escola sabe que o currículo, a didática e a avaliação são o tripé do trabalho”, afirmou a professora Gina Vieira
“Quem está no chão da escola, sabe que o currículo, a didática e a avaliação são o tripé do trabalho. Como professora, digo que temos muitos desafios com relação aos indicadores, porque eles são fundamentais, precisamos avaliar a Educação, mas eles viram também dispositivos de opressão das escolas e de adequação das escolas a uma lógica que atenta contra a Educação Integral”, disse.
Gina destacou também o aligeiramento da formação dos professores nos últimos anos, com a multiplicação de formações frágeis, realizadas muitas vezes à distância, traz consequências negativas para a Educação.
“Para além de dar os conteúdos, um professor precisa ser capaz de inspirar seus alunos. Ele precisa ser capaz de ser uma autoridade intelectual para organizar o trabalho pedagógico a partir dos sujeitos que estão ali. Mas percebemos que o neoliberalismo tem forjado subjetividades, inclusive a do professor”, opinou.
“Ninguém aprende onde não se pode construir o senso de comunidade. A escola é o que nos restou como possibilidade de vida comunitária”, disse Gina Vieira
“Sabemos que é papel da escola também formar para o trabalho, mas é uma tragédia quando vemos a escola de joelhos para o capitalismo, ensinando a juventude a ser empreendedora apenas”, disse.
“Se a gente quer colocar de pé políticas educacionais comprometidas com a Educação Integral, precisamos colocar o foco na liderança mais importante da educação: que é o professor e a professora. Não se faz política nenhuma sem eles”
“Existe uma crença de que escola boa é uma escola sem alegria. Mas precisamos dizer que ninguém aprende numa escola onde não se pode construir o senso de comunidade. A escola é o que nos restou como possibilidade de vida comunitária”, afirmou Gina.
“Precisamos lembrar que essa escola tem muito mais chance de promover aprendizagem do que uma escola autoritária. Estamos cansados de saber que não dá para fazer uma escola efetiva soterrando as infâncias e adolescências”, avaliou.
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