publicado dia 05/12/2024

São Paulo deve reduzir oferta de vagas para a EJA em 2025

Reportagem: | Edição: Tory Helena

🗒 Resumo: Unidades que ofertam Educação de Jovens e Adultos (EJA) em São Paulo (SP) receberam anúncio de fechamento de vagas para a modalidade em 2025. Organizações da sociedade civil e universidades acionaram o Ministério Público contra a medida; entenda.

Entre setembro e outubro deste ano, as Diretorias Regionais de Educação da cidade de São Paulo (SP) realizaram reuniões com escolas municipais de Ensino Fundamental que atendem a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Centros Integrados de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA) para anunciar uma redução de oferta de vagas para a modalidade em 2025.

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Organizações da sociedade civil, universidades e educadoras, como o Grupo de Estudos de Educação de Jovens e Adultos da Faculdade de Educação da USP, a Ação Educativa e o Fórum de Educação de Jovens e Adultos do Estado de São Paulo, enviaram ao Grupo de Atuação Especial de Educação do Ministério Público do Estado de São Paulo uma representação pedindo não apenas a reversão da redução de vagas, mas sua expansão e políticas que apoiem a modalidade.

“Temos recebido denúncias diversas que indicam drástica diminuição da oferta de turmas para 2025 na rede municipal de ensino de São Paulo, aprofundando tendência de queda dos últimos anos destacada na pesquisa EJA e Pandemia, em desenvolvimento por pesquisadoras da FEUSP”, diz um trecho do documento. 

O cenário se agrava quando somado às movimentações no âmbito estadual e nacional. Em implementação no Estado de São Paulo desde 2012, o Programa Ensino Integral (PEI) levou ao fechamento de 80% a 90% das turmas noturnas de EJA onde foi implementado, sem a reposição em outras unidades educacionais dos territórios. 

Na cidade de São Paulo, há 245 mil pessoas não-alfabetizadas e cerca de metade das pessoas com 25 anos ou mais que não concluíram a Educação Básica. No Estado, há cerca de 1 milhão de pessoas não-alfabetizadas e 11,75 milhões de pessoas com 25 anos ou mais que não concluíram a Educação Básica. Em ambos os cenários, a população negra é majoritária. Os dados são do Censo Escolar 2023.

Já no Brasil como um todo, entre 2012 e 2022, a modalidade perdeu 97% dos recursos investidos, como mostra o dossiê “Em busca de saídas para a crise das políticas públicas de EJA”, uma iniciativa do Movimento Pela Base e realização da Ação Educativa, Cenpec e Instituto Paulo Freire

“Se não tem o módulo inicial, como as pessoas vão dar prosseguimento?”, indaga Soraia Cruz.

O Cieja Rose Mary Frasson, na zona Norte de São Paulo, é uma das unidades que recebeu o aviso de fechamento de matrículas. Ao todo, vão perder 100 vagas. 

“A previsão que nos deram foi de fechamento dos módulos iniciais de alfabetização aqui e em mais quatro escolas do território. Sem isso, está decretado o fim da EJA, porque se não tem o módulo inicial, como as pessoas vão dar prosseguimento?”, indaga Soraia Cruz, coordenadora pedagógica da escola. 

Este módulo é fundamental para as pessoas socialmente mais vulnerabilizadas, que nunca tiveram acesso a qualquer escolarização, migrantes e refugiados, e pessoas com deficiência. 

“Esses dias recebemos uma pessoa com deficiência que tem 47 anos e está institucionalizado e não é alfabetizado. Ele nos procurou porque queria vir estudar ano que vem, mas tivemos que dizer para ele que não temos como garantir a matrícula”, lamenta Soraia. 

“É muito triste, porque seria um desrespeito colocar essas pessoas em turmas mais avançadas. Estamos falando de pessoas com deficiência que não podem estudar à noite, de pessoas trans, adolescentes saídos do sistema judiciário e pessoas em situação de rua que não são bem vindos em outras escolas e agora nem aqui poderão vir”, diz a educadora.

Solange Vitorino dos Reis, 60 anos, é uma das estudantes que acessou a escola no primeiro módulo por incentivo da irmã que também voltou a estudar quando adulta. 

“É uma escola que acolhe a todas as pessoas e foi com ele que aprendi a respeitar as diferenças. Os professores são muito pacientes e se dedicam em ensinar, principalmente quem tem mais dificuldades. Tenho alegria e orgulho do que estou aprendendo lá e me dá muita alegria ver os colegas lendo e escrevendo”, afirma Solange. 

Os estudantes e a comunidade realizaram manifestações em frente à escola para pedir a manutenção das vagas. A gestão também dialoga com a Secretaria Municipal de Educação para reverter os anúncios. “Mas estão entendendo que têm pouca ou nenhuma necessidade porque são poucas pessoas”, diz Soraia.

A educadora explica que as turmas tendem a começar o ano com poucos estudantes. Ao longo dos meses, as matrículas crescem porque os próprios alunos fazem circular a notícia da possibilidade de estudar e conquistam outros jovens, adultos e idosos a voltar às salas de aula, como foi o caso de Solange.

“É um sonho que estou realizando e gostaria que outras pessoas também pudessem fazer isso e mudar suas vidas”, diz a estudante Solange dos Reis.

“Poder entrar em qualquer momento do ano é uma característica da EJA, porque são pessoas lidando com a sobrevivência em primeiro lugar. Assim que for possível para eles virem, em qualquer momento e idade, temos que estar de portas abertas, porque é um direito de todos”, defende Soraia.

“A atuação de SME desconsidera a sua responsabilidade legal de abrir muitas turmas e possibilidades para a garantia do direito à alfabetização de jovens, adultos/as e idosos/as, em todos os locais e períodos possíveis, além de realizar chamada pública e a busca ativa, que não têm sido realizadas de forma ampla e adequada ao público da modalidade”, afirma outro trecho do documento encaminhado ao Ministério Público.

A estudante Solange afirma que ela e seus colegas estão dispostos a lutar pelo direito à Educação próprio e de outras pessoas. “Nós somos pessoas, não somos números. É muita injustiça, porque é um sonho que estou realizando e gostaria que outras pessoas também pudessem fazer isso e mudar suas vidas. Para nós, periféricos, tudo que nos é dado com uma mão, é tomado com a outra”, diz Solange.

Procurada pela reportagem do Centro de Referências em Educação Integral, a Secretaria Municipal de Educação emitiu a seguinte nota: 

A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Educação (SME), informa que atende 100% da demanda de matrículas e turmas para a modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Hoje há mais de 20 mil pessoas matriculadas na EJA da Rede Municipal de Ensino (RME).

Em relação ao CIEJA Profa. Rose Mary Frasson, mencionado na reportagem, até o momento a unidade não recebeu demanda para a abertura de turmas do Módulo I no próximo ano e segue com as matrículas regulares abertas para 2025.

É importante destacar que, com a obrigatoriedade de estudos a partir dos 4 anos de idade, há a expectativa de diminuição progressiva de demanda por matrículas na modalidade EJA. A SME incentiva a matrícula para aqueles que pretendem voltar a estudar e reforça as ações de busca ativa para evitar o abandono escolar.

Projeto de EJA itinerante alfabetiza adultos e idosos em Lajedo do Tabocal (BA)

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