publicado dia 15/07/2024

Projeto do conservadorismo para a Educação vai na contramão das diversidades 

Reportagem:

Resumo: Da militarização à censura aos profissionais da Educação, conheça diferentes formas de ataque às políticas públicas de Educação promovidas por diferentes atores políticos no Brasil, de acordo com o Mapeamento Educação Sob Ataque. O estudo analisou proposições legislativas, notícias e casos particulares desde 1989 até os dias atuais. Para especialistas, há um cerceamento das liberdades e uma contrariedade às diversidades, que buscam combater conquistas progressistas recentes na Educação e reduzir direitos.

No final de maio de 2024, o Estado de São Paulo aprovou a criação do Programa Escola Cívico-Militar, mesmo após o fim do programa nacional. Poucos dias depois, o Paraná aprovou o projeto de lei Parceiro da Escola, que vai privatizar a gestão administrativa das escolas públicas estaduais. 

Longe de serem casos isolados, os exemplos recentes compõem um cenário de avanço de projetos que vem ganhando força na última década, sobretudo a partir de 2021. 

O mapeamento Educação Sob Ataque, realizado pela Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, encontrou 201 casos de militarização, perseguição, censura, neofascismo, racismo e outras violências contra a Educação por todo o Brasil.

O período observado foi de 2013, ano que marca a primeira ação do Escola Sem Partido, até 2023. O estudo concluiu que as diferentes formas de ataque identificadas estão relacionadas com um fenômeno social e político complexo que abarca diferentes grupos da sociedade geral.

No cenário legislativo de todo o território brasileiro, o mapeamento encontrou 1.993 proposições legislativas, a maioria de ameaças e ataques à educação pública, e uma minoria de resistência a eles.

Além de propostas de militarização, privatização e censura de educadores, o avanço conservador e extremista também pode ser detectado em um fenômeno extremo: os ataques armados em escolas. 

Citando dois relatórios recentes (GT de Educação ao governo de transição, de 2022 e GT de especialistas em violência contra escolas, de 2023), Marcele Frossard explica a relação entre os discursos armamentistas endossados tradicionalmente pelo conservadorismo com os ataques violentos observados nas escolas: 58% dos casos dos últimos 20 anos ocorreram em 2022 e 2023.

“A flexibilização do acesso a armas e a falta de regulamentação da Internet estão associadas ao crescimento das violências extremas contra escolas”, explica a coordenadora de programa e políticas da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e do Mapeamento Educação Sob Ataque.  

Gráfico do mapeamento Educação Sob Ataque mostra a quantidade de diferentes casos de ataques à Educação na última década

Crédito: Campanha Nacional Pelo Direito à Educação

Subfinanciamento e precarização 

Em outra dimensão, o subfinanciamento da Educação pública brasileira representa outro tipo de ataque. O Plano Nacional de Educação (PNE) previa atingir o patamar de 10% do PIB para a Educação. Em 2014, a taxa estava em 5% e assim permaneceu até o final da vigência do Plano, em 2024, atravessando uma pandemia que demandou ainda mais investimentos na área. 

“A falta de investimento é uma estratégia para impedir que os profissionais da Educação possam fazer seu trabalho. Mas temos professores que são insistentes e resistentes e continuam lutando contra esse extremismo”, diz a professora Rosa Margarida de Carvalho Rocha, coordenadora do Grupo de Estudos Afropedagógicos SANKOFA e coordenadora do Fórum Nacional de Educação Básica da Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as).

O sucateamento da Educação pública termina por alimentar discursos de que a escola pública seria ruim e, portanto, intervenções militares, privatizadas e de censura seriam indispensáveis. 

“Nós temos problemas de qualidade da Educação, mas o conservadorismo se utiliza disso para justificar a escola militar, domiciliar ou supostamente sem partido”, elucida Marcia Jacomini, professora na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

Por que a Educação? 

A escola costuma ser a primeira instituição que as crianças ocupam fora do núcleo familiar. Os temores naturais que podem permear as famílias nesse momento passam a ser instrumentalizados pelo conservadorismo. 

“A Educação é um lugar produtivo para gerar fortes emoções, pânico moral e engajamento nas redes sociais. A antropóloga Letícia Cesarino analisa que a direita fala que está defendendo crianças porque é uma forma de se posicionar em luta política enquanto aqueles que defendem o que é puro e do bem – as crianças – contra o que é impuro e diabólico”, explica Renata Aquino, que faz parte da coordenação da Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação e é membro do Professores Contra o Escola sem Partido.

“Perseguir professores virou um negócio lucrativo”, explica Renata Aquino

Durante a CPI da Covid-19, em 2021, o influencer Gustavo Gayer teve parte de seus vídeos removidos do YouTube por disseminar desinformação. Com eles, havia lucrado 40 mil reais. Gustavo é dono de uma das principais plataformas de denúncia de professores do Brasil. 

“O Escola Sem Partido foi mais um empreendimento do que um movimento social, porque perseguir professores virou um negócio lucrativo”, explica Renata. “Expor professores e material didático dá muita projeção nas redes sociais, o que facilita se filiar a um partido e ganhar uma eleição. Essa foi a trajetória de parlamentares como Ana Caroline Campagnolo, Gustavo Gayer e Carlos Jordy”.

Para além destes fatores, o próprio papel da Educação em uma sociedade indica o interesse de setores conservadores da sociedade em avançar sobre ela. “A escola é o espaço de formação da geração futura que está em todos os lugares do Brasil. É alcançar um público muito grande e muito rápido, com a possibilidade de transformar a forma como as pessoas entendem a realidade, seus direitos e os dos outros”, diz Marcele.

Nessa escola pública brasileira estão, em sua maioria, os filhos das classes marginalizadas e empobrecidas. São os negros, periféricos, indígenas e quilombolas. 

“Quem pode modificar essa nação em todos os aspectos, inclusive economicamente, são os professores, de quem a extrema direita tem muito medo”, diz Rosa Margarida Rocha

“A extrema direita não quer que essas pessoas tenham qualquer possibilidade de ascensão social, de não aceitar formas de imposição e de retirada de direitos, porque precisa disso para implantar suas políticas e dar continuidade ao capitalismo”, elucida Rosa Margarida. 

Os professores, enquanto agentes centrais dessa transformação, terminam por ser perseguidos, censurados e sem condições de trabalho. “Quem pode modificar essa nação em todos os aspectos, inclusive economicamente, são os professores, de quem a extrema direita tem muito medo. Por isso vêm cerceando a possibilidade do professor ser um educador na perspectiva de Paulo Freire”, aponta Rosa Margarida.

Para as especialistas, o endurecimento das ações conservadoras são também uma reação às conquistas dos movimentos progressistas nos últimos anos, inclusive em relação a ensinar na escola a convivência cidadã e democrática, o respeito às diversidades e a multiplicidade de narrativas que formam o Brasil e o mundo.

“É um projeto que visa apresentar aos estudantes um pensamento único e [a escritora nigeriana] Chimamanda Adichie já nos alertou sobre o perigo de uma história única, porque a situação mais extremada disso nos leva ao fascismo, quando o modelo de ser humano que merece estar no mundo é único. Daí a importância de uma Educação plural, porque somos plurais”, diz a professora Marcia.

*Foto: Silvio Turra/Seed-PR

Como pensar saídas para a violência extrema contra escolas

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