publicado dia 12/06/2025

Professores da USP analisam o pano de fundo do afastamento de diretores escolares em São Paulo (SP)

Reportagem: | Edição: Larissa Alves

🗒 Resumo: Na esteira das mobilizações contra o afastamento de diretores escolares de 25 escolas da cidade de São Paulo (SP), os professores da Universidades de São Paulo Carlota Bota e Vitor Paro analisaram a ação da Secretaria Municipal de Educação e o uso do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica para sustentar a medida. Assista ao debate completo.

Na sexta-feira, 23 de maio, 25 escolas da cidade de São Paulo (SP) foram surpreendidas com a notícia de que seus gestores escolares seriam afastados das unidades, a partir do dia letivo seguinte, para participar de uma “requalificação intensiva” promovida pela Secretaria Municipal de Educação (SME) até o final do ano.

A medida gerou instantânea mobilização de estudantes, famílias, professores, parlamentares, ativistas e especialistas em Educação. Na live Hora do Intervalo, que aconteceu na quinta-feira, 29 de maio, os professores da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE/USP), Carlota Boto e Vitor Paro, analisaram a medida e a argumentação da SME e pediram a revogação do afastamento dos diretores escolares.

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Carlota Boto, professora na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE/USP), apontou que a medida fere três elementos fundamentais da escola: sua autonomia em construir um Projeto Político Pedagógico e prestar contas à comunidade em relação a ele, a qualidade pedagógica do trabalho desenvolvido e a gestão democrática, “que deveria ser um princípio de todas as escolas públicas e do nosso país”, defendeu a professora. 

Para ela, a resposta dos estudantes, famílias e comunidades frente à decisão da SME revela muito sobre a qualidade do trabalho realizado e o vínculo que se estabeleceu entre as pessoas.

“Uma coisa importante de observar é a reação das comunidades escolares frente ao afastamento dos diretores. Todas as comunidades, todos os alunos, se organizaram de modo a reivindicar e a organizar atos tendo em vista a permanência desses diretores”, afirmou Carlota.

De acordo com a SME, a retirada dos diretores faria parte de um plano de “requalificação” promovido pela gestão do prefeito Ricardo Nunes até o final do ano letivo. “A capacitação, inédita, inclui vivência em outras unidades educacionais e tem como objetivo o aprimoramento da gestão pedagógica para melhorar a aprendizagem de todos os estudantes”, afirma o site oficial da SME. A ação está prevista no Programa Juntos pela Aprendizagem, instituído em 25 de abril, durante a greve de professores na rede municipal.

Vitor Paro, professor emérito também FE/USP, onde exerce a docência e a pesquisa como professor titular colaborador sênior e coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração Escolar (Gepae), disse conhecer de perto muitas das escolas afetadas pela medida e reconheceu um padrão entre elas. 

“O que existe de peculiar nessas escolas é precisamente o fato […] de aplicarem Paulo Freire na prática, é ensino de verdade, com alunos que são sujeitos, que é o papel principal que tem que ser levado em conta quando se pretende verdadeiramente educar”, disse o especialista, que também acompanha de perto os gestores escolares das unidades.

“Conheço muitos desses diretores. Um deles faz parte do Gepae, que eu comando, e está fazendo mestrado na USP. Ele tem uma escola maravilhosa. Conheço escolas que cobram 5 ou 6 mil reais e não tem a beleza da cultura que ele trabalha ali. É uma escola limpa, bonita, com arte, com cultura. Outro diretor também faz parte do Gepae e está terminando o pós-doutorado em Educação na USP”, afirmou.

A questão do Ideb

O desempenho da escola no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2023, além do tempo de atuação do gestor escolar, foi apresentado como critério pela gestão municipal para a escolha das 25 escolas afetadas. Com turmas de Ensino Fundamental, muitas estão localizadas em regiões vulnerabilizadas.

“Não é verdade que essas escolas têm Idebs ruins, como se isso valesse alguma coisa”, criticou o professor Vitor. Estudo conduzido pela cientista social Ana Luiza do Couto Montenegro mostra que as escolas selecionadas, de fato, não são as que possuem os piores índices da cidade. 

“Não sou totalmente crítica a que haja avaliações externas, entretanto o resultado de uma avaliação jamais poderia ser utilizado para esse tipo de atitude, porque é evidente que existe uma correlação entre o desempenho nesses índices e a vulnerabilidade econômica das populações escolares”, indicou a professora Carlota. 

A especialista também explicou que esses índices não são capazes de mensurar várias outras dimensões do trabalho de uma escola, como a formação em direitos humanos e o desenvolvimento integral dos sujeitos.

“Isso nos leva a crer que uma medida como essa teve muito mais uma razão política, porque estamos falando de diretores preocupados com as questões pedagógicas, mas também com as questões de justiça social. É possível que eles tenham sido prejudicados em virtude exatamente da qualidade do trabalho que eles desenvolvem”, disse Carlota.

Nos Estados Unidos da América, as avaliações externas já foram utilizadas para monitorar e hierarquizar as escolas, a exemplo do que vem acontecendo no Brasil. Em 2011, Diane Ravitch, ex-secretária-assistente de Educação dos EUA, publicou o livro “Vida e Morte do Grande Sistema Escolar Americano: Como os Testes Padronizados e o Modelo de Mercado Ameaçam a Educação”, em que repudia posições que ela anteriormente defendeu, como esse tipo de uso das avaliações externas, privatização, testes padronizados e responsabilização punitiva.

“Ela percebeu, e aqui são palavras dela, que a Educação é importante demais para deixá-la à mercê das variações do mercado e nas mãos dos amadores da Educação. E infelizmente nós temos essas duas forças aqui – o que eles realmente querem é privatizar”, disse Vitor.

Assista ao debate na íntegra:

Redhumani debate o caso do afastamento de diretores escolares em São Paulo

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