publicado dia 15/08/2014
O que os quartos das crianças dizem sobre elas?
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 15/08/2014
Reportagem: Ana Luiza Basílio
O ensaio fotográfico “Where Children Sleep” (Onde as crianças dormem), realizado pelo fotógrafo James Mollison foi amplamente repercutido por sites e redes sociais nos últimos meses. A ideia de retratar crianças ao redor do mundo a partir de fotografias de seus quartos partiu de uma reflexão do profissional que, na época, desenvolvia um trabalho sobre os direitos das crianças.
“Eu me peguei pensando sobre o meu quarto: o quão significativo foi durante a minha infância, e como refletia o que eu tinha e quem eu era. Ocorreu-me que uma maneira de resolver algumas das situações complexas e questões sociais que afetam as crianças seria olhar para os quartos delas em todos os tipos de circunstâncias”, explica o profissional em seu site.
Indira, 7 anos
“Vive com seus pais, irmão e irmã, perto de Kathmandu, no Nepal. Sua casa tem apenas um quarto, com uma cama e um colchão. Na hora de dormir, as crianças compartilham o colchão no chão. Indira trabalha na pedreira de granito local desde os três anos. A família é muito pobre por isso todos tem que trabalhar. Há 150 crianças trabalhando na pedreira. Indira trabalha seis horas por dia além de ajudar a mãe nos afazeres domésticos. Ela também frequenta a escola, a 30 minutos a pé. Sua comida preferida é macarrão. Ela gostaria de ser bailarina quando crescer.” Foto: James Mollison
São 56 fotos de crianças ao lado de seus quartos (confira o ensaio completo na página do fotógrafo), acompanhadas de breves relatos que dizem sobre o modo de vida, hábitos e sonhos. Para o psicólogo e professor Washington Fonseca, o trabalho evidencia como a criança é fruto da cultura em que está inserida, e da sua condição social.
Em sua visão, a composição dos quartos das crianças pode dar pistas sobre o espaço que elas ocupam na residência, na sociedade e nas relações culturais da comunidade a que pertencem. No entanto, Fonseca discute que os cômodos retratados também podem ter sido composições estéticas e artísticas do fotógrafo ou representações dos desejos ou expectativas dos familiares, que em muitos casos são responsáveis pela organização e decoração das casas. “Não dá pra dizer com certeza que estas imagens retratam a vontade e personalidade das crianças”, indica.
Douha, 10 anos
“Mora com os pais e onze irmãos em um campo de refugiados palestinos em Hebron, na Cisjordânia. Ela divide um quarto com outras cinco irmãs. Douha frequenta uma escola, a 10 minutos a pé, e quer ser pediatra. Seu irmão, Mohammed, participou de um ataque suicida contra os israelenses em 1996. Posteriormente, os militares israelenses destruíram a casa da sua família.” Foto: James Mollison
Ainda assim, o professor diz ver aspectos interessantes do ensaio, na medida em que ele convida o leitor a situar e perceber múltiplas infâncias, e a forma como estas são ou não respeitadas pela sociedade. São imagens que falam de consumismo, de trabalho infantil, de contextos sociais complexos, mas também da singularidade cultural dos diferentes personagens escolhidos.
De maneira geral, o especialista entende que o reconhecimento da infância depende também do entendimento que os adultos têm sobre ela. “As crianças são produtoras de cultura e, por isso, precisamos pensar formas de contribuir para que essas expressões sejam reconhecias e valorizadas”. Fonseca aponta que a escola – de maneira geral – é o único espaço a incentivar e receber essa produção. No entanto, acredita que essas experimentações devam ser valorizadas para além do ambiente escolar.
“Os espaços podem acolher as contribuições das crianças, ainda que o processo seja mediado por um adulto”, considera, justificando que é possível estabelecer um diálogo com quanto às formas de organização, decoração, e outras decisões que os pequenos julguem poder contribuir. “Isso favorece a construção de uma relação de pertencimento e também afetiva com esse e tantos outros ambientes, privados ou públicos”, explica.
O educador tem aproximado essa lógica do seu trabalho – ele dá aulas para o Centro de Educação Infantil Pinheiros, em São Paulo. Fonseca tem convidado as crianças a vivenciarem práticas pedagógicas em praças e outros espaços públicos. “Elas precisam de referenciais – para além do espaço fechado da escola – para se desenvolverem de forma autônoma e, de maneira geral, acho que nos preparamos pouco para contribuir com esse processo”, avalia.
Embora reconheça o dever da sociedade de proteger a infância, o educador adverte que não podemos ofertar um campo subjetivo e de experimentações sem estímulos e desafios para a criança. Fonseca explica que quando convidada a se expressar e falar de seus medos, anseios e desejos, a criança consegue se perceber e construir sua identidade de forma saudável e autônoma.
Para tanto, o professor defende que a criança seja vista em sua integralidade, na fase do desenvolvimento em que se encontra. “Ela não é um ‘mini adulto’ e perceber isso muda totalmente a relação estabelecida com os familiares, responsáveis, e com a própria escola”, observa. Washington defende que para seu desenvolvimento integral, as crianças têm que ter acesso a uma ampla oferta de aprendizagens, materiais e experiências em diálogo com variados espaços e pessoas.
Jamie, 9 anos
“Mora com seus pais, irmão gêmeo e sua irmã em um apartamento na Quinta Avenida em Nova Iorque. Jamie frequenta uma escola de prestígio e é um bom aluno. Em seu tempo livre, ele faz aulas de judô e natação. Quando crescer, quer se tornar um advogado como seu pai.” Créditos: James Mollison