publicado dia 10/07/2025
O que o Ideb não mostra: Diversidade, inclusão e vulnerabilidade das escolas
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
publicado dia 10/07/2025
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
🗒 Resumo: Os limites do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para avaliar a qualidade de escolas voltou ao debate após o desempenho na avaliação justificar o afastamento de 25 diretores escolares em São Paulo (SP).
Conheça mais sobre aspectos que avaliações de larga escala não mostram sobre o trabalho de cinco unidades da rede municipal.
Nesta quinta-feira, 10 de julho, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou o retorno dos 25 diretores escolares às suas unidades de ensino e o fim da participação no curso “Aprimorando Saberes – Diretores de Escola” até posterior deliberação judicial.
Leia Mais
A decisão teve como base manifestações do Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (Sinesp), do Ministério Público e da Defensoria Pública, e entre os argumentos destaca:
“Tais escolas estão situadas em áreas periféricas e vulneráveis, muitas das quais obtiveram reconhecimento por boas práticas educacionais sob a gestão dos Diretores agora afastados. A substituição abrupta de suas lideranças compromete a estabilidade e a coesão das equipes escolares”, diz a liminar.
Especialistas em avaliação educacional reiteram que índices como o Ideb e o Idep não têm a finalidade de analisar o trabalho individual dos diretores e mostram um recorte reduzido do trabalho e da realidade de uma escola. Leia mais nesta reportagem.
A seguir, conheça mais sobre aspectos importantes do contexto e do trabalho escolar que são invisíveis para avaliações como o Ideb:
Projetos aproximam estudantes e professores e ajudam a melhorar o clima escolar.
Crédito: Divulgação/CEU EMEF Prof. Antonio Carlos Rocha
A maior parte dos estudantes da unidade fazem parte de uma comunidade estabelecida em 2012 nos arredores da escola. Em setembro, devem ser despejados pela Prefeitura. “As famílias, que já lutam diariamente para ter um pão na mesa, agora estão lutando por suas casas”, conta Liliana Santoro Santos, diretora da escola há 13 anos.
“Escolhi vir para cá. Era uma escola cheia de grades, jogavam comida no telhado e tinham baldes por toda parte para lidar com os vazamentos. Fomos trabalhando infraestrutura e o pedagógico ao mesmo tempo”, relembra Liliana.
A escola adotou uma política de não expulsar estudantes, o que até então era rotineiro, especialmente pela grande quantidade de alunos violentos. Para começar, removeram as grades, decoraram o refeitório, criaram salas de vídeo com projeção e projetos de culinária, jogos, teatro, judô, cinema, Slam, dança, ministrados pelos professores da unidade. “Eu já dei aula de culinária, em que íamos conversando sobre a história de cada país daquele prato típico”, conta Liliana.
Também criaram o projeto Professor Amigo, para uma vez na semana debater um tema, como violência contra a mulher e racismo, a partir de uma música ou filme. “Assim fomos diminuindo a questão da violência”.
A cada dois meses, os estudantes também “viajam” para algum lugar do mundo. “Muitas das crianças nunca saíram da Penha, então criamos esse projeto, com avião fictício, passaporte para eles carimbarem, comidas e histórias do país que vão visitar. É um jeito de eles conhecerem mais do mundo”, diz Liliana.
Para lidar com as dificuldades de leitura e escrita, o Projeto Foco realiza oficinas com estudantes por nível de proficiência, independentemente do ano em que estão. E as meninas participam de um projeto de ciências em parceria com a Universidade de São Paulo (USP).
“Temos muitos problemas, mas conseguimos melhorar muita coisa na última década. Para avançar, precisamos de apoio. O SUS está sucateado, estamos na região mais vulnerável da Penha, muitos estudantes não têm nem banheiro em casa”, lamenta Liliana.
Passeios pela cidade para promover aprendizagens, cultura e o contato com a natureza estão no centro do trabalho.
Crédito: CEU EMEF Paraisópolis
No jornal criado pelos estudantes, os jovens falam sobre antirracismo, Direitos Humanos e inclusão e democracia, temas fundamentais em meio à segunda maior favela da cidade.
“Aqui ensinamos que eles, que não tem saneamento básico, acesso à Saúde, à natureza, metade estão abaixo da linha da pobreza, vivendo violência dentro de casa e da polícia, têm direito a ter direitos”, diz Alessandra Messias Cardozo, gestora da unidade, que hoje é toda colorida, tem parque para as crianças e áreas verdes, água gelada, climatização, brinquedos e alimentação adequada.
A escola é inclusiva e nenhum estudante com deficiência fica de fora das atividades. O Grêmio Estudantil, criado pela diretora na pandemia, foi responsável por um grande projeto de busca ativa, premiado pela Prefeitura. As meninas participam de um curso de Educação Financeira na Bolsa de Valores, e elas também criaram um coletivo que denuncia violências. Outro, combate o racismo.
“Trabalhamos muito junto com a comunidade, que sofre com a ausência do Estado. Quando o poder público chega, é para bater, enquanto a fila de espera para uma fonoaudióloga é de 2 anos, com um único conselheiro tutelar para esse território imenso. Esses são dados importantes que afetam nosso trabalho e que o governo tenta silenciar, senão vai ter que explicar o próprio trabalho”, diz Alessandra.
Projeto Cozinha Experimental ensina conteúdos interdisciplinares e diverte as crianças
Crédito: Divulgação/EMEF Ibrahim Nobre
Para começar a mudar o cenário da escola que era conhecida como “Ibrahim Nobre, entra burro e sai pobre”, quando Leonardo Mannini assumiu a direção em 2017 usou a escassa verba da escola para comprar materiais e a própria comunidade escolar realizou reformas.
Agora há sala de informática, de leitura, para os professores, as paredes foram pintadas de cores alegres e não há mais o sinal escolar. Diretor, vices e coordenadores passaram a dividir uma mesma sala para integrar melhor o trabalho. O Conselho de Escola e o Grêmio foram fortalecidos, o Projeto Político Pedagógico reestruturado e novos projetos começaram a ocupar a escola e seu entorno.
Há a Festa Literária da Ibrahim, que publica textos dos estudantes e promove saraus e rodas de conversa com escritores. Na Cozinha Experimental, preparam alimentos, conversam sobre a história de cada prato e até aprendem Matemática. E o Poética do Espaço ensina na prática sobre agrofloresta, hortas e compostagem em áreas verdes ao redor da escola, onde as crianças já plantaram 180 árvores da Mata Atlântica e hoje usam para aprender e brincar. Em breve, a escola também terá uma rádio.
“Também trabalhamos o slogan da escola e aproveitamos o Nobre para falar como é bom estar na escola e fazer parte dessa comunidade. Agora até isso estamos repensando, por causa dessa questão da nobreza e da coroa, mas foi uma ótima base para começar a mudar a escola”, conta Leonardo.
Desde então, a quantidade de alunos passou de 540 para 740. “Começa a ter repercussão no bairro de que a escola melhorou convivência e acolhimento e começa a se tornar referência, inclusive para alunos com deficiência”, diz o diretor. Hoje, a escola atende 34 alunos laudados e outros 30 que estão em análise, com uma média de 3 estudantes com deficiência por turma.
Boa parte dos estudantes também são migrantes de outros Estados e do interior. Só no 9o ano, 70% da turma é nova. Outro desafio é a baixa frequência escolar, mesmo com busca ativa intensa realizada cotidianamente. “Tem sala que só vem metade da turma”, lamenta Leonardo.
Trabalho infantil, criminalidade, gravidez precoce, violência policial, sexual e doméstica estão entre os principais motivos que afastam os estudantes da escola. “A rede de proteção não dá conta, não importa quanto a gente avise”, diz.
O diretor conta que a situação das famílias é preocupante, com altas taxas de desemprego, baixa renda, consumo de drogas, pais presos e habitações precárias.
“Eles estão expostos a muita negligência e violência. A UBS de referência é longe, precisam de neurologista, fonoaudiólogo, psicólogo e psiquiatra, e não tem. Essa exclusão social e violências recorrentes fazem com que eles também sejam um tanto violentos e para conseguir dar aula é preciso primeiro de afetividade, de relações, senão, não consegue”, afirma Leonardo.
No ano passado, a escola recebeu 17 novos professores, muitos sem experiência em sala de aula, o que exigiu tempo de adaptação e formação. “E não temos mais várias formações que tínhamos antes. Gostaria que eles tivessem perguntado o que precisamos para melhorar e o que Ideb fosse usado para movimentar a política pública”, diz o diretor.
Aprendizagem junto à comunidade faz parte do cotidiano da escola.
Crédito: Divulgação/EMEF Espaço de Bitita
Na EMEF Espaço de Bitita, em São Paulo (SP), a valorização da diversidade e o acompanhamento pedagógico individualizado, em meio a um trabalho coletivo, democrático e conectado ao território, estão no centro das ações da escola, que atende Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos a partir da concepção de Educação Integral. Dos 750 estudantes, 25% são refugiados e/ou migrantes, metade são negros e 10% vivem em centros de acolhida da região.
Confira uma reportagem completa sobre o trabalho da EMEF Espaço de Bitita.
Campeonato de lançamento de foguete.
Crédito: Divulgação/EMEF Campos Salles
Inspirada na Escola da Ponte, a EMEF Campos Salles, localizada no coração da maior favela de São Paulo, trabalha de forma próxima à comunidade e aos movimentos sociais do entorno, sem muros e grades para separá-la do território.
Dentro da escola, as doze salas de aula foram transformadas em quatro grandes salões de aprendizagem, onde as crianças e adolescentes aprendem por meio de roteiros de estudo e realizam, eles próprios, mediações de conflitos.
Saiba mais sobre a EMEF Campos Salles nesta reportagem.
*Foto: EMEF Campos Salles/De Olho na Quebrada
Leia também