publicado dia 12/06/2015
Novo corte orçamentário do MEC pode afetar programas de educação integral
Reportagem: Suzanna Ferreira
publicado dia 12/06/2015
Reportagem: Suzanna Ferreira
O ano de 2015 se iniciou com notícias contraditórias em relação a educação. Ao mesmo tempo em que o lema do atual governo de Dilma Rousseff foi definido como Pátria Educadora, foram anunciados cortes no orçamento do Ministério da Educação (MEC).
Quanto?
O Ministério da Educação anunciou um corte no valor de R$9,42 bilhões que vai atingir programas como Ciências sem Fronteiras e Pronatec. O contingenciamento corresponde a quase 1o% da verba da pasta para este ano. O corte é parte de uma redução das despesas de orçamento do Governo em 2015. Outros ministérios serão atingidos, É o caso do Ministério das Cidades, Ministério da Saúde e Ministério dos Transportes.
Passados alguns meses do anúncio do corte, feito em janeiro, ainda há um clima de incerteza em relação ao compromisso do Ministério com a educação básica. O Centro de Referência em Educação Integral procurou a Subsecretaria de Orçamento do MEC, por meio da assessoria de imprensa, para obter mais esclarecimentos, mas não obteve sucesso. A resposta, por meio de uma nota oficial, apenas afirma que o MEC assegura a manutenção das ações voltadas para a educação básica: “o governo federal preserva os programas e ações estruturantes e essenciais do MEC, e Programas como Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), Merenda e Transporte não receberam cortes”. O PDDE é essencial para a execução do Mais Educação, principal política pública do MEC voltada para a educação integral.
Entretanto, para os especialistas ouvidos pela reportagem, há, sim, riscos de cortes que afetem a educação básica. “O MEC deveria se posicionar com mais transparência e não de forma evasiva. Não tem como pensar que a educação básica não será afetada diante de um corte tão grande”, diz Salomão Ximenes, coordenador da Ação Educativa.
Educação integral configura como despesa não obrigatória
Valor nominal: refere-se ao valor exato de origem, sem levar em conta variações na economia.
Valor real: traduz o valor convertido de acordo com inflação e outros possíveis ajustes na moeda.
Verba executada: é a utilização do valor autorizado no orçamento.
Despesa discricionária: são aquelas que não demandam obrigatoriedade em sua execução pelo gestor.
No orçamento para a educação no ano de 2015, de R$ 103,3 bilhões, ao redor de 40% refere-se à despesas discricionárias, também chamadas de voluntárias: são aquelas que não demandam obrigatoriedade de execução pelo gestor.
A previsão de orçamento para a educação básica em 2015 é de R$ 33,9 bilhões. Desse total, R$ 19,8 bilhões são em despesas obrigatórias segundo a assessoria de comunicação do MEC.
Nesse total estão inclusas despesas com o apoio ao transporte escolar na educação básica, o dinheiro direto na escola para educação básica, a complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e o apoio a alimentação escolar na educação básica.
Parte significativa desses gastos correspondem à educação básica, envolvendo programas como Pró Infância e o Mais Educação. De acordo com José Marcelino, presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), é mais fácil aplicar o corte nesses programas cujas despesas não são fixas e o investimento é considerado voluntário, portanto, são investimentos “frágeis” na medida que podem ser suspendidos sem nenhum impedimento legal.
Para Marcelino, que também é professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, há uma tendência, nos últimos anos, de aumento de despesas de configuração voluntária. A solução para esse impasse seria uma política ministerial norteada pelo Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), via Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). “Nesse caso, esses imensos cortes seriam inviáveis, pois tirar dinheiro do Fundeb é inconstitucional”, diz.
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A falta de um acordo mais consistente já pode ser vista no momento em que a escola se inscreve no programa Mais Educação: não há um contrato, mas apenas um termo de adesão, “que eventualmente pode ser quebrado sem problemas jurídicos”, levanta Salomão.
O programa Mais Educação vem sendo afetado desde o início deste ano com atrasos no repasse das verbas, conforme apurou o Centro de Referências em Educação Integral.
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Segunda parcela do Mais Educação de 2014 teria começado a ser liberada
Segundo Salomão, os efeitos também podem recair na diminuição de vagas de concursos para docentes, além da possibilidade de cancelamento dos contratos que ainda não foram assinados. Já no corte determinado em programas como Ciências sem Fronteiras, os efeitos poderão ser medidos no final do ano. Especialistas entrevistados pela reportagem acreditam que haverá um aumento nos critérios e exigências para o estudante participar do programa; consequentemente, o número de bolsistas e pesquisadores será reduzido, diminuindo, assim, a verba destinada.
A respeito do corte direcionado ao Pronatec e Ciências sem Fronteiras, o MEC afirma que tais programas “têm a sua continuidade garantida esse ano, com o redimensionamento na oferta buscando otimizar o atendimento dos estados e das vagas, com ofertas que ainda serão definidas, mas que quantitativamente serão em número inferior ao do ano passado”.
No ano de 2013, o MEC anunciou um crescimento exponencial no orçamento destinado a educação.
De acordo com Salomão Ximenes, é possível vislumbrar esse crescimento. “Em 2010 o orçamento foi de R$53 bilhões e em 2014 o orçamento nominal foi de R$102 bilhões. Praticamente dobrou o nominal e aumentou em 80% o real”.
Mas a execução orçamentária – ou seja, quanto da verba destinada foi realmente gasta – apresenta uma contradição. Segundo Rodrigo Ávila, economista da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, em 2014, o contingenciamento de verbas ocorreu principalmente para que o governo pudesse pagar os juros da dívida. “Ela consome mais de 10 vezes tudo que o governo federal gasta com a educação”, levanta.
O PIB também se configura como uma outra referência de análise comparativa. Ainda de acordo com Rodrigo Ávila, é preciso notar que quando o governo quer dizer que aumentou o valor do orçamento, ele muitas vezes considera os valores nominais, sem descontar inflação, incremento do PIB, ou o crescimento populacional. “Obviamente que houve um aumento, mas quando se considera esse valor em relação ao percentual do PIB ou percentual do orçamento federal, verifica-se uma estagnação”, contextualiza.
Em alguns casos, a não execução da verba ocorre por outros motivos. “A não entrega de serviços por fornecedores, como obras públicas, acabam se configurando em orçamento não executado”, explica Salomão Ximenes.
Nos últimos 12 anos, o orçamento do MEC aumentou, em valores absolutos, apesar de ainda ser insuficiente para chegar aos 10% do PIB. Em 2002, último ano da gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o valor autorizado nominal naquela época era de R$17,9 bilhões, que, corrigido de acordo com a inflação, totalizaria, hoje, R$ 33,5 bilhões, ao redor de três vezes menos o orçamento previsto para 2015.
Os dados foram extraídos do Mosaico, uma ferramenta online de transparência orçamentária desenvolvida pela Diretoria de Análises de Políticas públicas (DAPP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e teve a análise de Wagner Oliveira Monteiro, Pesquisador no Centro de Macroeconomia Aplicada da Instituição.
Menos repasse, mais presença da União
“Primeiro a gente tem que ter clareza que o MEC é o que menos contribui com financiamento na educação no Brasil. Quem banca a educação no Brasil são os estados e municípios. Na educação básica, 85% do financiamento advém dos estados e municípios; só 15% é aplicação do MEC. No Fundeb, o Governo Federal entra com menos 10% no total dos investimentos. Uma das brigas que temos é para que a União amplie a sua aplicação de investimento.” – José Marcelino, presidente da Fineduca.
Mais auditoria pública
“No ano de 2000 houve aquele plebiscito popular onde 6 milhões de pessoas votaram ‘não’ ao pagamento da dívida sem a realização da auditoria, prevista na Constituição.
Quando um governo não quis fazer a auditoria, os sucessivos governos não quiseram fazer também. Em 2001 foi criada uma rede de entidades, que visa fazer uma auditoria cidadã. Temos levantado inúmeros indícios dessa dívida que começou na ditadura e que nos cobra até hoje. São dívidas de militares, iniciativas privadas e flutuantes. Houve uma CPI na Câmara dos deputados, que levantou diversos indícios de ilegalidade dessas dividas.
Hoje o Governo está cortando 9 bilhões da educação, um valor expressivo, enquanto a dívida publica equivale a 150 vezes o que está sendo cortado. Por isso a gente tem esse questionamento da dívida pública que consome e prejudica todas as áreas sociais.
O orçamento destina R$ 3,56 trilhões para o pagamento da dívida pública, ou seja, 3,57 trilhões intocáveis, acima de qualquer discussão. Esse valor assombroso chega a mais de 40% do orçamento federal. Essa fatia da dívida deveria ser auditada, mas nunca foi realizada.” – Rodrigo Ávila, economista da Auditoria Cidadã.