publicado dia 18/07/2024

Militarização, privatização e censura: Entenda as principais formas de ataque à Educação pública hoje

Reportagem:

Resumo: Mapeamento Educação Sob Ataque, da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, mostra um crescimento da censura e perseguição a profissionais da Educação, militarização e privatização das escolas nos últimos anos. Especialistas detalham como essas ações impactam os direitos humanos de crianças, adolescentes e educadores. 

Censura e perseguição a profissionais da Educação, militarização, privatização, Educação domiciliar e ataques à laicidade, a livros didáticos e trabalhos pedagógicos sobre raça, gênero e meio ambiente estão entre as principais formas de ataque à Educação nos últimos anos.

Leia + Projeto do conservadorismo para a Educação vai na contramão das diversidades 

O levantamento foi realizado pelo estudo Educação Sob Ataque, da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação. Entre 2013, ano que marca a primeira ação do Escola Sem Partido, até 2023, foram encontrados 201 casos de ataques relacionados a esses temas. O Mapeamento também encontrou 1.993 proposições legislativas, a maioria de ameaças e ataques, e uma minoria de resistência a eles.

Em comum, os casos evidenciam uma tentativa de ir na contramão do reconhecimento e valorização das diversidades. É o que avaliam especialistas nesta reportagem, em que também explicam o poder da Educação de garantir direitos e transformar a sociedade por meio da valorização das diversidades.

O estudo concluiu ainda que as diferentes formas de ataque identificadas estão relacionadas com um fenômeno social e político complexo que abarca diferentes grupos da sociedade geral.

Para enfrentar o cenário e garantir direitos, Marcele Frossard, coordenadora de programa e políticas da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e do Mapeamento Educação Sob Ataque, indica a necessidade de diagnósticos precisos e de longo alcance, bem como um trabalho coletivo amplo.

“Precisamos de um trabalho intersetorial e de políticas públicas integradas. De um Estado, governos e entes federados que desenvolvam políticas para reafirmar e implementar as leis que já existem, em vez de leis que propõem essa agenda moral que vai contra o que está previsto como direito na Educação”, diz Marcele. 

Cuidar dos profissionais da Educação, que são os grandes alvos destas ações também é primordial. “Criar acolhimento, escuta e trabalho coletivo junto aos professores é uma forma de mobilização”, afirma Renata Aquino, que faz parte da coordenação da Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação e é membro do Professores Contra o Escola sem Partido.

Fortalecer as escolas enquanto espaços democráticos, que abarcam diferentes projetos críticos e emancipatórios de Educação, pautados pela memória, justiça e verdade, é outra forma de resistência às investidas conservadoras.

“Uma Educação que elabora o passado para enunciar futuros é o que precisamos para que todo mundo tenha um lugar no mundo. Não um lugar dado, mas que permita às pessoas circularem livremente e ninguém seja impedido pelo Estado e por outras pessoas de ser quem é”, defende Renata.

Confira a seguir algumas das formas de ataque à Educação pública: 

Escolas cívico-militares

Propostas de tornar escolas regulares em cívico-militares, em que policiais militares e civis partilham a administração, tornaram-se mais comuns no Brasil a partir de 2019, com o Plano Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM). Com o início do governo Lula, o programa nacional foi descontinuado, mas iniciativas municipais e estaduais seguem em implementação.

Para Marcia Jacomini, professora na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), esta é outra forma de materializar os propósitos presentes no movimento Escola sem Partido.

“Em uma escola dirigida por militares fica mais fácil inserir a ideologia da ultra direita, onde a organização e os conteúdos respondem a uma única forma de pensar a sociedade. Na escola pública, ao contrário, cabem todas as diversidades, que são organizadas a partir do conhecimento científico – e o Escola sem Partido não trabalha a partir da Ciência”, explica. 

Outro ponto propagado por quem defende as escolas cívico-militares é sua suposta capacidade de disciplinar crianças e adolescentes, ainda que faltem evidências científicas para sustentar tal afirmação. 

“A disciplina é construída a partir da compreensão por cada estudante da necessidade dela para realizar processos pedagógicos e a vida em sociedade. Não é a disciplina imposta porque tem um militar vigiando. E quando ele não estiver mais ali?”, pondera a professora da USP. “O que favorece a aprendizagem é um espaço crítico, acolhedor, criativo, onde cada um pode expressar sua forma de ser e pensar”, complementa.

Privatização

Privatização de escolas públicas, vouchers e outras iniciativas que cedem ao poder privado a gestão do serviço público costumam partir do discurso de que o público não funcionaria bem e o privado seria melhor. Na última década, já houve a privatização em várias redes educacionais de serviços de limpeza, vigilância e merenda. 

“Antes era tudo público, hoje já não é mais. Este é mais um passo na direção de um leilão das escolas públicas no futuro, em que diretores, coordenadores e professores poderão ser contratados por uma empresa”, aponta Marcia. 

Antes mesmo que isso aconteça, com o setor privado na gestão das escolas, os demais profissionais podem se ver submetidos às suas decisões. “O compromisso da escola vai passar a ser com essa parte da sociedade, não mais com o conhecimento científico. Sob orientação e decisão de uma empresa privada, ela terá a prerrogativa de fazer como achar melhor, de acordo com suas ideologias”, alerta.

Censura e perseguição

De acordo com o estudo Educação sob Ataque, os ataques também se dão sobre o trabalho pedagógico das escolas, com censura e perseguição a profissionais da Educação, sobretudo os que abordam temas relacionados aos direitos humanos e ambientais. 

“Existem coletivos ligados ao agronegócio e à mineração dedicados a monitorar e solicitar afastamento de professores, mudanças curriculares e remoção de livros didáticos que sejam favoráveis à justiça climática, o desenvolvimento sustentável e que alertem para os perigos da mineração e do agronegócio. O mesmo acontece com o trabalho a partir das questões de gênero e de Educação sexual“, explica Marcele.

No campo do combate ao racismo e à intolerância religiosa, o cenário se repete. Desde 2003, vigora no Brasil a Lei 10.639, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira em todas as escolas. 

Contudo,  71% das redes não cumprem a lei, realizando pouca ou nenhuma ação para efetivá-la, de acordo com a pesquisa “Lei 10.639/03 na prática: experiências de seis municípios no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, de Geledés Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana. 

Entre os motivos para o descumprimento da lei, o estudo concluiu que há a falta de condições de trabalho e de formação para tanto, mas também o racismo.

Rosa Margarida de Carvalho Rocha, coordenadora do Grupo de Estudos Afropedagógicos SANKOFA e coordenadora do Fórum Nacional de Educação Básica da Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as), observa que a censura ao trabalho antirracista impede crianças e adolescentes de conhecerem a própria história e a do Brasil.

“Essa ideologia conservadora não dá a oportunidade de enxergar os sujeitos sociais concretos que estão dentro da escola. Ela enxerga somente um padrão que quer que todos sigam. A Lei 10.639 vem justamente para fazer com que o Brasil se enxergue como a nação pluriétnica e pluricultural que ela é. Quando as pessoas tomam consciência de sua identidade, passam a saber também da sua cidade e podem lutar por seus direitos”, diz Rosa Margarida.

*Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Escolas cívico-militares em SP: 4 eixos centrais do modelo e seus impactos para o direito à Educação

As plataformas da Cidade Escola Aprendiz utilizam cookies e tecnologias semelhantes, como explicado em nossa Política de Privacidade, para recomendar conteúdo e publicidade.
Ao navegar por nosso conteúdo, o usuário aceita tais condições.