publicado dia 14/08/2019

Por meio da mediação de leitura, iniciativa valoriza saberes tradicionais na Amazônia

Reportagem:

Livros têm o poder de iluminar por onde passam, trazendo clarões de conhecimento, reflexão e inspiração. Foi a partir dessa metáfora que surgiu, em 2001, o nome que batizaria a Associação Vaga Lume, iniciativa que promove a formação de mediadores de leitura e a gestão de bibliotecas comunitárias na região da Amazônia.

O nome não poderia ser mais apropriado. Além de ensinar, a organização busca também “acender” os saberes tradicionais e a ancestralidade das comunidades. “Dentro da nossa área de atuação, que abraça uma extensa diversidade étnico-cultural e é composta por comunidades quilombolasribeirinhas, indígenas e de beira de estrada, a Vaga Lume busca assegurar a valorização da cultura e da identidade dessas populações e a promoção do intercâmbio cultural tanto entre elas, quanto entre a Amazônia e o Sudeste”, conta Maria Julia Barbosa, integrante da equipe.

Um dos caminhos para isso são as 91 bibliotecas comunitárias ativas, cuja gestão dos espaços é feita pelas próprias comunidades, por meio de voluntários que adequam a sua utilização e suas atividades às necessidades e às tradições locais. “Cada biblioteca possui autonomia para traçar seus planos de ação, além de incentivar a criação de um senso de pertencimento e responsabilidade com o projeto”, explica Maria Julia.

Dentre alguns exemplos de gestão comunitária, está a biblioteca da comunidade de Campina de São Benedito, em Macapá (AP), que promove plantões noturnos de mediação de leitura para poder envolver as crianças e adultos que não conseguem participar das mediações realizadas ao longo do dia. Já no município de Carauari (AM), todas as quatro comunidades com bibliotecas mantidas pela Vaga Lume contam com lideranças jovens que, além de protagonizarem a gestão do equipamento, fazem um importante trabalho de engajamento socioambiental e cívico com a população local.

Mediação de leitura

Junto às crianças, os mediadores de leitura presentes nas comunidades, por sua vez, ajudam no acesso à leitura e na ampliação das suas competências pessoais, sociais e cognitivas.

Diante da importância da oralidade para as comunidades tradicionais amazônicas, os livros são entendidos como objetos de intercâmbio, isto é, que fazem com que as comunidades conheçam outras histórias e valorizem sua própria vivência. “Aos poucos, fica evidente que a chegada de novos livros promove o fortalecimento da cultura local por meio do acesso e do contato com diferentes narrativas”, diz Maria Júlia.

Ainda neste âmbito, a Vaga Lume realiza rodas de história nas comunidades – momentos de contação oral de histórias, que refletem causos, tradições e acontecimentos da própria comunidade. O envolvimento dos moradores locais com a atividade originou, inclusive, o desenvolvimento de uma metodologia para registrar essas histórias artesanalmente.

Além das variações regionais do português, alguns livros são produzidos nas línguas indígenas usadas em algumas comunidades, e os livros bilíngues e multilíngues (português e outras línguas) também são enviados às outras bibliotecas.

Junto às crianças, os mediadores de leitura colaboram no acesso à leitura e na ampliação das suas competências pessoais, sociais e cognitivas

Crédito: Associação Vaga-Lume / Facebook

No caso do intercâmbio entre a Amazônia e o Sudeste brasileiro, essas publicações ajudam a propagar as histórias dos povos da Amazônia para a região mais populosa do país e, portanto, fortalecer a percepção do seu valor socioambiental.

O segredo para contemplar uma territorialidade tão extensa e uma diversidade social, cultural e ambiental tão grande – atualmente, a organização atua em 22 municípios nos 9 estados que compõem a Amazônia Legal brasileira – está na escuta. “Essa é uma troca que reforçamos sempre: as histórias locais são tão importantes e tão valiosas quanto os livros doados que compõem o acervo da biblioteca.”

Sustentabilidade

Com este trabalho a Associação Vaga Lume já impactou cerca de 100 mil crianças e adolescentes e os frutos vão muito além do interesse pela leitura. Segundo Maria Julia, ao empoderar crianças e jovens de comunidades rurais da Amazônia, valores como a sustentabilidade e o reconhecimento da importância do meio ambiente são exponencialmente valorizados e fortalecidos.

“As populações locais passam, de fato, a ocuparem os papéis de protagonistas das suas próprias histórias a partir de lideranças mais articuladas. Ainda, a promoção do conhecimento difundido através da literatura também contempla ou instiga reflexões sobre o caráter indissociável e dependente do ser humano em relação à natureza”, finaliza.

Publicado originalmente no Movimento de Inovação na Educação 

Biblioteca comunitária como ponte entre a literatura e o território

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