publicado dia 03/12/2018
Kung Fu muda rotina de 200 alunos em escola municipal
Reportagem: Da Redação
publicado dia 03/12/2018
Reportagem: Da Redação
Por Cinthia Rodrigues
“Zhou wei”, diz o mestre de Kung Fu, Adriano Ropero, no seu uniforme preto com faixa vermelha. “Xaauuê!”, respondem dezenas de crianças de 4 a 6 anos, em seus uniformes escolares da rede municipal de Educação de São Paulo cerrando as mãozinhas em frente ao quadril. Vai começar mais uma das duas aulas semanais da arte marcial que entraram na rotina da Escola Municipal de Educação Infantil Tenente Paulo Alves, na Chácara Inglesa, em São Paulo.
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Todos os 200 estudantes, dos dois períodos da escola, fazem a atividade em grupos de duas turmas. Uma das alunas é a filha do professor, que ingressou na escola este ano. “Pai coruja, quis participar das reuniões para conhecer melhor. Logo na primeira, tinha um grupo de mães do Conselho de Escola que falava sobre buscar opções para trazer capoeira para as crianças. Na mesma hora, comentei que tenho uma academia de Kung Fu no bairro e estava à disposição”, lembra Ropero.
Nos meses seguintes, ele colocou a ideia no papel e ouviu as demandas da gestão da escola. O empurrão final veio em maio, quando a comunidade se reuniu para fazer a Avaliação dos Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana e um dos itens questionava se as crianças tinham acesso a expressão corporal incluindo “danças, lutas e esportes”. Até então, a resposta para lutas era negativa, mas a diretora Mara Zago avisou que estavam para começar as aulas de Kung Fu, oferecidas gratuita e voluntariamente por um pai.
“A melhor forma de avaliar o projeto é observar a expectativa das crianças para a chegada do Adriano e a alegria e interesse com que participam das aulas”, comenta a gestora. Palavras em chinês como “ma bu”, “gong bu”, “xie bu” e “pu bu”, passaram a fazer parte não apenas das aulas, como das brincadeiras no parque e das conversas com os pais em casa. “Eu tenho um irmãozinho que assiste Power Rangers e sempre me empurra brincando de lutinha. Mas agora eu me defendo no ma bu”, conta Alice, de 6 anos, se referindo a “posição do cavalo”, em que mantém o equilíbrio. “Eu gosto de tudo, principalmente de rolar”, comemora Tomaz, de 5.
As professoras veem ganhos além da destreza. “Eu percebo que, desde que começou o Kung Fu, eles estão mais focados na sala de aula”, comenta Roberta Camargo Luchesi, que dá aulas na unidade desde 2012. A colega Mariana Galleta, que trabalha na Emei desde 2013, também percebeu a diferença na concentração e acha que o esporte também ajudou em uma mudança cultural que deve ser perseguida. “Eles se envolvem muito e eu sinto que foi um passo na desconstrução de que só os profissionais da escola têm saberes que servem à educação.”
O mestre, por outro lado, viu a filha se interessar mais pela luta ao lado dos colegas. “Na minha academia ela não liga tanto, na escola, não perde uma aula.” Para o ano que vem, além de continuar com o projeto que o mantém na escola 4 horas por semana, ele pretende oferecer bolsas para os estudantes que deixam a Educação Infantil este ano. Sua academia, a Shi Zhan, fica a três quarteirões dali. “Sei que alguns alunos adorariam continuar e eu também adoraria vê-los continuando. Já saí daqui chorando várias vezes, é emocionante ver a evolução deles.”
A Emei Paulo Alves, com mais de 60 anos, tem uma ampla estrutura com pátio coberto, quadra e parque cercado de área verde. Em 2017, um grupo de familiares começou a construção e cultivo de uma horta, incorporada este ano ao projeto político pedagógico.
Também com apoio de familiares, a unidade teve a brinquedoteca reorganizada no ano passado e, este ano, o anfiteatro revitalizado, uma área aberta para acendimento de fogueira, outra para livros livres e a entrada reconfigurada com material pago pela escola e mão de obra da cenógrafa, Natalia Vaz, também mãe de aluna. “Esta escuta e abertura da gestão para parcerias potencializa muito a possibilidade de melhorias. Há muito a fazer, mas percebo que há espaço”, diz.
A gestão, que assumiu em 2018, também reformou brinquedos do parque, pintou a quadra, instalou um parque sonoro e passou a fazer reuniões extras abertas à comunidade com temas como inclusão e alimentação. O aumento da integração com o território também está sendo buscado com excursões que foram de museus até a visita a outra escola para que os estudantes pudessem reduzir a tensão na mudança para a próxima etapa de ensino.
“O nosso Projeto Político Pedagógico tem, entre outras metas, aproximar as famílias às atividades desenvolvidas no ambiente escolar, compartilhando saberes”, afirma a diretora. Como diriam os alunos para agradecer no chinês que vêm aprendendo com o Kung Fu: “Xie xie”.
*Cinthia Rodrigues é jornalista, idealizadora do Quero na Escola e mãe de dois estudantes da Emei Tenente Paulo Alves