publicado dia 04/07/2025
“Estou exilado”: A rotina dos diretores escolares afastados em São Paulo
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
publicado dia 04/07/2025
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
🗒 Resumo: Como estão os diretores escolares afetadas pelo afastamento promovido em São Paulo (SP)? Os gestores relatam sobrecarga com a requalificação promovida pela Secretaria Municipal de Educação (SME), além da solidariedade recebida da comunidade escolar e indignação com a situação.
Após a notícia do afastamento de diretores escolares na cidade de São Paulo (SP) alcançar a comunidade, Alessandra Messias Cardozo, gestora da EMEF CEU Paraisópolis, ouviu de seus estudantes algo que sintetiza a natureza da decisão tomada pela Secretaria Municipal de Educação (SME).
“Vários deles vieram me pedir desculpas por terem ido mal na prova. Dizer que essa escola é uma das piores da rede ataca a autoestima dos alunos, culpabiliza o diretor e tenta silenciar essa figura de autoridade que é aliada da comunidade para denunciar malfeitos e dificuldades de outros equipamentos públicos”, diz Alessandra.
“Dizer que essa escola é uma das piores da rede ataca a autoestima dos alunos, culpabiliza o diretor e tenta silenciar essa figura de autoridade que é aliada da comunidade”, afirma Alessandra Messias Cardozo.
De acordo com o Secretário Municipal de Educação de São Paulo (SME/SP), Fernando Padula, teriam sido selecionadas escolas mal avaliadas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Ao menos dois estudos apontam inconsistências nesse critério. Entre os achados, as pesquisas mostram que a nota das escolas não difere tanto da média da rede municipal e, inclusive, quatro delas (16%) estão entre as 50% mais bem avaliadas e uma delas, para os Anos Finais do Ensino Fundamental, é a 11ª mais bem colocada em toda a rede.
Além disso, especialistas reforçam que esse tipo de avaliação em larga escala não tem a finalidade, nem a capacidade, de avaliar o trabalho do diretor escolar.
“Metade dos meus alunos estão abaixo da linha da pobreza. Vários precisam de fonoaudiólogo e neuropediatra, que estão com dois anos de fila de espera, e sem isso a aprendizagem é impactada. Para o território inteiro de Paraisópolis há um único conselheiro tutelar. E ninguém fala sobre os impactos da pandemia no resultado das provas de 2023”, diz Alessandra.
De acordo com a SME, o afastamento dos diretores seria necessário para que eles participassem de uma formação de de 1.770 horas para aprimorar suas habilidades pedagógicas, como parte do programa “Juntos pela Aprendizagem”.
De segunda a quinta-feira, por 8 horas seguidas, os diretores participam da formação em suas Diretorias Regionais de Ensino (DREs) e na SME. Às sextas-feiras, de volta à escola, precisam dar conta do trabalho acumulado durante a semana inteira. Relatos de sobrecarga e adoecimento físico e psíquico entre a equipe gestora dispararam.
“Não tem um projeto de formação, é uma punição. Fico em uma sala branca, fechada e isolada, lendo textos que não dialogam com a minha realidade. Enquanto isso, tem mães me ligando, professores com dúvidas e os problemas da escola que só aumentam”, conta Alessandra.
Fachada da EMEF Espaço de Bitita contra a intervenção na escola.
Crédito: Carlos Eduardo Fernandes Jr.
“Estou exilado”, diz Cláudio Marques da Silva Neto, diretor da EMEF Espaço de Bitita. “Fico sozinho lendo uma bibliografia aleatória que me passam. Tem outros diretores que não tem atividade nenhuma, só um questionário para responder. Não há qualquer proposta de formação, inclusive porque não estão cumprindo o cronograma divulgado – há duas semanas não há atividades na SME”, relata.
“Sem um ato administrativo que faça o nosso afastamento de sete meses legalmente, ficam várias incertezas: Se acontece algo na escola, quem vai responder? Como fica se eu sofrer um acidente me deslocando para outro lugar que não é a escola, como indo para a DRE?”, indaga Cláudio Marques da Silva Neto.
O diretor também conta que a SME convidou uma escola do interior do Ceará para dar uma aula aos diretores. “A escola, que tem 300 estudantes em um contexto que não tem nada a ver com o de São Paulo, apresentou o Ideb de 2015, com nota 9.3. Questionei sobre o dado de 2023, que foi o que nos trouxe até aqui. O diretor desconversou e, quando pesquisei, a nota atual era de 3.7, uma queda muito maior do que a da minha escola, que caiu 1.2 de 2019 para 2023”, afirma Cláudio.
Alessandra relembra ainda que pediram a ela uma lista dos nomes dos estudantes que estariam abaixo do rendimento básico. “Me neguei a dar esses nomes enquanto a SME não me explicar por que não há concurso, nem formação em rede para os professores contratados ou a liberação para que eu pague por essa formação. Os alunos têm suas dificuldades, mas é preciso primeiro garantir as oportunidades de aprendizagem, então preciso de formação para os professores”, diz a gestora.
Para Cláudio, também preocupa a questão jurídica da medida. Os diretores foram afastados por meio do instrumento de convocação, que costuma ser utilizado para reuniões e eventos.
“Sem um ato administrativo que faça o nosso afastamento de sete meses legalmente, ficam várias incertezas: Se acontece algo na escola, quem vai responder? Como fica se eu sofrer um acidente me deslocando para outro lugar que não é a escola, como indo para a DRE?”, indaga o diretor de Bitita.
Comunidades escolares estão indignadas
Nesta sexta-feira, 4 de julho, aconteceu a 27ª Caminhada pela Paz de Heliópolis, com o tema “Se tudo passa pela Educação, por que a Educação está sendo massacrada?”. Uma ala da passeata foi dedicada aos 25 diretores afastados e a mobilização teve início em frente à EMEF Campos Salles, que também sofreu intervenção da SME.
Na entrada da EMEF Espaço de Bitita, foi pendurada uma faixa que diz “Diretor Cláudio Marques fica!”. Nas redes sociais das escolas, vários comentários lamentam a decisão da SME e demonstram solidariedade às unidades. Várias manifestações, muitas delas organizadas pelos estudantes, ocuparam as escolas e ruas nas últimas semanas. Debates organizados por professores e pesquisadores também se debruçam sobre a situação e atestam a qualidade do trabalhos das unidades.
“A comunidade está indignada e muito mobilizada. Todo final de semana tem reunião com as famílias. Parlamentares e professores universitários também estão apoiando. Está todo mundo tentando buscar formas de denunciar esse absurdo”, diz Cláudio.
Manifestação em frente à EMEF Ibrahim Nobre.
“A comunidade ficou indignada com essa violência que para ser legitimada se usa caneta. A comunidade está unida e fizeram manifestações porque estão preocupados com a situação e porque entenderam que minha saída barraria vários projetos significativos para eles”, conta Alessandra.
Já a diretora Liliana Santoro Santos, à frente do a EMEF Prof Antonio Carlos Rocha CEU Tiquatira, no Tatuapé, há 13 anos, recebe muitas mensagens dos estudantes e das famílias de apoio e indignação.
“Todas as escolas que conheci trabalham muito próximo à comunidade, com atenção aos direitos dos estudantes. Me vi espelhada nesses diretores”, diz Liliana Santoro Santos.
“São muitas as mensagens de carinho que recebo e os estudantes fizeram manifestações e me perguntam quando vou voltar. Mas não há uma organização política mais forte porque a comunidade é jovem, não tem uma base antiga e forte como outras, e agora além de lutar pelo pão, estão lutando pela casa, porque a Prefeitura já os avisou de que serão despejados em setembro”, diz Liliana.
Nos eventos de manifestação ou durante as próprias formações da SME, vários dos diretores se conheceram ou se reencontraram. Se a seleção desses gestores serviu de algo, pode ter sido para destacar alguns dos educadores mais comprometidos com a garantia de uma qualidade de Educação socialmente referenciada e que prioriza a aprendizagem junto aos direitos dos estudantes e de suas famílias.
“Todas as escolas que conheci trabalham muito próximo à comunidade, com atenção aos direitos dos estudantes. Me vi espelhada nesses diretores”, diz Liliana. “Somos diretores militantes”, aponta Alessandra. Cláudio concorda: “São diretores que têm um trabalho no território, que reconhecem que essa é a base que sustenta a construção do projeto pedagógico e do trabalho da escola. Somos resistência política”.
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