publicado dia 29/05/2015
Escolas e famílias, uma interação essencial para a inclusão
Reportagem: Suzanna Ferreira
publicado dia 29/05/2015
Reportagem: Suzanna Ferreira
A citação ao lado é o trecho de um diálogo da novela Sete Vidas, da TV Globo, mas pode muito bem ser reflexo da realidade de muitas famílias em suas diversas formações. A fala, expressa pelo personagem Luís, refere-se à cena em que ele conta para os filhos que foi criado por duas mulheres, Ester e Vivian. Ainda nessa mesma conversa, Luís mostra para os filhos o Livro da Família, do autor e ilustrador estadunidense Todd Parr. A publicação, que é direcionada para crianças, retrata as diversas possibilidades de composição familiar. Ao final da cena da novela, as crianças entendem que, mais importante do que a mulher ou homem que as educam, é o amor que é cultivado.
A cena retratada na novela não é, entretanto, a regra, como atestam os altos índices de crimes homofóbicos no Brasil. Segundo pesquisa do Grupo Gay da Bahia (GGB), uma pessoa homossexual é morta a cada 28 horas no país. Em 2013, foram relatados 312 assassinatos de gays, travestis e lésbicas.
O preconceito e a violência também estão presentes nas instituições de ensino, afetando estudantes, docentes e famílias. Uma das consequência mais conhecidas é o alto índice de evasão escolar de alunos que possuem sexualidades e identidades de gênero dissidentes, conforme já diagnosticado pela Unesco.
Para Maria Irene Maluf, especialista em psicopedagogia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), o primeiro passo é que todos da comunidade escolar assumam seus preconceitos. “O que é diferente costuma incomodar e é difícil promover uma interação entre pessoas que não se aceitam. Para isso, é preciso formar o corpo docente, que irá convidar as famílias para cursos e conversas, até o entendimento sobre a diversidade acontecer”, pontua.
Há consenso entre especialistas que a escola possui um papel fundamental para gerar na sociedade uma compreensão em relação à diversidade sexual, o que ajuda a eliminar o preconceito e a homofobia. E é na escola que se faz possível trabalhar não só com as crianças e adolescentes, mas com suas famílias. Para isso, é necessário que a instituição esteja aberta e estimule a participação dos mais diferentes tipos de família.
Um exemplo positivo é o caso de Zenaide Tavares, 43, auxiliar de educação infantil do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Educar é Viver, de Salvador. A escola, que atende crianças de 0 a 5 anos, fica localizada no subúrbio ferroviário da cidade, complexo de bairros da periferia soteropolitana. Como possui demandas básicas, algumas relacionadas ao seu espaço físico, a coordenação pediu que os pais participassem, a fim de pensar soluções às demandas, como reformas e doação de materiais. A proximidade dos pais, por motivos concretos, deu abertura para que houvesse troca de ideias e experiências.
Nessa articulação, Zenaide, que além de funcionária também possuía uma filha matriculada na escola, começou a participar da comissão de pais, professores e alunos. A funcionária do CMEI conta que possui um relacionamento homoafetivo há 14 anos e que nunca sentiu nenhum tipo de preconceito ou tratamento diferenciado na escola. “Sempre fui muito bem acolhida aqui, gostei muito do aprendizado trocado nas reuniões entre os pais e mães”, conta.
A reunião dos pais e mães que acontecem uma vez por mês, também envolvem questões como necessidades de recursos, serviços gerais, além de outros assuntos mais urgentes. Como é o caso de uma professora que recebeu uma ameaça. Todos os pais e professores participantes da comissão cumprem um papel importante na resolução de conflitos.
Durante a conversa, Zenaide, que atua no CMEI há 4 anos, comemora os avanços da filha e diz que há 5 meses ela só saiu da escola para entrar em uma outra de ensino básico, fase que a CMEI não abrange.
“Minha filha acorda todos os dias querendo voltar para a escola velha, como ela chama. Os impactos em sua aprendizagem nos primeiros anos já foram percebidos nessa nova escola. A diretora já me chamou para saber os motivos dela estar acima da média”, vibra.
Segundo a Coordenadora Pedagógica da CMEI, Cristina Gomes, a aproximação dos pais caminhou junto com sua nova gestão, nos últimos cinco anos. “Criamos encontros temáticos que acontecem a cada mês para aproximar os pais. A cada reunião discutimos temas de interesse deles, como saúde da mulher, saúde dos homens, entre outros”, diz.
Durante um semestre acontecem 4 avaliações em conjunto com os pais, que esclarecem questões de análises psicopedagógicas, expressam suas visões e podem alterar resultados. Entre as atividades de aproximação estão as terças-feiras culturais, oportunidade das crianças ouvirem e contarem histórias, com a plateia formada por seus pais e familiares. A sexta é reservada para brincadeiras, que tem mobilizado a criação de um circo no bairro. Além disso, há outros eventos e atividades de integração. “As mães começaram a perceber a escola não mais como um depósito de filhos, mas um espaço de aprendizagem, onde as crianças e os pais tem voz”, relata Cristina.
A coordenadora nos conta também que essas atividades de aproximação dos pais afetaram até a frequência das crianças, que aumentou. E, parte de um processo inevitável, essa integração também fez diferença na vida dos pais fora da escola. “Antes de fazer parte da comissão dos pais eu era uma pessoa muito tímida. Eu tinha muita vontade de me expressar, mas não me sentia à vontade. Depois, com essa convivência, eu aprendi a vivenciar a liberdade e assim desenvolver a fala em público e dizer o que penso”, completa Zenaide.