publicado dia 24/05/2024

Escolas cívico-militares em SP: 4 eixos centrais do modelo e seus impactos para o direito à Educação

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🗒 Resumo: O Programa Escola Cívico-Militar no Estado de São Paulo foi aprovado nesta terça-feira (21/5) em meio a violenta repressão contra manifestantes, o que evidencia o caráter da política, como avaliaram especialistas nesta reportagem.

A seguir, saiba mais sobre quais escolas serão priorizadas, o papel da polícia nas unidades, a remuneração superior à dos professores e a consulta pública que será realizada.

Apesar do desmonte da política nacional, São Paulo aprovou, nesta terça-feira (21/5), o Programa Escola Cívico-Militar, que será implementado em unidades públicas das redes estadual e municipais. A expectativa é atingir 100 escolas.

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A aprovação na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) se deu em meio a violenta repressão contra adolescentes, jovens, adultos e idosos que protestavam contra o modelo. Para especialistas, a truculência utilizada no lugar do diálogo é condizente com a lógica da proposta do governo paulista. 

De acordo com o Projeto de lei Complementar nº 9 /2024, novas unidades ou as escolas públicas de Ensino Fundamental, Médio e de Educação Profissional já existentes que desejarem, podem fazer a “conversão” para o modelo cívico-militar. O processo se dará mediante consulta pública. 

O documento também explicita quais escolas serão priorizadas, o papel da polícia nas unidades, e define a remuneração dos militares, que será superior à dos professores e usando recursos da própria Secretaria de Educação.

A seguir, especialistas analisam 4 eixos centrais da política e seus impactos para os direitos de crianças, adolescentes e toda a comunidade escolar: 

1. O modelo será implementado em escolas com índices de rendimento escolar inferiores à média estadual, atrelados a índices de vulnerabilidade social e fluxo escolar (aprovação, reprovação e abandono). O PL afirma que é voltado para unidades “situadas em regiões de maior incidência de criminalidade”.

De acordo com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, a proposta tem como objetivos a melhoria da qualidade do ensino com aferição pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o enfrentamento à violência e a promoção da cultura de paz

“Se o programa diz que polícia precisa estar dentro da escola para garantir segurança, está dizendo que crianças e adolescentes são violentos, delinquentes e perigosos”, alerta Catarina de Almeida Santos, pós-doutora em Educação pela Unicamp, professora associada da UnB e coordenadora da Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação (REPME). 

Ela frisa que os conflitos que acontecem na escola e demandam intervenção policial são mínimos em relação às violências que permeiam os territórios e às quais muitas das próprias crianças e adolescentes estão submetidas – e precisam de mais atenção da Segurança Pública e de outros setores das políticas sociais.

“A violência não está nas escolas e as nossas crianças e adolescentes não são criminosos”, aponta Catarina de Almeida Santos

“A violência não está nas escolas e as nossas crianças e adolescentes não são criminosos. A polícia está indo para dentro das escolas para interditar a disputa das escolas enquanto espaços de formação dos sujeitos”, defende.

Outra incoerência da proposta está em ignorar que a aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes são resultado de boas condições de trabalho.

“As escolas militares recebem mais recursos, melhor infraestrutura e mais equipe para trabalhar. São estes fatores que fazem a diferença, não o fato de ser militarizada”, explica Salomão Ximenes, professor na Universidade Federal do ABC (UFABC) e integrante da Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.

2. O modelo propõe que militares cuidem da disciplina dos estudantes e de atividades extracurriculares, enquanto os profissionais da Educação ficariam responsáveis pelo trabalho pedagógico. 

Ao separar estas duas dimensões, o programa traz um entendimento de que a disciplina não é parte do trabalho pedagógico das escolas. “O que a polícia chama de disciplina é a obediência às regras hierarquicamente definidas através da imposição do medo”, define Catarina.

Pedagogicamente, a disciplina tem outro caráter. “É a capacidade de desenvolver o respeito pelo outro para conviver em uma sociedade diversa”, diz a professora e pesquisadora. “A Ciência avança a partir da pergunta, do diálogo, das construções coletivas. E Paulo Freire diz isso: exercitar a pedagogia da pergunta, não da resposta”, complementa.

“A polícia não ensina a conviver com a diferença, ela elimina as diferenças”, observa Catarina. 

A área de Segurança Pública no Brasil, por definição e historicamente, caminha no sentido oposto à valorização das diversidades. “É a área da uniformização, da padronização de comportamentos, decisões, cabelos, roupas. Há uma regra estabelecida e todos devem obedecê-la. Quem questiona ou faz diferente, é punido. A polícia não ensina a conviver com a diferença, ela elimina as diferenças”, observa Catarina. 

“O que não é padrão? A cultura das periferias, do hip hop, o cabelo afro, os corpos trans, LGBT, os meninos pretos da periferia. Como vamos ter uma criança autista parada, batendo continência e cumprindo as regras de um militar?”, acrescenta. 

3. Os policiais militares receberão remuneração muito superior à dos professores, usando recursos da Secretaria da Educação.

Pelo projeto, os agentes que vão atuar nas escolas são aposentados e, além do valor recebido pelas aposentadorias integrais, receberão um adicional que pode variar de 6 a 9,4 mil reais mensais, com recursos da Secretaria da Educação. 

Policiais receberão um adicional de 6 a 9,4 mil reais, com recursos da Educação.

Hoje, o piso do professor da rede estadual, com jornada de 40 horas semanais, é de 5 mil reais. Já os agentes escolares, que serão substituídos por estes policiais, recebem 1,8 mil reais pela função.

Neste ponto, há um dado relevante: 72% dos brasileiros afirmam confiar mais em professoras(es) do que militares para atuar nas escolas. O dado é da pesquisa Educação, Valores e Direitos, coordenada pelo Cenpec e pela Ação Educativa, e realizada pelo Datafolha e pelo Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop/Unicamp) em março de 2022.

4. Para ser implantado, o programa Escola Cívico-Militar precisará passar pelo consentimento das comunidades escolares, que serão ouvidas por meio de consultas públicas. 

Para Salomão, o processo de consulta é questionável pela forma como foi conduzido em outras escolas nos últimos anos, em que surgiram relatos de rondas e policiais acompanhando as votações nas escolas. “Sempre paira sobre essa consulta uma ameaça explícita ou velada. O que significa para uma escola da periferia recusar a presença dos policiais militares?”, questiona.

“Deliberar por um modelo autoritário nas escolas é uma deturpação da democracia”, diz Salomão Ximenes

O especialista pede atenção de toda a sociedade para acompanhar o desenrolar das consultas públicas, que ganham ainda um viés adicional: “Na votação do projeto, deputados expressaram que vão levar uma escola dessa para outros municípios, suas bases eleitorais. Vamos ter que acompanhar para ver quanto de fato vai ser uma manifestação das escolas ou uma imposição desse setor político”, alerta. 

O professor também aponta a falácia de demandar das famílias e profissionais da Educação esse tipo de decisão. “Deliberar por um modelo autoritário nas escolas é uma deturpação da democracia”. 

Em artigo, José Pacheco analisa a violência simbólica das escolas militarizadas

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