publicado dia 10/11/2022
Entenda a importância da alimentação escolar culturalmente adequada, um direito dos povos tradicionais
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 10/11/2022
Reportagem: Ingrid Matuoka
Garantir uma alimentação escolar saudável é fundamental para o desenvolvimento das crianças e adolescentes, sobretudo porque 33,1 milhões de famílias passam fome todos os dias no Brasil, de acordo com o estudo da Rede Penssan, divulgado em junho de 2022.
Para muitos estudantes, é na escola que se faz a única ou principal refeição do dia, fazendo da alimentação escolar uma política pública fundamental no enfrentamento à fome.
Mas sua importância não para por aí: para as escolas do campo e dos povos tradicionais, como indígenas e quilombolas, a alimentação escolar também pode contribuir para a preservação cultural da comunidade e o desenvolvimento socioeconômico de pequenos produtores locais, tão necessário em um país com quase 10 milhões de desempregados.
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“As mães Yanomami reclamam porque as crianças comem charque na escola, sendo que nem existe boi nessas comunidades, e depois não querem mais comer as comidas de casa. Também há muitos alimentos industrializados sendo introduzidos sem as informações necessárias sobre eles, resultando em muitos casos de diabetes e pressão alta. Então a escola, que deveria ser o lugar de educação alimentar, para a vida, está fazendo o contrário, destruindo o contexto da cultura alimentar e das tradições”, diz Fernando Merloto Soave, Procurador da República que atua no Amazonas.
O que é alimentação escolar?
Importante política pública de enfrentamento à fome no Brasil, a alimentação escolar é um direito garantido pela Constituição Federal aos estudantes brasileiros. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do Ministério da Educação (MEC), é o responsável por ofertar alimentação nas escolas públicas.
Fernando também coordena a Mesa de Diálogo Permanente Catrapovos Brasil, do Ministério Público Federal (MPF), que tem por objetivo discutir ações e medidas para viabilizar a compra, pelo poder público, de itens produzidos pelas comunidades tradicionais para a alimentação escolar.
Esse trabalho encontra respaldo em várias legislações, já que é direito dos estudantes uma alimentação escolar saudável e culturalmente adequada, a exemplo da Lei 11.947/09, que determina que pelo menos 30% dos recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) sejam destinados à agricultura familiar, um mínimo que muitas vezes é descumprido.
“Efetivar essa lei e ampliá-la apoia na distribuição de renda, na segurança alimentar e econômica dos povos tradicionais e do campo, na diversidade alimentar e no uso de menos agrotóxicos e de monoculturas”, afirma Fernando.
O Procurador da República também ressalta que municípios e estados podem comprar todos os produtos feitos povos tradicionais sem burocracias sanitárias. “Eles fazem isso há séculos, há uma sabedoria nisso, e é direito desses povos que o governo compre seus produtos para suas próprias escolas”, explica.
Para Cenaide Pastor Marques Lima, agricultor familiar membro da Associação Indigena da Etnia Tuyuka Moradores de São Gabriel da Cachoeira (AM) que, desde 2019, se dedica a levar informações para as comunidades do município sobre alimentação e agricultura familiar, bem como para cadastrar pequenos agricultores para que eles possam vender seus produtos para as escolas por meio de licitações, há ainda outro benefício:
“Esse tipo de consumo gera muitos resíduos não orgânicos e em várias comunidades não há coleta e destinação adequada desse lixo, que vai se acumulando”, esclarece Cenaide Pastor Marques Lima.
“Esse tipo de consumo gera muitos resíduos não orgânicos e em várias comunidades não há coleta e destinação adequada desse lixo, que vai se acumulando. Então nosso trabalho de pequeno produtor não gera nada de lixo, porque é tudo orgânico”, esclarece.
Cenaide também afirma que além da geração de renda para as comunidades e a promoção de uma alimentação escolar nutritiva e adequada à cultura, todo o processo também apoia que os trabalhadores regularizem suas documentações e acessem seus direitos, como a aposentadoria pelo INSS.
A Associação já chegou a conectar 170 das 200 escolas do município, a maioria indígena, a produtores locais, mas hoje atua com 50 unidades. Tal diminuição se deve ao escasseamento de recursos, fundamentais para bancar as viagens pelo interior para dialogar com os agricultores e escolas, mas que podem custar até 1.200 reais de combustível por viagem, sem contar outros custos.
“É um território extenso, com muitas cachoeiras e estradas de terra no caminho, o que dificulta esse acesso. Mas, além disso, essa população muitas vezes não tem documento de identidade, CPF, conta no banco ou acesso à internet para fazer todos os cadastros para poderem comercializar seus produtos. Nós tentamos apoiar nisso, porque eles querem muito participar dessas vendas, mas não conseguem”, lamenta Cenaide.
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