publicado dia 15/04/2014
Em debate: Os desafios da inclusão escolar
Reportagem: Jéssica Moreira
publicado dia 15/04/2014
Reportagem: Jéssica Moreira
Para que a inclusão aconteça, a sociedade e a escola precisam reconhecer que todos são diferentes. Esta é a conclusão que chega a pedagoga e especialista em inclusão escolar pela Universidade de Campinas (Unicamp), Maria Teresa Mantoan, que defende a abertura da escola regular a todos os alunos, principalmente àqueles com algum tipo de deficiência.
Para a professora, o Brasil vem avançando no que diz respeito às políticas de pessoas com deficiência, mas a escola ainda está baseada em moldes conservadores, que seleciona os alunos e trabalha apenas com os que atendem às suas expectativas. “Os maiores desafios que encontramos em uma instituição como a escola ou em uma sociedade que não avançou no sentido da inclusão, é repensar as suas próprias regras, o próprio modo de atuar a partir de práticas naturalmente excludentes, que consideram as diferenças em alguns e não em todos.”
Mantoan defende que o atendimento especializado não deve, de forma alguma, substituir o papel da escola na formação do indivíduo deficiente e que a saída seria uma parceria entre essas instituições e as escolas, de maneira a supri-los de um atendimento clínico, quando necessário.
Confira na íntegra!
Centro de Referências em Educação Integral: Nos últimos cinco anos, pelo menos, o Censo Escolar vem apontando um aumento de alunos com deficiência em escolas regulares. Além da inclusão, porém, é importante que haja equidade e que a escola garanta a permanência e aprendizado deste estudante. Diante deste contexto, a professora acredita que o Brasil vem avançando na inclusão qualificada destes estudantes?
Maria Teresa Mantoan: É evidente que em educação sempre temos muitos desafios porque é um trabalho que nós vamos construindo sempre, atualizando e aperfeiçoando. Entendo que a inclusão venceu muitos desafios considerados intransponíveis, até porque a nossa escola ainda é muito conservadora, que seleciona os alunos, trabalha com apenas aqueles que atendem as suas expectativas.
Independentemente da resistência das escolas e professores, os pais, as comunidades em si e muitas escolas já entenderam o que significa uma escola pra todos, inclusive o próprio sistema brasileiro de educação, que luta em função desse objetivo, para que todo mundo esteja na educação regular e que não haja criança fora dela porque esta foi encaminhada para uma instituição à margem, como as escolas especiais.
CR: Dessa forma, quais são os maiores desafios para que a inclusão dessas crianças e adolescentes aconteça efetivamente?
MT: O movimento inclusivo implica na transformação da sociedade e suas instituições para que reconheçam a diferença de todos e não de alguns e que acolha a todos nesta diferença. Então, os maiores desafios que encontramos em uma instituição como a escola ou em uma sociedade que não avançou no sentido da inclusão, é o de repensar as suas próprias regras, o próprio modo de atuar, suas práticas naturalmente excludentes, que consideram que as diferenças existem em alguns e não em todos.
A partir de um modelo virtual abstrato, seleciona-se os alunos que estão aptos e aqueles que não estão para acessar, frequentar, vencer e ter sucesso na escola. Essa é a maior dificuldade de se fazer uma transformação não só das atitudes e modo de pensar, mas também no resultado disso, ou seja, das práticas institucionais. O verdadeiro papel da inclusão não é só o de modificar as relações. As organizações devem reconhecer o direito de todos de serem diferentes e não cuidar dos diferentes de forma à parte.
CR: A Lei de Diretrizes e Bases, em seu capítulo V já aponta a questão da “educação especial”, entendendo esta modalidade de ensino oferecida a educandos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e superdotação. Como a escola deve estar preparada para cada uma dessas especificidades? E como a política brasileira de inclusão entende e olha para elas?
MT: Para lidar com a educação especial, hoje, é preciso conhecer a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, que é de 2008. A partir desse ano, a educação especial no sistema educacional brasileiro não substitui mais a escola comum para seu público-alvo, alunos com deficiência, superdotação, com autismo, transtornos globais de desenvolvimento geral, entre outros.
A escola especializada não é mais substitutiva da escola comum para esses alunos, ela é complementar à formação. Isso significa que vai atender esses estudantes em um serviço que se chama atendimento educacional especializado no período oposto às aulas regulares.
Esse atendimento é feito por uma professora de educação especial, que não é especializada em uma das deficiências, mas que é uma pessoa que vai estudar todo e qualquer caso que se apresente e procurar parcerias intersetoriais e com especialistas pra estabelecer um plano de ação individualizado. No entanto, este plano não serve para ensinar a esses estudantes o conteúdo regular, mas sim para ensinar a usarem recursos, equipamentos, linguagens que ele não aprende na escola comum, por não fazer parte do conteúdo previsto no ensino comum.
São conteúdos como: aprender a usar uma lupa, uma bengala, ampliador de tela, Libras -Língua Brasileira de Sinais (que hoje deve ser aprendida na sala de aula mesmo), português como segunda língua, aprender a usar comunicação aumentativa complementar, como, por exemplo, figuras para se comunicar. São conteúdos da educação especial que vão dar a esses alunos possibilidade de, dentro do possível, ter autonomia para permanecer na sala e ter sucesso na aprendizagem.
A educação especial deixou de ser substitutiva da educação comum e passou a ser complementar, mas complementar à formação do aluno. Uma coisa importante é que a Educação Especial não se reduz ao ensino básico, mas atravessa todos os níveis de ensino, para garantir o acesso, permanência e sucesso de todos no seu processo educativo.
CR: Existem brechas nas legislações vigentes para que a escola negue a matrícula a um estudante com algum tipo de deficiência ou superdotação?
MT: Pela Constituição Federal Brasileira não pode, de jeito nenhum, mas uma brecha foi aberta, a das escolas privadas, desobrigando-as de oferecer atendimento educacional especializado. Os movimentos estão clamando, mas é muito difícil, muito complicada essa situação, porque uma escola particular que não oferece atendimento especializado vai dizer ao pai que ‘‘se quiser, vai ter que pagar um professor para ficar ao lado dele o tempo todo”, o que não é o atendimento educacional especializado’, pois o especializado é aquele oferecido para além do regular, no contraturno.
O fato das escolas particulares não precisarem oferecer educação inclusiva foi um grande passo atrás, uma grande derrota para os que lutam pela inclusão, pois estas fazem parte do sistema brasileiro de educação.
CR: Quando a escola deve recorrer a uma instituição especializada? Deve ser de apoio ou uma substituição à unidade regular?
MT: A escola não deve recorrer às instituições especializadas. O atendimento clínico, como serviço social, psicologia, fonoaudiologia, fisioterapia, deve ser prestado sempre que necessário, mas como um plano de ação que a educação especial prevê a essa criança.
Mas eles não querem esse tipo de solução, sabe o porquê? Porque isso não traz dinheiro para a instituição, nem alunos, já que nem todos vão precisar desse atendimento. Agora, na escola vai todo mundo. Você acha que a APAE briga pela inclusão porque ela quer atender seus alunos? Não, porque aqueles que se sustentam a partir dela, como alguns deputados, por exemplo, perderão o poder. A coisa mais triste é fazer uso da desinformação de pais que não são suficientemente instruídos a respeito da exclusão, e mantê-los nessa condição por conta de votos, poder.
+: O que falta para a escola brasileira praticar a educação inclusiva
CR: O Plano Nacional de Educação, em tramitação no Congresso Nacional desde 2010, traz em sua meta 4 a universalização do atendimento do ensino regular aos estudantes de 4 a 17 anos com algum tipo de deficiência. A redação aprovada na Câmara dos Deputados em junho de 2012 dava ênfase no atendimento feito a esses estudantes por meio da rede de ensino regular. Já a redação aprovada em novembro de 2013 no Senado Federal mudou, trazendo a opção dos serviços especializados – públicos ou conveniados. O que está em jogo nesse debate?
MT: A mudança na redação do PNE deixa à mostra interesses políticos. Vejo um corporativismo de grupos que não estão ligados à educação querendo garantir currais eleitorais, a partir de posições conservadoras que dão mais votos. Isso desconfigura o movimento político da Conferência Nacional de Educação (Conae), que redigiu o plano nacional e agora está à mercê dessas cabeças todas que coroamos e colocamos lá dentro.
Em relação à educação, tem que ser um projeto supra partidário, que não esteja na mão de político nenhum. Deve ser uma política como a que foi estabelecida pela Conae, feita da base, por educadores, pais, pessoas conscientes e movimentos sociais e a educação deveria caminhar sem ser submetida a política vigente, ou mesmo a qualquer tipo de ala partidária. Isso seria um grande avanço em nosso país mas, quem tem peito de fazer isso de verdade?
CR: Dentro das políticas públicas, destaca-se o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – o “Viver sem limites”. O que esse programa significa em termos de avanços para a área educacional?
MT: Na área educacional, ele foi o plano que tirou o atendimento especializado das escolas e luta a favor da meta 4 do PNE do jeito que os deputados querem. A antiga ministra da casa civil, Gleise Hoffmann, foi a grande “desestruradora” da meta 4 porque ela quer votos das pessoas que querem a exclusão.
A meta 4 e outras mudanças que o Plano Viver sem Limites oferece desincumbem as escolas e a sociedade de pensar na diferença de cada um, mas ainda mantém a ideia de que as diferenças estão em alguns, e isso é sempre um retrocesso. Enquanto isso não for resolvido, sempre vamos ter um grupo excluído.
A política trabalha nessa diversidade, essa diversidade de fazer grupinhos a partir de determinadas características. Projetos como esse vão contra a Política Nacional de Educação e contra a inclusão porque são feitos para algumas pessoas e não para todos. Eles não acreditam no meio desafiador como um ideal para o desenvolvimento de qualquer pessoa; acreditam nos caminhos protegidos e restritivos.
Algumas pessoas consideradas diferentes vão ter uma condição melhor para seu desenvolvimento e isso se traduz em outras construções da sociedade. É o caso, por exemplo, da paraolimpíada que faz a maior diferenciação pela deficiência, ou seja, é discriminação nata, ela nasceu como discriminadora. Se essas pessoas estivessem em uma Olimpíada normal, elas iriam competir pela habilidade que têm e isso implicaria em uma mudança na estrutura original do evento. Agora fazer uma Olimpíada à parte não modifica; é exatamente o que acontece com a educação.
Você faz um servicinho à parte para o outro. É bem mais fácil, mas não tem evolução, não tem mudança, não mexe com o que está feito. Inclusão é ‘estar com’ não é ‘estar junto’. Estar junto é fácil, não muda nada, nem você nem o Outro. O ‘estar com’ implica em uma troca.
Leia+: 6 dicas para garantir a inclusão na escola
Com a colaboração de Ana Luiza Basílio
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