publicado dia 31/03/2014

Educação: mais uma vítima do regime militar no Brasil

Reportagem:

“O que aconteceu no Brasil foi um regime de exceção muito duro com inúmeras perseguições e mortes. Precisamos relembrar para que possamos construir o futuro”. A afirmação é da presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader sobre os chamados “anos de chumbo” no Brasil, quando o país viveu, de 1964 a 1985, uma ditadura militar.

Na época, em especial com a publicação do Ato Institucional (AI) nº5, em 1968, pessoas de diferentes lugares e classes sociais viveram as consequências atrozes do regime: torturas, prisões, desaparecimentos, exílios e assassinatos foram elementos comuns da história do país. “Cinquenta anos se passaram e infelizmente a tendência do Brasil é esquecer o que aconteceu”, avalia Helena.

Para a presidente, que é também professora de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), as comissões da verdade nas suas diferentes configurações (institucionais, municipais, estaduais e federal) são fundamentais para resgatar a memória da época. “As comissões são um instrumento muito importante para garantir que algo semelhante não aconteça novamente. Elas abrem espaço para discutirmos temas fundamentais no debate público”, avalia, indicando a necessidade de se compreender a gravidade das violações de direitos promovidas pelo regime.

Educadores

Como resgate à memória da ditadura, o Centro de Referências em Educação Integral presta uma homenagem* aos educadores perseguidos, exilados, cruelmente torturados e, inclusive, assassinados no período. Por meio deles, o site rememora todos os que tiveram sua liberdade e direitos cerceados.

Professores (da esquerda para direita): Ana Rosa Kucinski, Tito Arcoverde Cavalcanti, Anísio Teixeira, Fernando Henrique Cardoso, Darcy Ribeiro, Heleneide Nazaré, Haity Moussatché, Maria Yedda Linhares, Erney Camargo, Eulália Lobo, Luiz Hildebrando Pereira da Silva, Rubim Aquino, Victor Nunes Leal, Walter Oswaldo Cruz, José Grabois e Paulo Freire

Professores (da esquerda para direita): Ana Rosa Kucinski, Tito Arcoverde Cavalcanti, Anísio Teixeira, Fernando Henrique Cardoso, Darcy Ribeiro, Heleneide Nazaré, Haity Moussatché, Maria Yedda Linhares, Erney Camargo, Eulália Lobo, Luiz Hildebrando Pereira da Silva, Rubim Aquino, Victor Nunes Leal, Walter Oswaldo Cruz, José Grabois e Paulo Freire

As escolas e universidades – pelo caráter formativo, de construção do pensamento, da pesquisa e da reflexão – foram algumas das esferas mais atacadas. No início da década de 70, o governo deu início à operação Tarrafa, em alusão à rede de pesca que “pega tudo o que estiver a seu alcance”, com o objetivo de intimidar, prender e encontrar fontes de ação “subversiva” e contrária ao regime. Com a medida, inúmeros professores e estudantes da Universidade de São Paulo foram expurgados e muitos tiveram decretadas suas aposentadorias antecipadas. Reunidos na chamada “lista negra da USP”, muitos tiveram que optar pelo exílio e outros passaram a viver na clandestinidade.

“Quando estudante, eu acompanhei colegas sendo retirados das salas de aula e professores serem tirados de suas casas. Vários foram torturados e muitos desapareceram. Lembro bem da nossa professora de genética, Heleneide Nazaré, que foi torturada na Oban [Operação Bandeirante] e ficou no pau de arara. Lembro também que sua irmã, Helenria, que estava no Congresso de Ibiúna, foi presa, depois entrou para a Guerrilha do Araguaia e nunca mais encontrada”, diz Helena, lembrando que todos viviam em medo permanente. “Havia estudantes infiltrados nas nossas salas de aula e nós não sabíamos quem eram porque eles apareciam entre a lista dos aprovados no vestibular”.

Outra triste ação de destaque nos meios universitários foi o Massacre de Manguinhos, termo cunhado por Herman Lent, um dos cassados na operação que suspendeu os direitos políticos de dez pesquisadores do Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. Lent, que foi um dos fundadores da SBPC, publicou um livro sobre o tema.

No ensino básico, professores também sofreram as consequências. Muitos foram torturados e vários desapareceram. Ao mesmo tempo, o regime controlava a formação dos estudantes, com as disciplinas de Organização Social e Política Brasileira (OSBP) e Educação Moral e Cívica, nas quais estudantes eram doutrinados a compreender o regime como uma necessidade para o país.

Projeto

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação criou o site “É importante lembrar para nunca mais reviver” para destacar o retrocesso causado para a educação brasileira e lembrar os trabalhadores perseguidos pelo regime. A entidade também dá início a amplo movimento de mudança de nomes de escolas que homenageiam agentes envolvidos no golpe. A ideia é propor projetos de iniciativa popular às Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, após a realização de amplo debate com a comunidade escolar, a fim de legitimar o pleito.

Paralelamente, centros acadêmicos secundaristas foram fechados e até censores se instalaram nas unidades – sob o pretexto de garantir que o conteúdo dado nas salas de aula estivesse de acordo com as expectativas do governo. E foi a partir dessa premissa, que educadores foram interrogados, presos e até destituídos de suas funções, como aconteceu com, por exemplo, Antonio Rodrigues, do Colégio de Aplicação da UFRJ e Regina Célia, do Colégio Estadual Quitaúna de Osasco.

Por todo país, professores eram considerados possíveis opositores da ordem nacional, já que em muitos casos, no próprio exercício educativo, prevê-se que os estudantes se tornem autônomos e cidadãos ativos em suas sociedades.

Saiba mais: História: Plano secreto do regime militar visava professores da USP, reportagem de 2003, publicada pelo Jornal da Ciência, com informações da Folha de São Paulo.

 *Foram selecionados apenas alguns educadores vítimas do regime, mas entende-se que o número é muito maior e que essa homenagem se estende a cada um deles. 

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