publicado dia 08/04/2025
Educação Integral Antirracista: como superar o racismo e promover a equidade nas escolas
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
publicado dia 08/04/2025
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
🗒️Resumo: Abertura do lançamento da publicação Diretrizes de Educação Integral Antirracista para o Ensino Fundamental discutiu impactos do racismo para o Direito à Educação e caminhos para mudar essa realidade. Com transmissão ao vivo, encontro acontece em Brasília (DF) e contou com a parceria estratégica da Porticus, Itaú Social e Ministério da Educação (MEC).
Frequentemente apresentadas como agendas separadas, a Educação Integral e a Educação Antirracista (ou Educação para as Relações Étnico-Raciais) são indissociáveis.
Para jogar luz na convergência entre os temas, concretizado no conceito de Educação Integral Antirracista, educadoras e autoridades participaram de debate durante o evento de lançamento da publicação Diretrizes de Educação Integral Antirracista para o Ensino Fundamental: uma contribuição da sociedade civil.
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Realizada em Brasília (DF) na manhã de 08 de abril, a mesa abordou o panorama racial do Ensino Fundamental no Brasil, além do impacto do racismo e da branquitude para o Direito à Educação, em especial, no caso de crianças, adolescentes e jovens negros e indígenas.
O Secretário Substituto de Educação Básica do MEC, Alexsandro Santos, dialogou sobre o tema com a deputada Érika Kokay (PT-DF), da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, e com as educadoras Renilda Aparecida Costa, professora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e Jaqueline Lima Santos, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora da publicação.
Além do evento presencial, as discussões contaram com transmissão ao vivo pelo canal do YouTube do Centro de Referências em Educação Integral. Assista abaixo:
A publicação foi desenvolvida com o apoio estratégico da Porticus pela Cidade Escola Aprendiz, Roda Educativa e Ação Educativa, em parceria com 25 organizações e movimentos sociais. A coordenação dos trabalhos foi realizada pela pesquisadora Jaqueline Lima Santos, em parceria com Mighian Danae Ferreira Nunes, Renata Grinfeld e Silvane Silva.
O material propõe a integração entre as diretrizes da Educação Integral e da Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER), reconhecendo que ambas caminham lado a lado de forma indissociável no compromisso com uma Educação democrática, emancipatória, contextualizada e significativa.
Voltada para gestores de Secretarias e escolas, assim como para docentes, a publicação reúne práticas e reflexões fundamentais para garantir que os direitos dos estudantes sejam efetivamente respeitados e para enfrentar as desigualdades educacionais, especialmente aquelas que afetam as populações negras e indígenas.
A publicação Diretrizes de Educação Integral Antirracista para o Ensino Fundamental levantou uma série de dados que evidenciam como o racismo se manifesta na Educação e a falta de ações para seu combate.
De acordo com o Censo Escolar 2023, que mapeia todas as escolas do Brasil, apenas 3,22% das unidades possuem instrumentos e materiais socioculturais e pedagógicos em uso na escola para ensino e aprendizagem sobre a história e cultura indígena, como pede a Lei 11.645/08. Já em relação à implementação da Lei 10.639/03, apenas 14,8% das escolas possuem tais instrumentos e materiais.
O que é a Educação Integral Antirracista?
É uma concepção educacional que considera as identidades, as diferenças e as diversidades, as práticas culturais e a interação de grupos e pessoas, os múltiplos saberes e a relação com o meio e o território como partes fundamentais que orientam as ações para promover a aprendizagem e o desenvolvimento integral das pessoas, ou seja, a Educação Integral Antirracista é uma Educação contextualizada, democrática, significativa e emancipatória.
Além disso, a publicação demonstra por meio de dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) como as taxas de acesso, permanência, aprendizagem, evasão, entre outras, são desiguais entre estudantes brancos, negros, indígenas, quilombolas e com deficiência.
Em relação às etapas, o estudo constatou que no tempo integral a Educação Infantil é predominantemente branca. Conforme se avança, especialmente nos Anos Finais do Ensino Fundamental, ela se torna majoritariamente negra.
“Ela passa a ser mais negra no período que é o mais complexo, que é quando temos o aprofundamento das desigualdades”, explicou Jaqueline Lima Santos.
“Se tivermos uma estratégia de fortalecimento da perspectiva do desenvolvimento integral no tempo integral, vamos alcançar os grupos majoritariamente discriminados e podemos ter um quadro de mudança nos indicadores educacionais”, apontou a especialista.
Para tanto, a Educação Integral Antirracista visa contribuir com o fortalecimento de uma Educação contextualizada e no território, unindo conceitos da Educação Integral e da Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER).
“A proposição da sociedade civil não tem como perspectiva substituir o papel do Estado, mas trazer a visão e contribuições desse campo”, reforçou Jaqueline, com o objetivo de fortalecer uma “Educação contextualizada, democrática, significativa e emancipatória” por todo o Brasil.
Para materializá-la nas escolas, a publicação propõe a corresponsabilização entre todas as esferas de gestão e comunidade escolar, rever várias dimensões da escola, como o currículo e avaliação, e atuar a partir de 16 princípios. Cada um deles contém uma lista de práticas associadas para apoiar a implementação efetiva.
Renilda Aparecida Costa, professora na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), ressaltou a imensa diversidade que o Brasil abriga e a importância das escolas se estruturarem a partir de seus contextos locais.
“É um desafio enorme pensar a Educação Integral na Amazônia. Uma coisa é Manaus, outra é o interior do Amazonas. Uma coisa é falar dos Tikunas, outra é dos indígenas do Vale do Javari. E a Educação começa sempre na realidade da criança”, disse a professora.
Sem isso, qualquer Educação de qualidade e que vise o desenvolvimento integral dos sujeitos se torna inviável. “Se a Educação não for contra o racismo, a homofobia, a intolerância religiosa, e reconhecer a dignidade das pessoas com deficiência, não há possibilidade de Educação. É reconhecer as diferenças e fazer com que eles não sejam fator de hierarquizações sociais”, destacou.
Para a deputada Erika Kokay (PT-DF), que é membro da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, também é preciso que essa diversidade se expresse e se consolide na escola e que a discussão das Relações Étnico-Raciais possa contribuir com a elaboração dos traumas de nossa história para que eles parem de se repetir.
“Quando estávamos no Vale do Javari investigando a morte de Bruno [Pereira, indigenista brasileiro] e Dom [Phillips, jornalista britânico], um indígena me disse que tinha a impressão de ter um alvo nas costas, e esse alvo é um sentimento que muitos jovens negros de periferia também têm. Estamos em um sistema que vai transformando os ferros dos grilhões em balas que atingem sempre os mesmos corpos e as algemas que atingem sempre os mesmos pulsos”, disse Erika.
A deputada também defendeu que a escola seja um espaço de fala e construção democrática, de ação antirracista, e resistência a qualquer padronização. “Que a Educação Integral Antirracista construa uma sociedade antirracista […] a escola é fundamental nisso por sua capilaridade, é a política pública que mais dialoga de forma permanente com as famílias, o território e a comunidade. Há um quê de revolucionário na desconstrução de tantas marcas e cicatrizes que carregamos na pele e na alma deste país”, afirmou Erika.
Para Alexsandro Santos, Secretário Substituto de Educação Básica do MEC, entre as contribuições que as Diretrizes de Educação Integral Antirracista trazem, uma contribui em especial para efetivamente enfrentar o racismo nas escolas: a lista de práticas que devem ser realizadas por diferentes atores do campo educacional.
“É guia de ação para quem queria fazer e não sabia como e, para o grupo que se opõe à ideia de que a escola seja um espaço de transformação racial e se aproveita das ambiguidades das políticas públicas, ajuda a exigir deles que saiam da escola. Quem escolhe não implementar a Lei 10.639/03 está cometendo um crime, porque está na legislação brasileira”, disse Alexsandro.
Desde as escolas até a esfera federal de gestão, o especialista espera conflitos na implementação da Educação Integral Antirracista, dado que o Brasil se estruturou a partir de uma lógica de desigualdade racial e constantemente cria mecanismos para perpetuá-la.
“Se conectar significa travar com as comunidades um diálogo tenso, conflituoso, mas que se tivesse entrado na tarefa pedagógica educadora da escola, vai dar bons frutos”, explicou Alexsandro.
Outras condições essenciais para materializar a Educação Integral Antirracista são a atenção constante para que os meninos negros de fato aprendam tanto quanto os meninos brancos, e que o debate sobre diversidade esteja atrelado ao compromisso radical com a equidade.
“Além disso, não ignorar o peso das condições objetivas de funcionamento da escola. Sem tempo para os professores estudarem, materiais adequados, infraestrutura que dê conta dos desafios cotidianos e dinheiro, não dá para enfrentar desigualdade racial na Educação”, disse Alexsandro, destacando que “Orçamento é escolha ética, técnica e política”.
A publicação Diretrizes de Educação Integral Antirracista para o Ensino Fundamental: uma contribuição da sociedade civil foi criada sob coordenação da Cidade Escola Aprendiz, Roda Educativa e Ação Educativa, com apoio da Porticus, e contribuição das seguintes organizações e especialistas:
Ashoka, Movimento pela Inovação na Educação, Avante – Educação e Mobilização Social, Azania – Grupo de Estudos e Pesquisas em Cultura, Gêneros, Sexualidades, Raça, Classe, Performances, Religião e Educação (UNILAB/CE), Cenpec, Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), EE indígena Tenente Antônio, EMEF Waldir Garcia, FLACSO, Federação das organizações indigenas do Rio Negro (FOIRN), Geledés Instituto da Mulher Negra, Instituto Acaia, Instituto Alana, Instituto Amma Psique e Negritude, Instituto Rodrigo Mendes, Itaú Social, NEAABI Unilab, NEAB UFSCAR, Observatório da Branquitude, NEAI UFAM, NEABI UFMA, UNICEF, Profa Claudia Santos – Observatório Nacional de Educação Integral (UFBA), Profa Gina Vieira Ponte e Tania Mara da SME Santa Bárbara D’Oeste (SP).