publicado dia 23/05/2025
“É nível de ditadura civil”, diz Helena Singer sobre afastamento de diretores escolares em São Paulo
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
publicado dia 23/05/2025
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
🗒 Resumo: Anunciado em 23 de maio, o afastamento de ao menos 25 diretores escolares efetivos da rede municipal de São Paulo (SP) acendeu sinal de alerta entre educadores, especialistas e defensores da Educação Pública. Para a especialista Helena Singer, a medida é autoritária e inédita no contexto democrático. Saiba mais na entrevista.
Na quinta-feira, 22 de maio, ao menos 25 diretores escolares efetivos da rede municipal de São Paulo (SP) receberam o aviso de que seriam afastados pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) a partir de segunda-feira para participar de um curso de “requalificação” promovido pela Secretaria de Educação (SME). Interventores serão indicados pela SME para ocupar a gestão das unidades. Saiba mais nesta reportagem.
“Afastar um diretor e colocar um interventor em seu lugar é um feito absolutamente autoritário e inédito no contexto democrático. É nível de ditadura civil. Esse tipo de medida só é tomada quando há denúncia de crimes como corrupção, abuso, assédio. Não há justificativa para o afastamento e ele deve ser revogado”, afirma Helena Singer, professora e socióloga, em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral.
Leia mais
Até o momento, não há qualquer alegação da SME sobre qual foi o critério de escolha das unidades escolares. Contudo, em janeiro deste ano, o secretário municipal de Educação, Fernando Padula, declarou ao jornal Folha de S. Paulo que seriam escolhidas 50 escolas para terem suas gestões privatizadas.
“Ainda não está definido como vamos escolher essas escolas, se serão as que têm mais baixo rendimento no Ideb ou usar outro critério. Mas vamos fazer uma parceria para que 50 escolas com maior vulnerabilidade sejam atendidas por entidades parceiras”, disse Padula.
O secretário municipal de Educação de São Paulo, Fernando Padula, em evento da Prefeitura.
Crédito: Daniel Guimarães/SME-SP
Uma das unidades afetadas pelo afastamento de diretores é a EMEF Espaço de Bitita, localizada no território remanescente da favela do Canindé. Cerca de 40% dos estudantes da unidade são migrantes que não falam a Língua Portuguesa fluentemente e, portanto, não teriam como performar bem uma prova como o Ideb. Há ainda 40 crianças e adolescentes com deficiência.
A unidade também atende 150 crianças e adolescentes que moram nas Vilas Reencontros, nos centros temporários de acolhimento, no Centro Especial de Acolhimento aos Migrantes e nas ocupações que surgiram na região da República, na Avenida do Estado e nos terrenos abaixo da linha do metrô da Armênia.
“Um dos fatores que faz com que a escola padeça para melhorar seus indicadores é a alta rotatividade dessa população”, explica Cláudio Marques da Silva Neto, diretor da escola há 14 anos, para quem a saída para essa questão passa por aproximar ainda mais as pessoas da escola.
Com frequência, Cláudio dialoga presencialmente com as famílias e as equipes dos serviços do território, assim como a própria Prefeitura, sobre a importância da presença das pessoas na escola e da atuação intersetorial para garantir condições dos estudantes permanecerem e aprenderem com qualidade.
Em um texto publicado nas redes, Carlos Eduardo Fernandes Junior, coordenador pedagógico da unidade, afirmou que “não é raro matricularmos crianças de 11 anos que ingressam em uma escola pela primeira vez”.
Para lidar com o contexto, a escola criou uma série de iniciativas: individualização do currículo e adequação para o Atendimento Educacional Especializado, recuperação continuada permanente desde o primeiro dia de aula e reclassificação dos estudantes ao longo do ano, para que eles estejam acompanhados de seu grupo etário.
Em Bitita, falam-se as várias línguas de seus alunos migrantes, e também criaram a Educação de Jovens e Adultos, que inicialmente atendia as famílias e hoje recebe também 65 mulheres trans.
O caso de Bitita não é isolado e espelha a realidade desafiadora, bem como o empenho hercúleo e diário de outros diretores(as) e professores(as), em ofertar uma Educação de qualidade e garantir os direitos das crianças e adolescentes em contextos altamente vulnerabilizados na cidade de São Paulo, fatores que o Ideb sozinho não é capaz de medir.
Helena Singer: Afastar um diretor escolar e colocar um interventor em seu lugar é um feito absolutamente autoritário e inédito no contexto democrático. É nível de ditadura civil. Esse tipo de medida só é tomada quando há denúncia de crimes como corrupção, abuso, assédio. Não há justificativa para o afastamento e ele deve ser revogado.
“Os formuladores do projeto do Ideb e muitos dos seus apoiadores jamais imaginaram que o resultado do índice deveria vir acompanhado de um afastamento do diretor da escola”, diz Helena Singer.
Os formuladores do projeto do Ideb e muitos dos seus apoiadores jamais imaginaram que o resultado do índice deveria vir acompanhado de um afastamento do diretor da escola.
Os resultados do Ideb precisam ser acompanhados por um diagnóstico mais próximo, porque um resultado insatisfatório pode acontecer por causa do diretor, mas também por falta da SME ofertar condições de infraestrutura e de trabalho, pode precisar de formação de professores ou qualquer outro fator.
E se os diretores precisam de formação, eles deveria realizá-la no exercício de sua função, no contexto da escola acontecendo, com a equipe envolvida no processo de superação do suposto problema que ela tem.
Helena: Para produzir ranking entre secretarias e escolas, e para pressionar as equipes escolares a partir de bonificações, responsabilizando individualmente escolas, equipes e pessoas pela qualidade da Educação.
Toda essa dinâmica instituiu, de forma explícita, o que todos os pesquisadores e quem atua no ambiente escolar conhece, que é o convite para os alunos que não tem condições de obterem boas notas não irem à escola no dia da prova.
Isso produz um mascaramento dos resultados. Escolas que não são comprometidas com a qualidade da Educação e com sua comunidade fazem uso desse tipo de recurso para ter melhores resultados e acessar bonificações, premiando condutas nefastas.
Helena: Só o Ideb não é suficiente para avaliar a qualidade da Educação ofertada nas escolas, ele não mede o todo do contexto. Por exemplo, unidades que vivem um grande fluxo de estudantes que migram ao longo do ano não tem como performar bem na prova, mas isso não diz da qualidade da escola e isso o Ideb não mostra.
O Ideb é capaz de medir o desempenho dos estudantes em provas testes de Língua Portuguesa e Matemática. Mesmo assim, não é capaz de medir o total da complexidade dos conhecimentos dos estudantes nessas áreas.
O uso dos resultados precisa ser feito ao longo dos anos, porque o resultado dessas provas vem até dois anos após os alunos realizarem os testes. Já são outros professores e estudantes ou os mesmos estudantes em outra fase da vida.
Talvez, o conjunto das notas do Ideb, de toda uma rede pública, seja capaz de avaliar alguns pontos se o acompanhar o desenvolvimento dessa rede ao longo de alguns anos.
Helena: Para dizer da qualidade da escola, seria necessária uma avaliação institucional, da qual toda a comunidade escolar participa: estudantes, professores, funcionários, gestores, supervisores da secretaria.
Ela precisa analisar qual infraestrutura é oferecida para a atividade pedagógica, o trabalho dos professores, a equipe escolar, a qualidade dos materiais, do mobiliário, da comida. Como os estudantes se relacionam entre si e com os profissionais da Educação, o cuidado com a própria escola, entre outros pontos. Isso sim poderia dar insumos para políticas adequadas.
A escola sozinha não será capaz de dar conta de todas as dimensões da vida dos estudantes e famílias que impactam suas condições de aprendizagem. Para que aprendam e tenham um bom desempenho escolar, inclusive em provas, precisam ter alimentação, saúde, boas condições de moradia e saneamento básico.
A política precisa levar em consideração esse contexto todo e a intervenção necessária em relação a todos os equipamentos do território, para que eles possam fazer a articulação necessária para estruturar as condições dos estudantes poderem ter um bom desempenho escolar.