publicado dia 22/08/2014

Desvendando o PNE: é preciso intencionalidade para alfabetizar

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Meta 5: Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º (terceiro) ano do ensino fundamental.

selo-desvendando-pneOs debates sobre alfabetização quase sempre evidenciam a experiência de Sobral, no Ceará. Por muito tempo, a educação pública do município lidou com o amargo percentual de 48% de crianças que não sabiam ler ou escrever no terceiro ano do ensino fundamental.

A estratégia para modificar o cenário foi apostar em um plano de gestão diferenciado, centrado na erradicação do analfabetismo, na diminuição da evasão escolar, na valorização do professor e na meritocracia.

A ideia deu tão certo que o município foi usado como inspiração para a criação do Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), iniciativa do estado do Ceará que previa a alfabetização das crianças até o segundo ano do ensino fundamental em todos os municípios. À época, apenas 15 das 184 cidades contava com nível de alfabetização adequado, entre elas Sobral. Em 2011, apenas cinco não atingiram o nível desejável, mas alcançaram “suficiência”.

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A questão inicial de Sobral, infelizmente, ainda está presente em escala nacional, na qual as necessidades se projetam de maneira igualmente desafiadoras. Dados do Observatório do PNE mostram que mais da metade das crianças do país não atingem a aprendizagem adequada em leitura, escrita e matemática no terceiro ano do ensino fundamental. A expectativa é que isso seja superado até 2024, ano em que se completa a vigência do atual Plano Nacional de Educação.

Compromisso alfabetizador

De maneira geral, os especialistas veem que a alfabetização já foi reconhecida pela sociedade como parte estruturante do processo educacional. O domínio da leitura e escrita, além de essenciais para uma compreensão de mundo, é pré-requisito para o desenvolvimento escolar.  Mas, esse percurso formativo deve ser estruturado com cuidado, como avalia Sônia Kramer, professora da PUC-RJ e coordenadora do curso de especialização em educação infantil na universidade. “Ninguém alfabetiza por decreto. Precisamos ter o compromisso com a qualidade desse processo, o que demanda estratégias de infraestrutura e formação científica.”

Para Silvia de Carvalho, coordenadora executiva do Instituto Avisa Lá, também se faz necessário o entendimento de que a alfabetização não se inicia aos seis ou sete anos de idade, momento em que a criança ingressa no ensino fundamental. “Essa relação com a cultura escrita e letrada começa desde cedo, mesmo sem uma ação intencional para isso. Portanto, as ações direcionadas, como o acesso aos livros e a contação de histórias vão facilitando a criança a se reconhecer nesse cenário. Mas, contando que nem toda criança recebe o mesmo estímulo, é de responsabilidade da educação garantir a equidade ao estimular esse contato”, atesta.

Iniciativas em diálogo

O enfrentamento necessário para que a alfabetização seja estabelecida como direito, mobiliza esforços do governo federal e de outras esferas. À luz da experiência cearense, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) convida governantes para o compromisso da alfabetização, com ações direcionadas à formação, materiais didáticos, avaliações, gestão, mobilização e controle social. Em diálogo com a iniciativa, aparece o Projeto Trilhas, do Instituto Natura, que objetiva apoiar o trabalho docente no campo da leitura, escrita e oralidade com o objetivo de inserir as crianças da Educação Infantil e do Ensino Fundamental em um universo letrado. “Entendemos que o professor em diálogo com a comunidade escolar e o material pode apoiar cada criança em sua particularidade, ajustando no cotidiano o percurso a ser trilhado com os estudantes”, explica Maria Slemenson, coordenadora do projeto.

A diversidade de repertório das crianças deve ser valorizada a partir de uma intencionalidade pedagógica que oferte mais do que a decodificação ou interpretação de textos e que valorize momentos de troca e debate acerca de produções culturais diversas, como os próprios livros, letras de música, contos, ditos populares, entre outros. Sônia destaca a necessidade dessa condução ser subsidiada por uma relação que permita a criança – em diálogo com outras crianças ou adultos – construir uma visão positiva sobre si mesma, em que se sinta capaz de aprender, crescer, interiorizar o conhecimento e confiar em si mesma.

“A leitura e a escrita se consolidam ao passo que garantem a expressão da criança, artística, de seu corpo, seus movimentos, como um sujeito de cultura e que se relaciona com ela”, reforça a educadora. Em seu entendimento, o processo de alfabetização deve considerar na equação a dimensão dos conhecimentos, mas também a dos saberes infantis e a atenção ao desenvolvimento integral das crianças.

Um trabalho de continuidade

Nesse contexto, a educação infantil tem um papel importante, prevendo a continuidade do desenvolvimento da criança. “E aqui não se fala do processo de alfabetização na essência e nem da inserção do aluno em um ensino formal”, considera Alejandra Velasco, gerente da área técnica do Todos pela Educação. Mesmo sem a vivência do letramento, é importante que a criança possa criar a sua leitura de mundo, estimulada por meio de símbolos e outros referenciais. Para a especialista, os elementos próprios da educação infantil têm que estar presentes no ensino fundamental e vice-versa, de maneira que o processo ocorra de maneira sequencial.

Aí se molda a necessidade concreta de alternativas práticas, metodológicas e estratégicas que consigam estabelecer a alfabetização como um direito de todos; e também de uma formação que prepare o professor para esse momento, questão problemática para Silvia de Carvalho: “os cursos de pedagogia, quando cedem espaço para a alfabetização, o fazem em um semestre. Vejo um descompasso entre o entendimento da criança e a forma como esse professor ensina”, condena.

A especialista acredita que o trabalho deva ser desenvolvido com base em um tripé, que tenha como primeiro elemento a criança, com seu pensamento, conhecimento e relação com a escrita e a leitura; depois, o olhar para o próprio objeto do conhecimento na perspectiva de reconhecer as particularidades de se trabalhar com a escrita e a leitura; e por fim, a oferta de uma metodologia que não se resuma a um método ou algo tecnicista, mas que permita um diagnóstico sobre essa criança e dos estímulos necessários ao seu desenvolvimento.

Essa estrutura deve encontrar respaldo nas políticas que devem considerar a escola, mas também outros equipamentos sociais e públicos, caso das bibliotecas, e distribuição de livros, por exemplo. “Essas ações são mais bem sucedidas quando conseguem inserir crianças, jovens e adultos em situações concretas de leitura e escrita”, avalia Sônia Kramer. A especialista reconhece tentativas de enfrentamento, mas também interferências negativas na consolidação das mesmas. “Ainda vemos movimentações que visam a sobreposição do patrimônio cultural e artístico pelos materiais didáticos, muitas vezes de origem duvidosa. Para esses leitores iniciantes, a literatura é fundamental, senão acabamos por reduzir o universo delas”, conclui.

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