publicado dia 03/07/2025

Critério de escolha de diretores afastados em SP foi tecnicamente inconsistente, dizem estudos

Reportagem: | Edição: Tory Helena

🗒 Resumo: Ao menos dois estudos realizados após o afastamento de 25 diretores escolares na cidade de São Paulo (SP) mostram fragilidades nos critérios utilizados pela Secretaria Municipal de Educação (SME) para escolher unidades que sofreram intervenções em maio deste ano. Entenda.

Após pressão de especialistas e das 25 comunidades escolares que tiveram seus diretores afastados, o Secretário Municipal de Educação de São Paulo (SME/SP), Fernando Padula, afirmou em entrevista à rádio CBN que a seleção das escolas foi baseada em critérios técnicos, especialmente no baixo desempenho educacional aferido no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2023. Até então, o critério não havia sido divulgado. 

A decisão de afastar diretores escolares com base em resultados de avaliações de larga escala foi amplamente criticada por especialistas. Eles explicam que essa nunca foi a finalidade desses indicadores, que mostram um retrato reduzido do trabalho de toda a escola, não levam em consideração os desafios que ela enfrenta – parte deles de responsabilidade da Prefeitura – e nem os distintos contextos, recursos e infraestrutura entre cada unidade.

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Há escolas situadas em territórios altamente vulnerabilizados, onde as famílias e estudantes têm seus direitos violados. Outras, promovem a inclusão e recebem estudantes que não vão performar bem nesse tipo de prova, como crianças com deficiência ou migrantes que não falam a Língua Portuguesa, mas encontram na unidade a garantia de seu direito à Educação.

Para além disso, a própria argumentação da SME sobre o uso das avaliações externas foi inconsistente, como revelam dois estudos recentes.

Critérios aleatórios, métricas distintas 

A nota técnica Ausência de Critérios Técnicos Para o Afastamento de Diretores de Escolas Municipais de São Paulo, publicada em maio pela Rede Escola Pública e Universidade (Repu), afirma que o afastamento dos diretores foi “arbitrário e sem critérios objetivos”.

A Repu é composta por professores e pesquisadores de universidades públicas (UFABC, UFSCar, Unicamp, Unifesp e USP), do Instituto Federal de São Paulo e da rede estadual de São Paulo.

“Os desempenhos no Ideb 2023 das escolas que sofreram intervenção não correspondem aos piores desempenhos observados da rede municipal de São Paulo. Essas 25 escolas obtiveram, em alguns casos, índices próximos aos da média da rede municipal. Assim, concluímos que o desempenho no Ideb não deve ter sido o critério utilizado para a escolha das escolas que sofreriam intervenção”, diz a nota.

Além disso, quatro dessas escolas (16%) estão entre as 50% mais bem avaliadas e uma delas, para os Anos Finais do Ensino Fundamental, é a 11ª mais bem colocada em toda a rede, estando entre as poucas escolas da rede que atingiram a meta do Ideb 2023.

O estudo também apontou que o processo foi “tecnicamente inconsistente”, já que a SME adotou critérios variados e aleatórios para definir as decisões sobre as escolas. Algumas foram analisadas com base no Ideb de 2023, outras segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Paulistana (Idep). Em certos casos, o foco foi o desempenho nos Anos Iniciais, em outros, nos Anos Finais.

Esses indicadores seguem metodologias distintas. O Ideb considera os resultados dos estudantes em provas padronizadas de Língua Portuguesa e Matemática. Já o Idep pode incluir outras áreas do conhecimento, como Ciências da Natureza, Ciências Humanas e produção de texto, dependendo da etapa escolar avaliada.

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“Nenhuma das 25 escolas sob intervenção estão sempre entre as piores da rede com relação ao atingimento das metas do Ideb e do Idep. Se isso eventualmente ocorre para as metas do Ideb 2023, não ocorre para as do Idep 2023; se ocorre para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, não ocorre para os Anos Finais […] É temerário que indicadores com métricas distintas sejam utilizados ao mesmo tempo para tomar uma decisão que afeta escolas diferentes em uma única rede de ensino”, afirma a nota.

Leonardo Crochik, um dos pesquisadores que elaborou o estudo, afirma que esse tipo de uso de dados educacionais é “sem precedentes”. “Esses dados poderiam ter uma função de diagnóstico ao longo de um tempo grande, mas não é isso que acontece. Pinçam dados isolados que mais prejudicam a escola como pretexto para punir diretores. Não tem sistematicidade, fundamentação científica, acadêmica ou educacional. O resultado é a destruição da política educacional e da identidade e trabalho dessas escolas”, diz Leonardo.

O especialista também alerta para o fato de que essa não é mais uma conduta isolada: “A Secretaria Estadual de Educação tem afastado e transferido diretores escolares sem justificativa técnica ou publicidade, porque sequer aparece no Diário Oficial”.

O Estudo de Consistência Técnica na Escolha de Escolas Submetidas à Intervenção Gestora com Base em Indicadores Públicos, conduzido pela cientista social Ana Luiza do Couto Montenegro, constatou as mesmas fragilidades e destaca outras duas.

O Idep utilizado foi o de 2023, quando a edição de 2024 já estava disponível, e nem todas as escolas que sofreram intervenção estão entre os piores índices da cidade. De acordo com o estudo, os resultados mais atuais mostram que praticamente todas elas cresceram ou superaram índices estabelecidos pela própria SME.

“As notas das escolas escolhidas não diferem muito da média da rede, mas ainda assim esses índices não são suficientes para avaliar como as escolas estão evoluindo, e vale destacar que várias delas fazem trabalhos diferentes, de referências, e aderem à greve, que aconteceu poucas semanas antes da intervenção. Temos que entender se pode ter esse viés”, diz Ana Luiza.

O que diz a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo

A Secretaria Municipal de Educação (SME) reafirma que a seleção das 25 unidades escolares prioritárias seguiu critérios técnicos e transparentes, que levaram em consideração preferencialmente os indicadores do Ideb 2023. No caso das escolas que não tiveram esse índice divulgado, devido à participação inferior a 80% dos estudantes nas provas aplicadas, foi utilizado o Idep 2023. Outro critério para a definição das unidades foi o tempo de atuação de, pelo menos, quatro anos dos diretores no cargo. 

Importante destacar que o processo se baseou nos resultados dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental obtidos por cada escola. Das 25 unidades educacionais selecionadas, 16 foram escolhidas com base nos índices dos anos iniciais, sendo 11 pelo Ideb e 5 pelo Idep 2023; 9 escolas foram selecionadas com base nos índices dos anos finais, sendo 1 pelo Ideb e 8 pelo Idep 2023.  

Ressalta-se, ainda, que todas as 25 escolas não atingiram as metas estabelecidas pelo Ideb nas duas últimas edições. Em 2023, foi considerada a meta projetada para 2021, conforme decisão do MEC/INEP, em razão dos impactos provocados pela pandemia. 

Na lista abaixo, entre parênteses, seguem os critérios para a seleção das escolas:

CEU EMEF Professor Antonio Carlos Rocha (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023) 

EMEF Professor Aroldo de Azevedo (não teve  Ideb AF 2023 divulgado; sem alcance da meta projetada, Idep abaixo de 3.3)

EMEF Almirante Ary Parreiras (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023)

EMEF Deputado Caio Sérgio Pompeu de Toledo (não teve o Ideb AF divulgado em duas edições e com Idep Até 3.3)

CEU EMEF Campos Salles (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023)

EMEF Cecília Moraes de Vasconcelos (não teve o Ideb AI divulgado; Idep abaixo 3,7)

EMEF Professora Daisy Amadio Fujiwara (Não teve o IDEB AF divulgado em duas edições e com IDEP até 3,3)

EMEF Dilermando Dias dos Santos (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023)

EMEF Professora Eda Terezinha Chica Medeiros (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023)

EMEF Espaço de Bitita (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023)

EMEF Professor Flávio Augusto Rosa (não teve o Ideb  AF divulgado em duas edições e com Idep até 3.3)

EMEF Geraldo Sesso Junior (não teve o  Ideb AI divulgado; teve Idep abaixo  3,7)

EMEF Ibrahim Nobre (não teve o Ideb AI divulgado; Idep abaixo 3,7)

EMEF João XXIII (não teve o Ideb AF divulgado em duas edições e com Idep Até 3.3)

EMEF Mário Lago (Ideb AF até 4,3; não atingiu sua meta projetada em 2023) 

EMEF Mururés (Ideb AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023)

EMEF Professora Olinda Menezes Serra Vidal (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023)

CEU EMEF Paraisópolis (não teve o Ideb AF divulgado em duas edições e com Idep até 3.3)

EMEF Pedro Américo (não teve o Ideb AF divulgado em 2023  e com Idep até 3.3)

EMEF Pedro Teixeira (IDEB AF até 4,3; não atingiu sua meta projetada em 2023)

EMEF Perimetral (Ideb AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023)

EMEF Plínio Marcos (não teve o Ideb AI divulgado; Idep abaixo 3,7)

EMEF Saturnino Pereira (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023)

EMEF Sud Mennucci (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023)

EMEF Vinicius de Moraes (IDEB AF até 4,3; não atingiu sua meta projetada em 2023)

*Foto: Sindsep-SP

Hora do Intervalo: live discute afastamento de diretores em São Paulo (SP)

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