publicado dia 14/05/2025

Brincar para combater o racismo: Conheça o projeto Memórias de Carvalho

Reportagem: | Edição: Tory Helena

🗒 Resumo: Projeto Memórias de Carvalho luta contra o racismo e o apagamento da cultura negra e popular levando brincadeiras para “crianças de 0 a 120 anos”. Conheça a iniciativa das irmãs Ana Maria e Bel Carvalho. 

“Minha gente venha ver a volta do meu cipó. Eu também sou bela no cipó de miroró”. Foi ao som de músicas e cantigas como essa que as irmãs Ana Maria e Bel Carvalho cresceram brincando em uma comunidade quilombola em Cururupu, no Maranhão. 

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Quando a vida as levou a morar na cidade de São Paulo (SP), há mais de 30 anos, a vontade de continuar brincando e de preservar a história e a cultura de sua comunidade fez surgir o projeto Memórias de Carvalho.

Com a ajuda da mãe, Dona Flor, a dupla começou a rememorar suas brincadeiras favoritas de infância, as que aprenderam com o pai, Pepê Carvalho, também mestre popular, os avós, vizinhos e outros cantantes e brincantes da comunidade. 

Também incluíram as manifestações culturais que aprenderam com outras crianças nas escolas e instituições em que trabalharam ao longo da vida. “As mães me mandam vídeos dos filhos brincando e cantando em casa e isso é o que queremos para essas crianças”, celebra Bel.

Com álbum digital, livreto, espetáculo musical e o documentário Raízes em Flor, o projeto das mestras de cultura roda o país levando histórias, cantigas e manifestações como o Maracatu, Bumba Meu Boi e o tambor de crioula para “crianças de 0 a 120 anos”, como costumam dizer as irmãs.

“Uma vez me disseram que adulto não brinca. Ouvir isso foi como um soco, porque eu brinco até hoje e vou ser infeliz se eu parar. Brincar é uma necessidade humana, que traz uma troca entre as pessoas e ensina que cada ser é único, que somos um coletivo, e possibilita afeto, cuidado e respeito entre todos”, diz Bel. 

“As pessoas não respeitam o que não conhecem, por isso precisam se aproximar, saber que essa cultura é nossa, é do nosso país, e tem muita beleza aqui”, afirma Bel Carvalho.

Para a mestra de cultura, é por esses motivos que o brincar é uma das ferramentas mais importantes no combate às violências, como o racismo e o apagamento da cultura negra e popular.

“As pessoas não respeitam o que não conhecem, por isso precisam se aproximar, saber que essa cultura é nossa, é do nosso país, e tem muita beleza aqui. É se apoderar, mesmo, para fazer resistência”, afirma Bel, que viveu essa experiência na prática.

Em 1986, Bel e Ana Maria, junto a seu irmão Tião, fundaram o Grupo Cupuaçu – Centro de Estudos de Danças Populares Brasileiras, no Morro do Querosene, que fica no bairro do Butantã, em São Paulo (SP). 

“A gente não podia começar a tocar o Boi porque chegava a polícia. E isso era racismo, porque se fosse música erudita não incomodaria, mas é percussão, que é coisa de preto”, relata. 

O grupo resistiu, com apoio da comunidade e de uma rede de pessoas que se juntaram à iniciativa. “Isso foi se transformando por meio da resistência e hoje o Bumba Meu Boi está em todas as escolas, está em teses de mestrado e doutorado, e hoje quando fazemos a Festa do Boi, que reúne três mil pessoas, a polícia não vem mais”, conta Bel. 

Para todo mundo brincar

Durante o levantamento das músicas e cantigas, todas sob domínio popular, as irmãs notaram a necessidade de adaptar algumas letras para garantir a inclusão e o respeito a todas as identidades, e com isso fortalecer a missão do projeto.

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“O que nós queremos é todo mundo brincando junto”

Crédito: Alecio Cezar

Em Sapo Cururu, um trecho da música original falava de forma capacitista sobre uma menina que teve uma de suas pernas amputadas, e Ana Maria reescreveu a letra. “É uma brincadeira de infância que a gente gostava muito, mas tem que ter esse cuidado e adaptar”, diz Bel.

Já na brincadeira de roda Coqueiro Tão Alto, a letra dizia “case comigo, eu sou o seu bem. Não é com você, não é com ninguém, é com o menino que eu quero mais bem”. Na versão de Memórias de Carvalho, agora a música diz “é com aquela pessoa que eu quero mais bem”.

“São coisas pequenas que podemos mudar e que podem fazer uma grande diferença – não é só menina que brinca de roda, tem menino que quer casar com menino e tem menines também. E o que nós queremos é todo mundo brincando junto”, diz Bel.

*Foto: Alecio Cezar

Assista ao documentário Raízes em Flor:

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