publicado dia 01/11/2016
“Aqueles que votarem contra a educação estarão com suas mãos sujas por 20 anos”
Reportagem: Dafne Melo
publicado dia 01/11/2016
Reportagem: Dafne Melo
O recado dado pelos secundaristas no Senado Federal nesta segunda-feira (31/10) foi claro: lutarão até o fim contra a PEC do teto dos gastos públicos e também contra a Medida Provisória do Ensino Médio, a MP 746.
Os estudantes, entre eles a paranaense Ana Julia Pires Ribeiro, cuja fala na Assembleia Legislativa do Paraná tornou-se um símbolo da recente luta estudantil, ocuparam algumas das fileiras de um dos plenários do Senado, em Brasília, onde ocorreu a 93ª reunião extraordinária. O objetivo foi debater os efeitos da PEC 241 na Educação brasileira. A proposta, já aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados, agora tramita no Senado, onde passa a ser identificada como PEC 55 e deverá ser votada, em segundo turno, no dia 13 de dezembro.
“Uma data bem interessante porque no dia 13 de dezembro de 1968 era baixado o AI-5, que mudava exatamente direitos e garantias constitucionais. Por ironia do destino, é o dia para a votação final da PEC”, apontou a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).
Além dos secundaristas, a audiência contou com uma grande representatividade de organizações ligadas à educação. Participaram do debate o Fórum Nacional de Educação, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o movimento Todos pela Educação, o Sindicato Nacional dos Técnicos de Nível Superior das IFES (Atens), a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Sindicato Nacional dos Docentes de Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), entre outras entidades. Todos representantes apresentaram dados e estudos (ver box ao lado) que sustentam as teses de que a PEC 55 terá efeitos desastrosos para a educação e saúde.
O Ministério da Educação (MEC) também foi convidado, mas não compareceu. “Nós já fizemos três audiências públicas na Comissão de Assuntos Econômicos. Da primeira, o governo participou. Nas duas seguintes, não foi. Eles não querem fazer o debate”, protestou Gleisi, e completou: “eles não vão aparecer, não querem discutir porque perdem essa discussão”.
Em seguida, a palavra foi dada à estudante Ana Julia. A jovem reivindicou a legitimidade das ocupações pelo país afora, reafirmou o caráter autônomo das mobilizações e citou como motivação para as manifestações três elementos: a MP 746, que reforma o ensino médio; a PEC 55, que irá diminuir investimentos na educação por 20 anos; por fim, projetos de lei inspirados no Escola sem Partido.
“Nós, estudantes, em relação à MP 746, só temos a dizer que até 20 de janeiro de 2017 esperamos e acreditamos que ela não se concretize em lei. Esperamos que aproveitem a possibilidade de levá-la aos profissionais da educação, que seja debatida, que a sociedade debata e a voz do movimento estudantil seja ouvida”, disse a secundarista.
Todos convidados enfatizaram a impossibilidade de se cumprir o Plano Nacional de Educação (PNE) caso a proposta de emenda constitucional seja aprovada. “Os objetivos da PEC 241, hoje PEC 55, colidem com o Plano Nacional de Educação”, afirmou Jaqueline Pasuch, do Fórum Nacional de Educação.
Orlando do Amaral, da Andifes, afirmou que será impossível cumprir as metas do plano traçadas para a educação superior já que, apesar dos avanços dos últimos anos, é necessário dobrar o número de jovens nas universidades. O docente ainda rebateu o argumento de que as despesas brasileiras com saúde e educação explodiram – como o governo federal vem afirmando – mas sim se mantiveram constantes em relação ao percentual do PIB. “Do ponto de vista do PIB, as despesas não estão fora do controle”, sustentou.
Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, destacou que já há farto material, produzidos por pesquisadores e organizações, sobre os efeitos nocivos da PEC. Ele rebateu os argumentos de Michel Temer e Henrique Meirelles de que os gastos mínimos constitucionais seriam mantidos se a proposta for aprovada. Segundo estudo feito em parceria com o Fineduca, a vinculação dos gastos para a educação cairia de 18 para 10% dos tributos.
“A PEC 55, na realidade, vai fazer com que o direito à educação seja um direito secundarizado no Brasil”, Daniel Cara.
Daniel enfatizou que para cumprir as metas do PNE, seriam necessários, na realidade, mais que os atuais 18%. “[A PEC] tem trazido para o debate uma ideia de que é preciso austeridade agora, como se no passado houvesse um gasto irracional. A irracionalidade dita pelo governo Temer foi a expansão das universidades federais como nunca aconteceu no Brasil, a expansão dos institutos federais de educação técnica, a expansão de creches e pré-escola – ou seja, a constituição do Fundeb. A PEC 55, na realidade, vai fazer com que o direito à educação seja secundarizado no Brasil”, resume Daniel Cara.
Cara também parabenizou os estudantes pelas ocupações. “Temos visitado ocupações no Brasil inteiro e é impressionante como os estudantes têm feito um debate técnico sobre a PEC, a MP do ensino médio e o Escola sem Partido”.
Leia, abaixo, entrevista concedida por um estudante do Centro de Ensino Médio do Setor Oeste (CEM-SO) ao Centro de Referências em Educação Integral. O estudante estava presente na audiência do Senado, mas preferiu não se identificar. Ele falou sobre como as atuais medidas do governo federal vão de encontro às aspirações dos estudantes. Também denunciou a repressão que vêm vivendo no cotidiano das escolas ocupadas.
Vocês estão ocupando as escolas em protesto contra a MP do ensino médio e contra a PEC 241/55. Por que vocês se opõem a essas medidas?
A MP é um projeto de educação feito por pessoas que não vivem e não fazem parte da educação pública. Foi feita em gabinetes, lendo apenas dados – e às vezes nem isso. Já a PEC é um projeto de precarização da educação pública. É um plano de ação das bancadas conservadoras, de direita, no nosso Congresso, para favorecer a iniciativa privada. Agora, com o governo golpista, isso veio forte. E não só na educação, mas na saúde e todos serviços públicos.
Como é a escola que vocês estão construindo?
Queremos uma escola que exerça a democracia participativa. A gente pergunta para os alunos o que eles querem, porque nunca nos foi perguntado. Queremos fazer com que os alunos entendam e percebam – e isso está acontecendo naturalmente nas ocupações – que a escola é deles. Eles pertencem à escola e a escola pertence a eles. A gente passa a ter uma outra relação com a escola pública , com a aprendizagem e o interesse com que aprendemos é muito maior. Então, queremos propor matérias, aulas, oficinas, aulões… [Realizar atividades] que os alunos peçam, que eles sintam falta e achem que vai ter realmente efeito na formação deles. Não só formação pro Enem e para o vestibular.
A demanda por serem escutados no processo de ensino-aprendizagem é uma constante nas ocupações. Por que é importante?
Vemos que quando perguntamos aos alunos o que eles querem e implementamos na prática, tem uma aceitação, uma vontade de querer ir à escola. Semana passada, quando fizemos aula do CEM-SO, alunos que não tinham opinião sobre o movimento – nem a favor, nem contra – chegaram em casa falando que havia sido a melhor aula da vida deles. Teve mãe ligando e agradecendo a gente. E por que foi a melhor aula da vida deles? Porque não ficou ali como um receptáculo de informação sem direito a uma voz. Estava numa aula dinâmica, horizontal , em que ele conseguia interagir. Isso é o que nós pedimos e o que tentamos fazer.
E a reforma do ensino médio?
A MP tem, como muitos projetos, uma capa muito bonita, mas o interior é muito podre. Então, dizem que você vai poder escolher o que quer estudar, priorizar matérias que você tem mais interesse, mas na verdade o acesso [a esses conteúdos] é limitado. As escolas não vão ser obrigadas a oferecer todas opções. Então, posso escolher de tudo, mas não posso, porque minha escola não vai oferecer. Qual a real aplicação disso?
Como tem sido a posição de docentes, direção e a questão da repressão?
Na nossa ocupação, no setor oeste, temos uma repressão injustificável e irresponsável por parte da direção.
Eles têm chamado a polícia?
Pior que isso, porque nós também chamamos a polícia para a nossa própria segurança. Mas o que eles estão fazendo é colocar alunos contra alunos, e isso já foi registrado e denunciado. Toda essa repressão violenta do movimento de desocupação vem de um incentivo constante da direção e até da secretaria, da regional de ensino. Isso coloca em risco os estudantes que deveriam estar sendo protegidos por eles.
Vocês sofreram alguma repressão por parte de jovens organizados pelo Movimento Brasil Livre?
No CEM-SO houve ameaças por redes sociais, falaram em ir com armas de fogo, com armas brancas e ameaças de invasão; às vezes citam estudantes diretamente, todo um trabalho de desestabilização psicológica, mas ao contrário do Estado, que não pode chegar com postura mais agressiva, o MBL pode, pois estão muito protegidos. Em Taguatinga aconteceu.