publicado dia 04/05/2015
Tião Rocha reflete sobre caminhos para uma Pátria Educadora
Reportagem: Da Redação
publicado dia 04/05/2015
Reportagem: Da Redação
Prezado Ministro Roberto Mangabeira Unger,
Tomei conhecimento do seu documento preliminar, refletindo e propondo caminhos na direção de um Brasil, Pátria Educadora. Como o Sr. mesmo sugere e estimula, comentários e outras reflexões são bemvindos. E é exatamente a partir desta provocação que me permito dar meus pitacos e contribuir. Assim espero.
No dia 1 de maio de 2014, ou seja, há exatamente um ano, eu assisti pela TV o pronunciamento da Presidenta da República Dilma Rousseff. Naquela oportunidade ela falava, entre várias coisas, sobre os avanços e os desafios, o pré-sal e, em dado momento, ela afirmou…”precisamos fazer do Brasil, uma Pátria Educadora”. E continuou sua fala.
Tomei um susto. Nunca tive ouvido isto: Pátria Educadora.
Confesso que passei a noite pensando sobre isto: – quem inventou isto? – da onde surgiu esta expressão? E fiquei imaginando que se eu tivesse ouvido isto de um Anísio Teixeira, ou de Paulo Freire, ou Darcy Ribeiro, ou de Rubem Alves, por exemplo, eu diria “estes caras” são do ramo. Genial. Mas não, ouvi isso da boca da Presidenta Dilma Rousseff.
Daí lembrei-me de Guimarães Rosa, meu conterrâneo, que disse e escreveu certa vez : “Minas, patriazinha”. E isto sempre me intrigou. – O que ele queria dizer? – Seria que ele estava falando de um “estado”? não! De um “povo”? não! De um “governo”? também não!
A Minas, patriazinha, de Guimarães deveria ser algo que não se alcança apenas com os olhos ou com as mãos, mas com o coração e com todo o ser. Mas, mais que tentar explicar, percebi com o tempo que Guimarães Rosa falava não apenas de um lugar, mas de um valor, um ideal, uma utopia. – Seria algo semelhante ao sertão (“o sertão é dentro da gente”)? – ou seria ir ao encontro da “terceira margem do rio”? Algo que não ainda não alcançamos e que talvez, no dia que o alcançássemos, veríamos que ele ou ela estará mais além, mais profundo, mais denso, mais humano, mais internalizado em cada um de nós, mineiros.
Passei a acreditar que a “patriazinha” que esconde, que embala, que envolve, que acaricia às muitas Minas seria algo que não se engarrafa, como se pode engarrafar a água do mar, quando você quer é engarrafar o azul das ondas. E passei a buscar no dia a dia este sentido, para todos, para sempre.
Daí vem a Presidenta Dilma Rousseff e diz “Brasil, Pátria Educadora”. – Não estaria falando ela da mesma coisa, só que mais ampliado para o Brasil, o que havia dito Guimarães Rosa para Minas Gerais? – Quero acreditar que sim!
Resultado: nos dias seguintes de maio de 2014, criei uma “fan page” com a nossa bandeira, onde no lugar de “Ordem e Progresso”, tomei a liberdade de colocar “Pátria Educadora”. E desde então, incorporei este valor e este desafio: contribuir para tornar este país, uma Pátria Educadora”.
E quando a Presidenta, ao reassumir o governo, em janeiro de 2015, e no seu discurso de posse enfatiza, quase como uma convocação, que este é o seu projeto de nação e de país que norteará seu mandato nos próximos anos, recebi um montão de emails e mensagens de pessoas me perguntando se teria sido eu quem inventou ou sugeriu isto. Ri muito, mas também percebi que, ao que parece, somente eu ouvi, quase um ano antes, esta mensagem e fiz dela uma causa.
Agora, voltando ao documento que o Sr. apresenta para reflexão, muito bem escrito por sinal, gostaria de dizer-lhe que, antes de entrar no mérito de suas propostas, fiquei assustado, logo de cara, com a chamada: construir uma Pátria Educadora pela “qualificação do ensino básico como obra de construção nacional”.
Há um reducionismo no sentido e um empobrecimento no alcance da ideia original. O que era buscar a “educação” se transformou na sua proposta em buscar a “escolarização”. Não tem futuro nesta proposta, tem presente reformado. E presente reformado se conserva em formol.
E o que mais me desanimou é porque, no momento em que temos, de um lado, uma convocação desta magnitude, como nunca acontecera antes nos mais de 500 anos de existência do Brasil, a proposta da Presidenta Dilma Rousseff de tornar o Brasil uma Pátria Educadora e, de outro lado, e para a nossa alegria, a indicação para ocupar esta missão, à frente do MEC, uma pessoa da capacidade do Professor Renato Janine Ribeiro, para ser o timoneiro nesta travessia, por sua extraordinária capacidade de diálogo, de lógica, de sensibilidade e bom senso, de pensar para além da escola, para além das fôrmas, para além dos modelos tradicionais e ineficazes, e para além dos “mais do mesmo”, seu texto, prezado ministro Roberto Mangabeira Ungler, soou como uma ducha fria, um pé-no-freio, um retrocesso, mais uma proposta reformista e nada transformadora.
Uma das perguntas que faço ao ler e reler seu documento é: – que garantia teremos que a partir desta lógica, de ainda falar em “ensino básico”, de ter algum dia uma Pátria Educadora”? Nenhuma porque não teremos!
Se nós não construirmos uma causa, que mobilize a sociedade, a sociedade não responderá às nossas expectativas. A sociedade brasileira deseja, acima de tudo, educação para suas crianças e seus jovens, mas ela não acredita na escolarização . E não será pela reforma do velho que teremos o novo. Nunca.
E aí está o maior desafio e onde reside o reducionismo da sua proposta. O Sr. quer educação mas pensa escolarização. A sua proposta continua dentro da caixa. Isto não dá samba, só rima e rima pobre, porque educação não é escolarização. – Por que? – Porque faltam “causas”, faltam desafios para nossas escolas assumirem sua função social.
Agora se o Sr. ousar propor que teremos uma Pátria Educadora a partir do dia em que todos nós – governos, sociedade, empresas, etc – todos, sem exceção, assumirem alguns compromissos éticos, tais como:
1- zerar o analfabetismo
2- zerar a fome
3- zerar a degradação ambiental
4- zerar a violência contra criança e contra a mulher
5- zerar a corrupção
Aí sim, teremos nos transformado e por razões éticas, construído os alicerces de uma Pátria Educadora, porque uma Pátria Educadora só acontecerá no dia que formos regidos não pelo 1o setor (Governos), nem 2o setor (Empresas), nem 3o setor (Sociedade), mas pelo Setor Zero. E este é comandado pela Ética!
E que para que isso aconteça nenhuma criança ou jovem – mas é nenhuma mesmo – poderá sair da escola sem ter aprendido tudo o que qualquer criança ou qualquer jovem tem e necessita aprender – no seu tempo e no ritmo – não para atender à economia ou ao dito “mercado”, mas para fazer deste país um lugar melhor, mais justo e mais humanizado, para todos, para sempre!
Depois disto, ministro Roberto Mangabeira Ungler, a sua proposta, devidamente refeita em seus princípios, cairia como uma luva, mas sem a lógica do mercado seletivo e excludente, mas na lógica da cidadania e solidariedade.
Ainda mais um exemplo, agora para sua reflexão e opinião, de como podemos caminhar nesta direção: educação do campo (algo relegado ao terceiro plano nas políticas públicas, uma alegoria e adereço desfigurado, num país que pode ter como samba-enredo, vir a ser o celeiro do mundo na produção de alimentos orgânicos.)
Imagine se todas as escolas rurais, em todo o país e em todos os níveis, tivessem como desafio e como causa, tornarem-se “Centros de Excelência em Educação do Campo e em Desenvolvimento Sustentável”. E se para alcançar este nível de excelência elas deveriam realizar as seguintes dimensões : Formação Humana, Formação Integral, Formação Inclusiva, Formação em Carta da Terra, Formação em Pedagogia da Alternância e Solidariedade e Formação em Permacultura e Bioconstrução.
E, em cada canto deste país, na riqueza de nossa diversidade e capacidade criativa, estes Centros de Excelência teriam todas as cores e todos os sotaques brasileiros. Verdadeiros Centros de Excelência de brasilidade ou seria de “patriazinhas”? O que o Sr. acha que aconteceria? Estaríamos longe ou perto da Pátria Educadora que queremos, que precisamos e que desejamos? Pode cravar no perto, muito perto!
Vou parar por aqui, prezado ministro Roberto Mangabeira Unger. Graças ao seu documento surgiram estas provocações. Tomara que tanto o Sr. quanto Ministro Renato Janine Ribeiro reflitam sobre elas.
Atenciosamente e forte abraço mineiro,
Tião Rocha
Educador
Diretor-presidente do CPCD