publicado dia 27/05/2015

Quando a educação dá lugar à repressão

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No dia 21 de maio, vários alunos do Centro de Ensino Fundamental 05, em Paranoá (DF), foram vistos com os braços para cima. Dessa vez, não tentavam tirar dúvidas ou responder à chamada em sala de aula. Esperavam pelo momento de serem revistados pela equipe do Batalhão Escolar da Polícia Militar do Distrito Federal.

Créditos: Reprodução

Não é a primeira vez que os jovens passam por essa situação, embora a instituição exista apenas desde 10 de março de 2015. O tenente coronel do 1º Batalhão de Policiamento Escolar, Julio César, diz que “por baixo” deve ser a sexta vez que a ação ocorre, “sempre demandada pela direção escolar”, afirma. A justificativa, de acordo com a Secretaria de Educação do Distro Federal (SEDF) é que “há suspeita de que os alunos estejam levando drogas e armas para dentro da escola e cometendo alguns atos de vandalismo dentro da unidade”.

A reportagem procurou a direção da escola, mas não obteve respostas. Já a Secretaria de Educação afirmou que “a Coordenação Regional de Ensino do Paranoá posiciona-se a favor do combate à violência e ao tráfico de drogas dentro da unidade escolar, desde que a ação da polícia dentro da escola não fira os preceitos da Estatuto da Criança e do Adolescente.”

Operação Varredura

A SEDF confirmou à reportagem a parceria com o Batalhão Escolar em um trabalho preventivo, com rondas até as 18h30 e visitas educativas às escolas. A afirmação foi feita por meio de uma nota:

O projeto político pedagógico desenvolvido pela Secretaria predispõe debates que estejam diretamente relacionados aos conteúdos desenvolvidos pelos professores. Violência, drogas, cidadania, direitos humanos são alguns destes.

A SEDF possui parceria com o Batalhão Escolar, que trabalha na prevenção, fazendo rondas até as 18h30 e visitas educativas às escolas. No período noturno, viaturas da Polícia Militar estão presentes nas proximidades das unidades educacionais. (Secretaria de Educação)

A polícia chama a ação realizada na instituição de Operação Varredura. Ela integra, como explica o tenente coronel Julio César, o eixo repressivo da corporação, “só utilizado quando as ações dos eixos preventivo e comunitário não são suficientes”. No eixo preventivo, há a Operação Visibilidade que direciona uma viatura na entrada da escola, com o intuito de proteger os momentos de entrada e saída dos alunos. No eixo comunitário é realizado um momento cívico com a comunidade escolar de hasteamento da bandeira e ofertadas palestras orientativas sobre bullying, cyberbullying e violência.

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No Centro de Ensino Fundamental 05, que atende do 6º ao 9º ano, não foi essa a lógica que prevaleceu. Ainda que pudessem lançar mão do uso de detectores de metais, prática também comum na PM, “lá fomos direto para a operação varredura, pois a situação da escola tornou-se insustentável”, atesta o policial. Na ocasião, os integrantes do Batalhão Escolar entraram em todas as salas de aula e revistaram os pertences dos alunos em busca de drogas e armas. Os momentos foram acompanhados pela direção escolar, como também atesta o tenente coronel.

“Não colocamos as mãos nos alunos, a não ser em casos específicos”, relata o policial. Ele conta que em outra “visita educativa” um estudante foi conduzido à Delegacia da Criança e do Adolescente por ter xingado um dos integrantes do Batalhão, configurando desacato. Há informações de que esse mesmo adolescente apenas teria se negado à revista. Questionado sobre o porquê dos jovens estarem com as mãos à cabeça, o tenente afirma que a atitude veio dos próprios estudantes, “em tom de deboche”.

E reforça: “há relatos dos próprios diretores sobre o clima mais tranquilo na escola após as ações, e que essa tranquilidade é fundamental para a instituição”.

Conduta inconstitucional

Na leitura do advogado do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, a atitude da polícia, em parceria com a escola, fere um princípio constitucional, uma vez que retira o direito da presunção de inocência. “Ninguém pode ser culpado exceto depois de um processo que evidencie a culpa”, assegura. Ele ainda coloca que as revistas pessoais, além de constrangedoras, só podem ocorrer mediante uma justificativa e não de maneira aleatória. “Elas devem partir de uma suspeita fundada ou de indícios que demonstrem tal necessidade, e não assumir que todos jovens devem ser tratados como autores de crimes ou suspeitos”, critica.

Ele é categórico ao afirmar que “crianças e adolescentes vão às escolas para serem educados e não constrangidos ou vítimas de abusos”. Segundo sua análise, o caso pode se enquadrar como abuso de autoridade por parte da polícia, conforme previsto na Lei 4.898. No caso da escola estar ordenando as visitas, também pode responder pelo crime de submeter crianças e adolescentes a situações de vexame e constrangimento, conforme previsto no artigo 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Também é problemático, na visão de Ariel, o apoio do Ministério Público à ação, uma vez que seu papel é o de fiscalizar a lei e o cumprimento da legislação. O apoio à violação de direitos fundamentais é, a seu ver, um claro desvio de funções por parte da instância. “O Ministério tem que fiscalizar a polícia e não dar apoio a ações aparentemente abusivas de órgãos policiais”, reitera.

Ele ainda questiona a conduta da PM no caso do estudante que foi direcionado à delegacia por não permitir que os policiais o revistassem. “Ninguém é obrigado a fazer nada que é abusivo. Se não há indícios, ele não é obrigado a aceitar as revistas constrangedoras”.

Ariel entende ser fundamental a atuação do Conselho Tutelar local e do próprio Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, além da Corregedoria do Ministério Público, para avaliar as condutas e entender os encaminhamentos necessários ao caso.

Mediar ao invés de punir

De acordo com a coordenadora do Núcleo de Trabalhos Comunitários da PUC-SP, Maria Stela Santos Graciani, o episódio é o inverso do que deveria ter acontecido. A seu ver, tal ação – “altamente violenta” – não traz nenhuma aprendizagem, tampouco algum tipo de conscientização por parte dos alunos vitimados. Para além da ação policial, igualmente equivocada é a atuação da direção escolar que não prevê em seu planejamento político pedagógico formas de dialogar com as situações conflituosas presentes na instituição. Para a especialista, é incabível a ação em um contexto de desenvolvimento integral de crianças e adolescentes.

No entanto, mais do que um caso isolado, o episódio reforça uma falta de expertise geral da escola em mediar as relações, sobretudo em casos de conflito. Em sua análise, o que prevalece é a lógica do adulto de castigar e punir as crianças, ainda que o diálogo se faça cada vez mais importante no mundo contemporâneo. “Ela [a mediação] ocupa uma categoria sócio cultural profissional muito importante para o professor, o merendeiro, o policial para que seja possível discutir, debater o conflito e checar a visão das partes”, atesta.

Em seu entendimento, essa condição deve estar amparada nos diversos processos de gestão democrática e também na formação de professores, de modo a orientá-los para a convivência humana que está para além da sala de aula, do acadêmico, e também sob sua incumbência. A não instituição de processos democráticos e participativos faz com os conflitos sejam conduzidos com castigos, como ocorreu no Distrito Federal.

Stela atesta que para a condição dialógica necessária no contexto escolar, torna-se fundamental uma articulação com as famílias. “E não estou dizendo das reuniões semestrais em que se apresentam notas dos estudantes e se contam as próximas ações. Estou falando de uma convivência educacional para que ambas [famílias e escolas] possam estabelecer trocas e quebrarem paradigmas”, coloca reforçando a necessidade da escola entender da organização familiar e vice-versa.

Sem isso, perpetuam-se as ausências, como explica: “não se tem relações afetivas, nas quais se impera a amizade, mas uma relação de forças, onde pode mais quem é mais valente. Precisamos urgentemente refazer, reelaborar e redimensionar a relação com as crianças, professores, comunidade escolar e famílias”, conclui.

Ariel reforça o pensamento da educadora: “a relação educacional deve ter como base a confiança. A partir do momento que uma escola não confia nos seus estudantes, não se pode chamá-la espaço educacional. Isso só reforça a falência do ensino público no Brasil”, conclui.

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