publicado dia 26/09/2013
Para especialistas, é preciso compreender as estruturas de “escola” e “cidade” como construções sociais
Reportagem: Julia Dietrich
publicado dia 26/09/2013
Reportagem: Julia Dietrich
“Os ministérios e secretarias de educação deveriam se chamar ministérios e secretarias escolares”, apresentou Ramón Moncada Cardona, diretor da organização Conciudadania, de Medelim, na Colômbia, na mesa “Escolas, Territórios, Cidades Sustentáveis” do IV Seminário Internacional do Teias de Cidadania, que acontece desde quarta-feira (24/9) em Belo Horizonte (MG).
Em sua provocação, Moncada buscou problematizar que a educação de crianças e jovens necessariamente se dá para além dos caminhos das instituições que coordenam a escolarização. Para ele, o ato de educar necessariamente é fruto de uma correlação e integração dos mais diferentes atores sociais, tanto da gestão pública, quanto da própria comunidade.
Para a arquiteta especialista em educação integral e coordenadora do Cenários Pedagógicos, Beatriz Goulart, que também proferiu palestra na discussão, é preciso desnaturalizar a ideia de que a cidade e a escola. “Temos que compreender que tanto as cidades, quanto as escolas – nos seus mais variados formatos -, são construções sociais, modeladas e gerenciadas por nós”, justificou.
Para os especialistas, a discussão da educação deve necessariamente extrapolar os muros da escola e conceber toda a cidade como um grande, complexo e diverso espaço educativo. “Contudo, precisamos ampliar nosso horizonte pedagógico e referencial para assumir essas outras oportunidades como necessárias e constituintes do processo pedagógico”, explicou Moncada. Para o diretor colombiano, a escola foi estruturada de forma a impedir a cidade como um espaço educativo. “Como podemos pensar essa conexão se nossos professores respondem a disciplinas segmentadas, a uma jornada escolar que tem uma duração específica, se as portas das escolas são fechadas e se aquilo que acontece na cidade não é conteúdo a ser discutido pelas crianças e adolescentes”, perguntou.
Para Goulart, aquilo preconizado pela Educação Integral de que a escola deve ser uma ponte com a comunidade é um grande desafio. “A escola está mais para um beco sem saída do que para uma ponte. Historicamente ela nasceu para nos ‘proteger’ do mundo de fora”, explicou.
Segundo Moncada, a decisão de abrir ou fechar a escola é uma decisão política, que responde ao projeto de sociedade que se deseja construir. “Falta discutirmos todos os propósitos superiores da educação, do que desejamos como sociedade que seja ensinado e aprendido”, pontuou, ressaltando que a lógica da maior parte das sociedades atuais é responder que devemos ensinar e aprender para o vestibular, para o Enem ou para responder os indicadores dos exames internacionais.
Para os especialistas a decisão é, além de sumariamente política, um processo contínuo de transformação da mentalidade e da cultura social. “Estamos falando de nos perguntar o porquê, o quem, o onde, o quando, o o quê e o como aprender na cidade e não mais na escola. E, sem dúvida, acredito que isso não é pensar ferramentas tecnológicas e sim uma concepção de que aprendemos continuamente, ao longo da vida e em todos os lugares”, disse Moncada.
Para Moncada, na cidade nós aprendemos a conviver, mas também a sermos indivíduos, a nos conhecermos; a compreender normas e valores culturais; a entender e organizar em nossas vidas as normas jurídicas e as regras coletivas; a reconhecer e interferir na estética e ordem simbólica e cultural da cidade; as ações funcionais e tecnológicas da vida urbana ou rural para a vida na comunidade; os ofícios, as profissões, disciplinas e outras atividades sociais e produtivas; e a entender o papel e os funcionamentos de uma gestão efetivamente pública.
Relembrando o educador pernambucano Paulo Freire, Moncada salientou que essa convivência, na diversidade do território, tem que ter como finalidade superior um ato de amorosidade com a cidade, criando relações de pertencimento à comunidade, à vida coletiva. “A leitura de mundo de que falava Freire não é um ato acadêmico, é um ato ético e de responsabilidade com a transformação da realidade em diálogo com a transformação da cidade”, pontuou.
Participação e co-criação
Para Goulart, que desenvolveu inúmeras experiências de pensar o espaço escolar integrado à comunidade, a chave desta integração está na construção participativa do que se deseja como comunidade escolar. “No início, eu chegava com os processos prontos, sempre em uma perspectiva participativa, mas com o tempo, comecei a perguntar para a comunidade quais perguntas eles gostariam que eu fizesse para que juntos desenvolvêssemos o projeto daquela escola, ou daquele espaço público”, narrou.
O urbanismo em Medelim
Nos últimos governos de Medelim, a gestão pública desenvolveu uma série de estratégias para reestruturar o espaço urbano para integrar a parcela da sociedade que historicamente estava marginalizada e excluída. Entre as ações, que compunham um plano e agenda de urbanismo social, foram criados parques-bibliotecas, escolas com arquiteturas diferenciadas abertas às suas comunidades e iniciativas de mobilidade que garantiram maior acesso das periferias e morros (similares às favelas cariocas) ao centro da cidade.
Em sua experiência, a arquiteta também começou a deixar nas escolas registros dos processos da construção participativa, fomentando que no lugar de uma construção naturalizada, as comunidades que lá passem a conviver compreendam o porquê de cada decisão. “Precisamos garantir essa continuidade, incentivando essa memória coletiva”, explicou.
Para Moncada, em suas vivências nas estratégias de transformação da realidade social de Medelim, a participação ainda se mostra um desafio. “Somos ensinados a não participar e a escola de educação integral tem que mudar essa realidade, tem que incentivar e encorajar os processos de decisão democráticos em todas suas instâncias, transformando o imaginário e a cultura social da população para uma lógica de plena participação”, concluiu.