publicado dia 04/08/2016

Escolas mostram como a Educação Física pode ser inclusiva e abraçar a diversidade

Reportagem:

Etiqueta Olimpíadas_final 2Durante uma aula de Educação Física, dezesseis estudantes sentam em roda e chacoalham um pano para cima e para baixo, sem parar. Pelo tecido, demarcado com fitas nas duas extremidades, simulando as traves de um gol, uma bola desliza para lá e para cá, demonstrando a ansiedade das equipes por inaugurar o marcador.

A atividade futebol de pano hoje integra as aulas de Educação Física do professor Antônio Carlos Fernandes de Souza, na Escola Municipal Floriano Peixoto, localizada em São Cristóvão, Rio de Janeiro.

A modalidade é uma entre um leque de possibilidades. Também são realizados vôlei sentado, corda amiga, slackline inclusivo (ver vídeo abaixo), jogo de passes, pique sensorial, corrida sensitiva. Tudo isso para que a disciplina seja trabalhada numa perspectiva inclusiva e atenda às necessidades dos 15 estudantes com deficiência da instituição.

A mudança nas aulas começaram em 2015 quando a escola realizou um diagnóstico integrado entre a equipe escolar e a comunidade para reconhecer os problemas e limitações e, a partir deles, criar soluções para que a unidade efetivasse práticas inclusivas na Educação Física e buscasse uma troca com o Atendimento Educacional Especializado (AEE), que a escola já possuía.

A proposta veio do projeto Portas Abertas para a Inclusão, realizado desde 2013 pelo Instituto Rodrigo Mendes, a Fundação FC Barcelona (FCB) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).  Em sua terceira edição este ano, a iniciativa já impactou 259 escolas, 782 educadores e 59 mil estudantes.

Método

O projeto oferece uma formação semipresencial aos educadores das escolas participantes. Geralmente são convidados o gestor, o professor de Educação Física e o profissional do AEE. Com base nos estudos realizados, as unidades fazem diagnósticos locais e propõem um plano de ações para qualificar o atendimento dos estudantes com deficiência.

O professor Antônio reconhece que a formação foi essencial para reorientar o trabalho pedagógico. “Nós já tínhamos as ações inclusivas, mas não tínhamos consciência sobre essas ações, foi importante para refletir sobre o porquê nós a fazíamos. Hoje quando vamos propor uma atividade avaliamos se ela atende a todos, pois os alunos são diferentes e precisamos contemplar a especifidade de cada um”, avalia.

Para além de colaborar com as práticas pedagógicas, Rodrigo Mendes, diretor do instituto que leva o seu nome, entende que a iniciativa “por um lado, reúne fortemente as secretarias de educação – que ampliam o seu repertório sobre o tema e a capacidade de oferecer soluções no campo da política pública – e também impacta a comunidade escolar, envolvendo familiares e representantes do entorno em uma série de ações que agregam uma consciência maior do direito à educação da pessoa com deficiência e ampliam a possibilidade do controle social”, avalia.

Outra realidade

Na EMEF Professora Rosângela Rodrigues Vieira, equipamento do CEU Quinta do Sol, em São Paulo, o projeto Portas Abertas para a Inclusão também fez frente à resistência de alguns professores de Educação Física que não sabiam como incluir os estudantes com deficiência nas atividades. Antes da iniciativa, era comum que esses alunos ficassem em sala sob supervisão de uma estagiária, enquanto os demais iam à quadra.

Com a formação, a escola toda foi reformada e ganhou piso tátil, barras de segurança e alguns recursos tais como bolas com guizo. Também foi proposta uma maior integração com o CEU com a proposta de algumas agendas e atividades planejadas em conjunto. Na escola, a mudança foi significativa, como observa a coordenadora pedagógica Olesia Patricia Gianella.

“Agora eu percebo que as nossas atividades são muito mais direcionadas para a brincadeira do que para a competição, o currículo se voltou mais para ações cooperativas do que competitivas”, reconhece.

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A professora Marcela Mota Sassi em atividade com as crianças. Créditos: divulgação

A professora de Educação Física, Marcela Mota Sassi, destaca que isso fez parte de um movimento de ressignificar as atividades. “O mais importante é decidir no coletivo, de maneira democrática. A decisão de como fazer a atividade para todos não é minha, não é algo que vem pronto, é necessário construir com eles. E se não der certo, a gente revisita, envolve a coordenação, os professores”, observa.

Sobre o desenvolvimento das práticas, ela diz não encarar dificuldades. “Eu não fico muito tempo planejando, pensando, porque quando eu falo sobre brincar, o que impera é a vontade de estar no espaço, de compartilhar com outra criança e isso supera qualquer deficiência”, entende.

A coordenadora da unidade também fala de conhecimentos adquiridos pela equipe escolar. “A formação abordou muita coisa sobre legislação, e uma das coisas que aprendemos é que temos uma verba disponível para acessibilidade e agora podemos pedi-la junto à direção escolar”, coloca.

Sobre o educar para a inclusão

Rodrigo Mendes elenca um conjunto de fatores que precisam de atenção para que de fato a inclusão se efetive nas escolas. “A formação dos profissionais, por exemplo, deve ser pensada para além do professor e também considerar os gestores escolares, as equipes das secretarias e os profissionais do AEE”, reforça. Em segundo, ele cita a importância do investimento na questão da acessibilidade que inclui a questão arquitetônica dos espaços, mas também a aquisição de materiais didáticos, e pensar a questão do transporte.

“É fundamental  que a equipe pedagógica dedique seu esforço e sua energia para identificar e eliminar as barreiras de diversas naturezas que estão presentes nos ambientes de aprendizagem e que prejudicam ou impedem que os estudantes acessem os conteúdos abordados no processo de ensino-aprendizagem. A partir disso, os educadores devem criar estratégias pedagógicas que dialoguem com a realidade de cada criança”, reforça.

Isso tem a ver com a composição de um olhar integral na visão da ex-atleta e presidente do Instituto Esporte & Educação, Ana Moser. “Para trabalhar esporte com crianças, por exemplo em uma sala com 30 alunos, é preciso olhar para toda essa diversidade – para as meninas, os meninos, os gordos, os magros, os líderes, os tímidos, os bem nutridos, os mal nutridos – e contemplá-la; além disso, é preciso mudar o referencial, visto que as modalidades que vemos na TV são para adultos mais habilidosos e, se transferidas para as crianças, seria uma forma de trabalhar somente com as que mais se destacam”, analisa.

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A seu ver, o esporte educacional deve ter como princípio a inclusão pela diversidade e deve ser construído coletivamente para que consiga desenvolver habilidades nos diferentes, tornando-os autônomos. É o caso dos jogos, metodologia defendida por Ana Moser.

“É possível construir as regras no coletivo e fazer com que os envolvidos pensem em formas dos mais habilidosos ou menos habilidosos terem sucesso, e da mesma forma com as crianças com deficiência. Claro que essa não é a referência que temos no esporte de alto rendimento e vai muito capacidade do professor de vislumbrar essa oportunidade e valorizá-la. Não tem uma grande dificuldade, é preciso enxergar a criança”, finaliza.

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