publicado dia 23/12/2015
Como será o cenário da educação integral em 2016?
Reportagem: Da Redação
publicado dia 23/12/2015
Reportagem: Da Redação
Nos últimos anos, a agenda da educação integral avançou no país e conquistou espaço no debate político. O programa Mais Educação chegou a quase 60 mil escolas em 2015 e diversas políticas estaduais e municipais foram estruturadas. Relatório da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado aponta que 8,3 milhões de jovens e crianças estudam em escolas de educação integral.
Apesar dos inúmeros avanços e do crescimento da pauta, a crise financeira e o ajuste fiscal atingiram diretamente a área, reduzindo gastos e atrasando o pagamento das verbas do Mais Educação. Em 2016, a tesoura deve ser ainda mais pesada para o Ministério da Educação (MEC), como afirmou o ex-ministro, Renato Janine Ribeiro, em entrevista exclusiva.
Nesse cenário de ajuste, como fica a luta por uma educação pública que contemple o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes?
O Centro de Referências em Educação Integral ouviu sete especialistas para saber como elas avaliam o ano de 2015 e quais perspectivas possuem em relação a 2016. Confira os depoimentos.
Ao longo de 2016 vamos enfrentar duas questões duras, mas boas e importantes. A primeira é orçamentária. Mas é preciso apontar que existe educação integral ainda que sem os recursos do Mais Educação, pois uma coisa não está tão intimamente ligada à outra. O segundo ponto é relativo às eleições municipais, já que esses debates locais são muito interessantes. Penso que a educação integral em 2016 tem um clima promissor.
Não estou dizendo que é bom não ter dinheiro, mas o interessante é mostrar a possibilidade de se fazer educação integral sem o Mais Educação. Não é bom que os cortes tenham acontecido, mas já que ocorreram, criam uma situação desafiadora que é boa para quem trabalha com educação integral. Não podemos perder a oportunidade em 2015 de discutir o tema com os candidatos; colocar essa pauta na discussão das campanhas a prefeitos é muito estratégico”.
Espero que em 2016 a gente consiga trabalhar com as metas do Plano Nacional de Educação (PNE). Precisamos seguir adiante para conseguir atingir as metas e, para isso, o financiamento é fundamental em um ano que, ao que tudo indica, será ainda mais restritivo que 2015.
Além da dificuldade de avançar em políticas de educação integral sem os recursos para tal, podemos enfrentar um problema extra que é o de manter as políticas que já estão sendo aplicadas nas escolas e redes, isso porque o atraso ou falta de recursos pode diminuir a força e o impacto de projetos. As eleições municipais tornam a conjuntura ainda mais difícil. Em 2016, lutaremos muito pela questão orçamentária, pela ampliação e manutenção dos programas de educação integral que já foram feitos”.
O ano de 2016 começa com gosto de ressaca, pois no curto prazo toda a agenda educacional está desafiada pelos cortes. Programas como o Mais Educação e uma série de outras inciativas estão sofrendo e continuarão sofrendo com a redução de verbas. Existe uma pressão sobre a execução do Plano Nacional de Educação (PNE), que andou muito pouco. O cenário político e econômico deve penalizar a educação integral.
Em termos de pressão, 2016 será um ano de pedirmos mais recursos, mais estrutura e articulação para políticas de educação integral. Em termos de concepção – como desdobramento a médio prazo – existem avanços. Em alguns pontos da Base Nacional Comum existe a concepção de ser humano integral, mas ainda não sabemos como ficará o texto final. É muito importante essa ideia porque a partir dela é possível repensar toda a educação.
Além da questão da Base, acho que as ocupações das escolas em São Paulo cutucaram uma agenda que parecia ser de especialistas. Existe agora a voz dos alunos – com apoio dos pais e de um grupo de intelectuais – que não era um setor que se fazia ouvir e que está afinada com a educação integral. Temos novas vozes e muito alinhadas com essa concepção e isso amplia a capacidade de circular e a adesão de uma parcela maior da sociedade a uma visão de educação integral“.
A grande expectativa é que a gente consiga incorporar a educação integral à Base Nacional Comum, ou seja, que as capacidades associadas ao desenvolvimento integral qualifiquem não apenas as escolas com jornada estendida, mas também as instituições regulares. Com essas capacidades entrando na Base, as escolas serão convocadas a extrapolar o universo dos componentes curriculares tradicionais e promover o desenvolvimento integral de seus alunos. Em tempos de crise econômica e política, é preciso que asseguremos que as conquistas da educação integral não se percam.
Também há o desafio de que consigamos utilizar a criatividade para implementar programas de educação integral nas redes públicas, usando os ativos que as escolas e o seu entorno podem oferecer. Os cortes orçamentários não podem ser um impedimento, mas um estímulo para a conexão entre os espaços e atores do território.
A partir do movimento de ocupação das escolas pudemos observar que os alunos estão muito conectados com essa visão de educação integral, que não dizem só de atividades mais ricas e diversificadas, mas também de desenvolver outras capacidades, trabalhar outros temas. Tomara que a gente possa escutar a voz dos alunos e dar a eles a educação de qualidade que eles pedem”.
“É o momento de aproveitar a crise para criar algo novo, porque realmente ela é bem profunda. Vejo com bons olhos, por exemplo, a aparição de alguns sujeitos da escola, caso dos estudantes que ocuparam as escolas em São Paulo. Por outro lado, temos que lidar com as ausências que estão muito fortes, e temos que pensar nisso, que são os professores. Esse movimento não tem volta, mas o que ficou evidente é que o trabalho de desinformação foi bem feito, os estudantes muitas vezes desconhecem as políticas públicas, a legislação, o próprio movimento escolar – de onde vem o currículo, quem o define. O fato deles cozinharem, lavarem banheiro, cortarem grama, faz com que eles cheguem, por dentro da escola, perto das políticas de educação e isso é muito rico. Mas acho que temos que dar um segundo passo – que não pode ser tutelado – mas cocriar um movimento de pensar junto a escola, tanto quem está dentro, como quem está de fora e levar a pauta da educação integral.
Acho que é ela quem dá conta da gestão democrática, do cuidado com a escola, da sustentabilidade, das comidas, dos espaços, dos orçamentos… O desafio para o ano que vem é pensar como é que a gente não perde essa conquista cotidiana e também como a gente a amplia, ou seja, como colocamos mais gente nessa roda, cada um com o seu papel”.
A gente tem um desafio econômico grande no ano que vem, devido à previsão da redução de recursos, mas acho que, por outro lado, é uma grande oportunidade para a educação integral. Ela propõe, primeiro, uma outra concepção de escola e de educação que não é necessariamente a ampliação do tempo e de recursos, mas uma outra forma de geri-los e de pensar os espaços e currículo dentro da escola.
Acho que temos uma grande oportunidade. Quando começamos a trabalhar com a educação integral, trabalhávamos muito com a ideia de otimização de recursos, de articulação de diferentes programas e agentes para dar conta dessa diversificação da oferta educativa, a partir de uma matriz de articulação intersetorial. Acho que em um cenário de crise econômica, é a grande oportunidade de mostrar essa potência da educação integral. Claro que há necessidade de investimento ao longo do tempo, mas já existem formas mais do que comprovadas de otimizar e gerir os recursos já disponíveis de uma forma inovadora e criativa e que tornem de fato a educação integral uma realidade.
É possível, a partir da escola que se tem, dos recursos que estão colocados, fazer uma outra educação e acho que é isso que vamos ter que trabalhar o ano que vem”.
O cenário está bastante interessante porque o Brasil vem numa trajetória de aprofundamento dessa reflexão sobre educação integral. O Mais Educação vem nesse processo de indução, envolvendo mais escolas, mais municípios e está no Plano Nacional de Educação (PNE). Então, o cenário para educação integral é positivo no sentido de que a agenda está posta, tanto que o Senado e a Câmara discutiram o tema ao longo do ano. A grande questão para 2016 é o financiamento. Também existe um movimento na Câmara dos Deputados de em torno da Desvinculação de Receitas da União (DRU), o que impacta muito numa perspectiva de repasse de verbas para educação e saúde. Mas apesar da preocupação em relação ao financiamento para o ano que vem, do ponto de vista da construção da política, estamos numa crescente e a tendência é continuar nessa trajetória”.
Por Ana Luiza Basilio e Caio Zinet