publicado dia 05/08/2016

Como devem ser os espaços escolares voltados para a Educação Física?

Reportagem:

Etiqueta Olimpíadas_final 2A Escola Municipal Vicentina Campos Lopes Marinho, localizada no bairro Parque Dois Irmãos, região periférica de Fortaleza (CE), teve de buscar alternativas para as aulas de Educação Física. Sem quadra poliesportiva, a unidade passou a promover as atividades no território, em um campo e praça da região.

Também teve que adotar medidas para que todos estudantes pudessem participar – a escola atende 437 crianças e adolescentes no Ensino Fundamental II, dois quais nove têm algum tipo de deficiência.

O projeto de educação inclusiva contemplou inicialmente uma turma do 6º ano, onde estuda um jovem de 15 anos com paralisia cerebral que se locomove por cadeira de rodas. A proposta se desenrolou a partir de alguns combinados entre os professores e alunos: caso as aulas acontecessem no campinho, mais próximo, a turma se responsabilizaria por levá-lo; se fossem à praça, mais distante, o professor o conduziria de carro.

Etapas do projeto

As atividades na escola Escola Municipal Vicentina Campos Lopes Marinho partiram de três etapas: sensibilização, oficinas de confecção de brinquedos e prática de brincadeiras inclusivas. Em relato na plataforma Diversa, os profissionais que conduziram o projeto dão mais detalhes de sua execução.

Essa realidade, no entanto, não é algo raro. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), 35% das escolas públicas de Educação Básica no país (50.807 unidades) não possuem quadra poliesportiva; 15% possuem quadras descobertas (21.617 escolas) e 30% dizem possuir quadras cobertas e descobertas (45.567 unidades).

O docente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Marcelo Matos, entende que tal realidade faz com que seja bastante comum que os professores tenham de rever seus planejamentos, na tentativa de compensar essas ausências, o que acaba por prejudicar as aulas de Educação Física.

“É comum ver professores criando espaços onde não cabem nem 15 alunos para contornar essas dificuldades”, coloca o professor, reforçando a necessidade de que as escolas possuam um espaço adequado para a prática das atividades e ainda fazendo menção à superação de algumas hierarquias escolares”. Talvez a Educação Física seja a única disciplina a esbarrar nisso, porque dentro da hierarquia das disciplinas, ela está em última”, aponta.

Espaços também são currículo

Matos reforça que os espaços escolares também são componentes curriculares. Para além da sala de aula, ele entende que locais como quadra, pátio, cantina, banheiro e vestiário compõem o chamado “currículo oculto” e devem ser valorizados. “Eles fazem parte do dia a dia dos estudantes e podem contribuir para que se estabeleça uma relação de pertencimento com a escola”, defende.

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O professor ainda destaca a importância do ambiente dentro da proposta pedagógica da escola. “Quando se pensa um currículo, tradicional ou de vanguarda, estabelece-se uma relação com esses espaços, mesmo que de maneira não consciente”.

Portanto, as escolhas de ter ou não quadra coberta, estar somente na sala de aula ou possibilitar idas constantes ao pátio, jardins ou até mesmo a locais do entorno dizem de uma intencionalidade pedagógica da instituição.

Ele defende que mesmo que as escolas não disponham de quadras ou espaços adequados, busquem alternativas no espaço público, como uso de praças, ou até mesmo parcerias com clubes ou universidades. “Acho que torná-los uma extensão da escola é uma maneira de fazer com os que os estudantes reconheçam e valorizem o território e também com que professores pensem propostas mais interdisciplinares, para além dos muros da instituição”, avalia.

Para Marcelo, as políticas públicas deveriam agir nesse sentido. “Por que não dar incentivos fiscais a espaços que fizessem parcerias com essas escolas? Temos unidades em terrenos tombados nas quais não é possível construir quadras… Acho que o dever do Estado é propor soluções. O que faríamos se um professor de Matemática não tivesse seu espaço para lecionar?”, critica.

Liberdade corporal

O grande diferencial da Educação Física, na visão do educador, é proporcionar a liberdade corporal aos estudantes. “Seja na quadra ou em qualquer outro espaço, é possível romper com a lógica engessada dos estudantes ficarem olhando para a nuca do outro. Na quadra, eles são o que são; a Educação Física não só percebe essa necessidade, como a atende”, avalia.

Ciente de que os espaços nem sempre são os mais adequados, Marcelo aposta na intervenção docente como uma das soluções. “É preciso ter clareza que essa não é a única possibilidade de exploração pedagógica. Abrir para o debate com os estudantes é sempre uma boa saída para propor saídas e não impactar a qualidade pedagógica”, observa.

Pontos de atenção

Por fim, pensar os espaços para a Educação Física requer alguns cuidados. O mais comum nesses casos é a oferta de uma quadra poliesportiva com as marcações dos esportes mais tradicionais, como futebol, vôlei ou basquete. Para Marcelo, essa escolha deve ser problematizada. “Primeiro, a concepção de que a disciplina é sinônimo desses esportes. Depois, a falsa ideia de que todos os alunos vão se apropriar daquele espaço que, dessa forma, só reproduz marcações pensadas para adultos”, aponta.

Para o docente, isso é discutível até com as pessoas mais velhas, uma vez que “ninguém é obrigado a jogar com marcações oficiais, caso não integre equipes de alto rendimento”, entende.

shutterstock_8754733Em sua análise, é fundamental que a área possibilite a adaptação das modalidades esportivas, além de um diálogo constante com outras práticas lúdicas e que promovam um resgate cultural. “E por cultura quero dizer qualquer expressão que você carregue consigo ao longo da vida, ou tenha construído em contato com a família, a sociedade, a escola, todos os espaços pelos quais transita”, conceitua.

O docente cita que na Educação Infantil, por exemplo, a quadra poliesportiva não é obrigatória. No entanto, defende a existência de um pátio que permita exercitar algumas habilidades compatíveis com cada momento do desenvolvimento.

“É possível propor atividades como passar por um obstáculo, rastejar, dar uma cambalhota; no Fundamental, o uso dos espaços pode vir ancorado em outras conceituações, como apresentação de regras mais específicas, de vitória e derrota, estratégias para se alcançar o objetivo do jogo e os fundamentos técnicos dos esportes; no médio, pode-se somar às práticas algumas problematizações, tais como, esporte e saúde, o perigo do uso de anabolizantes, percepção do próprio corpo, valorização e reconhecimento do outro, mesmo que adversário, entre outras possibilidades”, finaliza.

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