O bairro-escola, desenvolvido desde 1997 pela Cidade Escola Aprendiz, originalmente em São Paulo, é uma proposta de aprendizagem compartilhada que articula e aproxima escolas, comunidades, organizações sociais, empresas e poder público, com o objetivo de promover condições para o desenvolvimento integral de indivíduos e territórios, com especial atenção às crianças, adolescentes e jovens.
Nessa perspectiva, entende-se o ensino-aprendizagem como um processo contínuo, que acontece em todos os espaços e tempos ao longo de toda a vida. Assim, nos processos educativos alinhados aos princípios do bairro-escola, valoriza-se tanto a história e a cultura local, como a abertura e manutenção de espaços para a inovação permanente. Promove-se o desenvolvimento da autonomia e o cuidado com o outro e com o meio, em relações democráticas conscientes da interdependência entre todos.
De modo geral, é possível compreender “um bairro-escola” a partir de quatro elementos, complementares e profundamente relacionados entre si:
1. Escolas Articuladoras que desenvolvem seus processos de ensino-aprendizagem e seus projetos político-pedagógicos articulando a família e a comunidade.
2. Rede Intersetorial que promove permanentemente a integração das políticas públicas aos territórios e a formação de redes de proteção social entre agentes da educação, saúde, desenvolvimento social e direitos humanos.
3. Fóruns Públicos que viabilizam espaços democráticos de participação política da comunidade, incluindo a participação direta de crianças, adolescentes e jovens.
4. Diversidade Educativa, garantida pelo manejo e articulação de oportunidades educativas promovidas por diferentes agentes: organizações sociais, empresas, poder público e indivíduos.
Assim, o bairro-escola compreende as escolas, a comunidade e a gestão pública como eixos estruturantes de processos voltados para o desenvolvimento humano e social por meio da educação.
O bairro-escola e a reorganização da comunidade
O bairro-escola coloca em movimento um trabalho em rede que tem como foco o enfrentamento de dois principais problemas: a desarticulação entre instituições, equipamentos, serviços e espaços voltados para as crianças, adolescentes e jovens e o baixo nível de acesso desta população aos recursos educativos e culturais existentes na cidade.
A desarticulação das políticas é o que limita o efetivo aproveitamento da cidade nos processos educativos. Uma proposta voltada para superar esta limitação transforma tanto a cidade quanto a escola, a instituição social que, via de regra, centraliza os processos educativos.
Paralelamente, os marcos legais brasileiros sustentam que as escolas tenham autonomia para conceber e elaborar seus projetos político-pedagógicos, levando em consideração a cultura dos estudantes, de suas famílias e da comunidade local. No entanto, em função de razões históricas, culturais e estruturais, a escola tem grande dificuldade de se organizar nesse sentido.
Nesse contexto, o bairro-escola vem fortalecer a prática pedagógica das escolas articulando-as às suas redes socioeducativas, conferindo novos sentidos ao processo de aprendizagem e promovendo as condições para o desenvolvimento integral de crianças e jovens. Assim, a escola deixa de ser uma entidade fechada em seus próprios objetivos para se tornar a catalisadora do conhecimento do lugar, envolvendo estudantes, educadores e comunidade em permanente processo de pesquisa sobre as origens, relações e questões do bairro onde se insere.
Nos últimos anos, a experiência do bairro-escola tem subsidiado fortemente as políticas de educação integral no Brasil. Com base nela, cidades como Nova Iguaçu e Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro, Belo Horizonte (MG), Recife (PE), e Sorocaba e Barueri, em São Paulo, entre várias outras, criaram programas tendo como eixo principal a articulação das escolas com as comunidades, com a ampliação e diversificação dos atores, tempos e espaços educativos da cidade.
Estas políticas municipais foram referência para a formulação do programa Mais Educação do Ministério da Educação. O programa, criado em 2007, viabiliza nas escolas públicas, que a ele aderem por opção, recursos para estruturar projetos que incluem atores e espaços das comunidades nas áreas de acompanhamento pedagógico, meio ambiente, esporte e lazer, direitos humanos, cultura e artes, cultura digital, prevenção e promoção da saúde, educomunicação, educação científica e educação econômica.
De modo a fortalecer a autonomia das escolas, sua operacionalização é feita por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Tendo nascido na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC), o programa migrou, em 2011, para a Diretoria de Concepções e Orientações Curriculares para Educação Básica, indicando que de uma modalidade, a educação integral está se tornando um novo paradigma.
Além do Mais Educação e dos programas municipais citados, o bairro-escola inspira outras políticas, como o professor comunitário, articulador das escolas com os diferentes tempos, espaços e agentes educativos das comunidades; a integração de escolas regulares com escolas técnicas, a ampliação das jornadas escolares em uma nova estrutura, e o fomento a processos de integração territorial dos programas voltados para a melhoria da qualidade de vida de crianças e adolescentes.
Dessa forma, o bairro-escola compreende as escolas, a gestão publica e o desenvolvimento comunitário como focos estratégicos de sua intervenção do bairro-escola, buscando como resultados:
#1. A democratização da escola
– gestão escolar centrada na participação de estudantes, pais, professores, funcionários e comunidade em todos os níveis de decisão;
– construção coletiva do Projeto Politico Pedagógico como elemento norteador do trabalho da escola à medida que traduz os interesses da comunidade escolar;
– efetivação do acesso da comunidade escolar aos recursos públicos disponíveis no âmbito federal, estadual e municipal a partir do mapeamento e qualificação dos gestores para adesão aos programas e administração dos recursos;
– inserção da escola na vida comunitária, constituindo-se como equipamento público não apenas educacional stricto sensu, mas cultural e social, reconhecido pelos estudantes, famílias e demais agentes locais como uma referencia da rede social local;
– articulação dos gestores e professores da escola aos demais agentes públicos que atuam no território, na perspectiva de desenvolvimento de planos de ação específicos para o enfrentamento de desafios ao desenvolvimento integral das crianças e jovens da comunidade;
– efetivação de processos de avaliação participativa e global, com foco nos aspectos relativos ao desenvolvimento integral (e não apenas nas habilidades e competências acadêmicas).
2. Fomento ao desenvolvimento comunitário com foco na criação de condições para o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens
– participação da comunidade na formulação e execução das politicas públicas no território, inclusive por parte das crianças, adolescentes e jovens,
– monitoramento e divulgação dos dados relativos às condições locais para o desenvolvimento integral,
– desenvolvimento de iniciativas de caráter comunitário que fortaleçam os vínculos entre os sujeitos e entre eles e as instituições,
– ocupação positiva dos espaços e equipamentos públicos, entendidos aqui como recursos educativos fundamentais e inalienáveis,
– articulação intersetorial no território e dialogo com interlocutores de interesse na cidade,
– reconhecimento e fortalecimento de cada expressão das identidades locais como elemento fundamental no fortalecimento do tecido social local,
– criação de perspectivas de futuro para os jovens, como condição sine qua non para o seu desenvolvimento integral.
#3. Impacto na gestão pública
– desenvolvimento de planos estratégicos de longo prazo para os municípios que estabeleçam a agenda da gestão publica local e estruturem um modelo de gestão intersetorial com foco nos microterritórios em dialogo com as comunidades locais,
– priorização do atendimento das necessidades das crianças, adolescentes e jovens no âmbito da administração pública,
– planejamento das políticas públicas com base em dados hiperlocais (regiões e bairros) para alocação devida dos recursos aliada as necessidades e interesses reais das comunidades,
– criação de condições efetivas de participação da sociedade civil organizada e dos servidores em diferentes níveis da administração pública na formulação, planejamento e execução das políticas públicas,
– criação de marcos legais que sustentem a execução das políticas públicas formuladas, permitindo a implementação de estratégias inovadoras e modernas no âmbito da administração pública,
– avaliação, monitoramento e garantia de transparência dos indicadores da cidade como elemento orientador da gestão pública.
Para saber mais
ASSOCIAÇÃO CIDADE ESCOLA APRENDIZ (org), caderno: Bairro-Escola: passo a passo, São Paulo: Fundação Educar, UNICEF, UNDIME, MEC, 2007.
Acesse também as publicações do Aprendiz sobre o tema.
ARROYO, Miguel. O direito a tempos-espaços de um justo e digno viver. In: Moll, Jaqueline (org.), Caminhos da educação integral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos. Porto Alegre: Penso, 2012.
DIMENSTEIN, Gilberto. Aprendizes de Aprendiz – a descoberta de um foco. In: Relatório Aprendiz, 2004.