Escola trabalha questões como lesbofobia, transfobia e homofobia com seus estudantes
Publicado dia 10/11/2015
Publicado dia 10/11/2015
“Uma semente plantada em terra de agricultores”. O nome do projeto que se iniciou em 2013, na Escola de Educação Básica Coronel Antônio Lehmkuhl, a princípio, não diz muito sobre seu objetivo. Afinal, trazer para a escola debates sobre a lesbofobia, transfobia e homofobia em uma comunidade escolar pertencente a um território essencialmente rural, de educação tradicional e rígida, voltada para os valores cristãos, não é plantar qualquer semente, mas sim uma da diversidade e respeito às diferenças.
O projeto ganhou forma com uma das professoras de Língua Portuguesa, Maria Gabriela Abreu, que pegou carona em uma atividade da qual a instituição se propôs a participar, o Concurso de Cartazes, promovido pelo Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no segundo semestre daquele ano. “Era preciso garantir um momento de sensibilização prévio para aquela comunidade e fortalecer a nossa participação”, relembra. Foi aí que o “Uma semente plantada em terra de agricultores” foi colocado em prática.
A iniciativa tem o intuito de levar o debate sobre violências contra homossexuais, transexuais e travestis para instituições de ensino públicas da Grande Florianópolis, envolvendo a participação de estudantes, professores e demais pessoas que participam da comunidade escolar. As escolas municipais e estaduais participam voluntariamente e devem elaborar cartazes de combate a esses tipos de violência; os trabalhos escolares são votados e os melhores representam as escolas na universidade. O projeto foi cancelado em 2015 por falta de verbas na UFSC.
Inicialmente, foram envolvidas duas turmas de 2º ano do ensino médio, com total de 34 alunos. Maria Gabriela reservou uma de suas três aulas semanais para abordar a temática com os estudantes, por meio de oficinas, durante um mês.
De abril a maio foram cinco encontros, sendo o último deles reservado à produção dos cartazes. Cada um deles partiu de uma questão central, definida após um diagnóstico com as turmas. “Procurei saber o que eles entendiam por sexualidade, o que queriam saber, se alimentavam alguns preconceitos, os mitos que traziam de casa”, conta a docente, que utilizou, como material de apoio, livros, músicas e vídeos.
Os debates em sala de aula estiveram norteados por perguntas disparadoras como: “Vamos falar sobre sexualidade?”, “Colocando-se no lugar do Outro”, “Você tem medo do quê?”, e “Homossexualidade na escola”.
Por fim, houve a produção dos cartazes que seriam levados ao concurso; as peças passaram previamente por uma votação interna na escola, da qual participaram pais, funcionários, alunos e professores, e seguiram para concorrer na Universidade. A escola ganhou menção honrosa e o Prêmio Educadora Destaque em Gêneros e Sexualidade.
Na época, a professora Maria Gabriela conta que sentiu a decepção por parte dos que tinham se empenhado em produzir seu cartaz mas que, no final, não tinham sido selecionados. Como forma de valorizar toda a mobilização escolar, a docente procurou a Prefeitura do município e conseguiu uma abertura para realizar uma exposição dos cartazes para a comunidade, na Casa da Cultura, em junho de 2013.
O projeto teve continuidade na escola, também prevendo mais uma participação da instituição no Concurso de Cartazes. A diferença foi que a docente ganhou o apoio de um dos professores de Sociologia e Filosofia, Robson Ferreira Fernandes e, portanto, o projeto foi ampliado para todas as turmas do ensino médio, englobando mais de 100 alunos. A iniciativa também ganhou novos contornos em relação à temática: seriam introduzidas naquele ano reflexões sobre machismo e transfobia, com foco principal na condição das mulheres trans, “que sofrem preconceito não só por não serem mulheres, mas também por não serem reconhecidas como tal”, coloca Maria Gabriela.
Os encontros formativos passariam a acontecer uma vez por semana, a cada quinze dias e mediados pelos dois professores envolvidos. Ao todo, foram considerados seis atividades, com base nos temas: “Pimenta nos olhos dos outros também arde: troca de papel”; “A construção social dos gêneros”; “Decida-se”, atividade com apoio em um caderno sobre gênero e diversidade na escola; “Identidade de gênero, expressão de gênero, orientação sexual e sexo biológico”, além da exibição do filme “Transamérica” e, por último, uma análise da canção “Balada de Gisberta“.
Novamente, o projeto cumpriu seu papel de fomentar essas discussões entre a comunidade escolar e fortalecer o colégio na participação do concurso. No entanto, também desencadeou um processo novo na gestão escolar, o que alavancou a iniciativa dentro da Antônio Lehmkuhl, já a partir do segundo semestre de 2014.
Durante as férias de julho, a Secretaria Municipal de Educação direcionou um pedido de formação aos professores sobre alguns temas, dentre os quais a diversidade era um deles. Nesse momento, Maria Gabriela que, além de acumular repertório com as vivências do projeto, já tinha feito um curso sobre a temática na UFSC, foi chamada para mediar a formação. O encontro de seis horas envolveu docentes do fundamental I, II e médio e provocou um desdobramento da iniciativa para além dos muros escolares.
Isso porque após a atividade, a instituição decidiu que queria levar a diversidade como tema de seu desfile cívico, evento bastante tradicional na cidade e que reúne todas as escola da região. A direção, por sua vez, acabou por se aproximar mais das atividades e abrir um processo de votação para que seus próprios atores (profissionais, educadores, alunos e famílias) pudessem escolher a qual tema se ateriam: o combate ao preconceito e o respeito às diferenças saiu como escolhido.
O tema ainda foi desdobrado de acordo com a etapa escolar, prevendo o grau de desenvolvimento dos estudantes. Assim, os professores do fundamental I ficaram incumbidos de trabalhar a questão do racismo; os do fundamental II ficaram com o combate ao preconceito contra pessoas com deficiência; e o ensino médio com sexualidade. “O bom foi ver a escola se apropriando de um projeto que nasceu como um desdobramento da disciplina de Língua Portuguesa”, revela Maria Gabriela sobre o preparo escolar para o desfile que ocorreu em setembro de 2014. Também nesse ano, a escola cumpriu a sua segunda participação no Concurso de Cartazes da UFSC.
Este ano, o projeto das oficinas segue com os estudantes do ensino médio e também com duas turmas de 9º ano do fundamental II. Seu enfoque principal é na interseccionalidade para que os alunos percebam como os sistemas discriminatórios perpetuam as desigualdades em diferentes esferas.
“Queremos fazê-los voltarem seus olhares para outras formas de preconceito e discriminação, tais como racismo, capacitismo, xenofobia, preconceito de classes, de religião, gordofobia, entre outros”, explica a docente.
Esse ano, a metodologia priorizou o trabalho e a aprendizagem conjunta, o que explica o fato dos professores terem feito uso de uma noite para as oficinas, com todos os alunos participantes. Os temas trabalhados foram “Direitos Humanos, vulnerabilidade e interseccionalidade” e “Recursos midiáticos e violências”. No mês de setembro, a escola realizou a votação dos seus cartazes e realizou a sua terceira participação no concurso da UFSC.
Segundo a docente Maria Gabriela, idealizadora do projeto, o Concurso de Cartazes chegou ao fim na UFSC, em 2015, por conta de corte orçamentário. Por isso, conta que a escola vem se organizando para instituir uma comissão de professores que possa dialogar sobre os rumos do projeto para o ano que vem e seus novos desafios.
“Já temos como meta dar ênfase à questão racial, também motivada pelo fato do município ter tido colonização alemã, essencialmente. Agora, precisamos trabalhar em seu planejamento e a verificar a viabilidade de estendermos a proposta para ainda mais alunos”, avalia.
A docente também entende que, por mais que o projeto não conte com a adesão de todos os professores, ele tem respaldo da gestão escolar para acontecer. Hoje, avalia que situações de violência não passam mais despercebidas na escola. “Mesmo que o professor não saiba intervir na hora, precisa ao menos se incomodar e pedir apoio a outros que possam mitigar esses conflitos”, finaliza.
Contato:
Escola de Educação Básica Coronel Antônio Lehmkuhl
Fone: (48) 3665-6368
Email: [email protected]