Em Jacareí (SP), “Moçambique nas escolas” faz da cultura afro ferramenta de ensino
Publicado dia 10/06/2014
Publicado dia 10/06/2014
Localizada ao leste do estado de São Paulo, a cidade de Jacareí foi, no passado, um polo de culturas tradicionais, principalmente as afrodescendentes. Até a década de 1980 essas tradições ainda estavam muito vivas na cidade mas, com o tempo, e advento de novas tecnologias e facilidade de acesso à cultura estrangeira, acabaram se enfraquecendo. Foi a partir dessa constatação que um grupo de jovens do Espaço Cultura no Morro mergulhou em uma pesquisa histórica, a fim de resgatar a dança tradicional Moçambique e disseminá-la entre crianças e adolescentes.
A partir do conhecimento das leis que apontam a obrigatoriedade da cultura afrodescendente (10.639) e do ensino de música no ambiente escolar, o grupo enxergou nas escolas públicas da região o espaço perfeito para chegar até o público-alvo – crianças e adolescentes -,ampliando, inclusive, a percepção dos estudantes para outras áreas do conhecimento por meio da arte e cultura, além do que já aprendiam.
É uma dança tradicional de matriz africana com influências portuguesas, que surgiu no período da escravidão brasileira. Um dos elementos utilizados na dança é o bastão, uma referência às batidas que os escravos davam no chão com colheres de pau, quando recebiam comida. O nome Moçambique faz menção aos escravos vindos do país africano.
A dança está presente em todo o território nacional e apresenta características próprias e santos de referência em cada território. Em Jacareí, é São Benedito e Nossa Senhora do Rosário.
Antes de colocarem as mãos na massa, o grupo se aliou a um mestre da dança Moçambique que já realizava o trabalho junto à comunidade há mais de 60 anos, que aceitou de pronto se integrar ao grupo e colaborar no resgate da tradição.
Sem espaços físicos para realizar as oficinas de Moçambique, o grupo ia para as ruas, o que começou a atrair a atenção das pessoas que passavam, principalmente os jovens. Em 2013, contemplados pela Lei de Incentivo à Cultura de Jacareí, puderam planejar ações junto às unidades educacionais.
Aqueles que já participavam do grupo puderam, então, participar de workshops mais aprofundados sobre o Moçambique, além de conhecer grupos que já realizavam a atividade em cidades próximas à Jacareí.
A partir do conhecimento adquirido nas formações, todo o grupo iniciou visitas às escolas públicas do município. Em vez de apresentações em festas, eventos pontuais ou fins de semana, o grupo pedia à direção escolar que o contato pudesse ser feito em uma aula, integrando a expressão cultural ao currículo diário dos estudantes. Foram, ao todo, 14 escolas visitadas e 24 workshops realizados junto aos professores, alunos e demais funcionários das unidades escolares nos períodos matutino e vespertino.
O workshop foi realizado pelo menos duas vezes em cada escola, com uma aula pela manhã e outra à tarde. Dentro do cronograma, os integrantes da iniciativa apresentavam os conceitos do grupo, enquanto o mestre de Moçambique trazia aos alunos a importância histórica dessa dança tradicional. Depois desses esclarecimentos, os alunos, professores e demais funcionários eram convidados a se envolver na dança.
De acordo com a diretora Cristiane Varella, da Emei Comendador Antonio Loureiro Cardoso, que trabalha com crianças de 4 a 6 anos, a experiência foi muito positiva, já que os alunos puderam conhecer a dança de forma lúdica, a partir de uma linguagem acessível. Além disso, o projeto colaborou com outro programa presente em toda a rede municipal, o Infância sem racismo, que busca trabalhar com estudantes de todas as idades a questão da cultura afrodescendente nas escolas.
Ao todo, foram mais de 7 mil pessoas atingidas pelo projeto, entre alunos, professores e demais funcionários. Um dos resultados positivos da iniciativa foi o resgate histórico e cultural da cidade, obtido a partir das trocas de repertórios entre o mestre de Moçambique e os integrantes Espaço Cultura no Morro; esses conhecimentos foram compartilhados com as crianças, ampliando as oportunidades educativas e o conhecimento cultural de cada um dos envolvidos.
A prática da dança nas escolas também se configurou como uma estratégia de inclusão social e de combate ao preconceito, uma vez que estudantes de diferentes religiões puderam conhecer a cultura afrodescendente por meio da arte e cultura. Isso ampliou a possibilidade de diálogo entre o currículo escolar e as expressões artísticas, fazendo com que tivessem seu potencial educativo reconhecidos. O reconhecimento de outros saberes também facilitou a aproximação da comunidade ao espaço escolar.
Nessa perspectiva, a dança atuou como elemento integrador, também quando se olha para a diversidade escolar, no que diz respeito à presença de alunos com algum tipo de deficiência, física ou mental. Todos participavam das oficinas e dos momentos da dança, a partir da construção do respeito a diversas habilidades e tempos.
A linguagem do Moçambique ainda foi posta em diálogo com outras mais comuns aos estudantes, como o Hip Hop, mostrando que o conhecimento de expressões artísticas só fazem enriquecer o repertório cultural dos indivíduos e ampliar suas possibilidades de desenvolvimento.
Veja abaixo o vídeo Mestres da Cultura: