publicado dia 10/10/2025
A arte de falar sobre o fim: Livro “O quintal é o mundo” aborda os lutos na infância
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
publicado dia 10/10/2025
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
🗒️ Resumo: Livro O quintal é o mundo, de Ana Cláudia Bastos, espelha ciclos da natureza e da vida para oferecer às crianças outras formas de elaborar os lutos. Confira orientações para dialogar sobre o tema com os pequenos.
As crianças vivem uma série de lutos desde muito pequenas. Do colo da mãe que não suporta mais seu peso, da melhor amiga que muda de escola, até as mudanças que começam a acontecer no próprio corpo e a perda de animais e pessoas amadas. Mas falar sobre o tema com elas nem sempre é tarefa simples, especialmente quando os adultos também estão sofrendo. Contudo, eufemismos e não-ditos deixam os pequenos sozinhos com essa dor difícil de viver.
Espalhar palavras por esse território de silêncios é o objetivo do livro O quintal é o mundo, da escritora Ana Cláudia Bastos, que será lançado em São Paulo (SP), no domingo, 12 de outubro, às 11h, na Praça Roosevelt.
Capa do livro “O quintal é o mundo”, de Ana Cláudia Bastos
A obra, publicada pela Editora Tipiti, com apoio de um financiamento coletivo, já percorreu cidades como Salvador (BA), Belém (PA) e Rio de Janeiro (RJ), além da 1ª Feira Literária de Cumuruxatiba (BA). Narrada de forma poética e delicada, a história retrata a relação entre uma neta e seu avô, uma amizade tecida em descobertas, afetos e aprendizados.
“O luto é uma experiência humana e atravessa todas as idades”, explica Ana Cláudia. Em O quintal é o mundo, ela propõe uma metáfora entre os ciclos da natureza e os ciclos da vida. “Cada fase é um luto: a saída da infância, a mudança de escola, a mudança na relação com os avós e a morte de um ente querido. Tudo é passagem, transformação. A ideia é ajudar as crianças a entenderem isso de forma natural”, diz.
Nas leituras da obra que a autora fez pelo Brasil, ela nota que a parte da história sobre a morte do avô costuma tocar especialmente os adultos, mas outros lutos chamam mais a atenção das crianças. “Elas se abrem para outros significados, se identificam com a natureza, com o quintal, com as mudanças”, observa.
Com ilustrações da artista Piné Mariana, o livro também entrelaça o tema ambiental, diluindo fronteiras entre casa e cidade, e convida o leitor a enxergar o mundo como um grande quintal: um espaço vivo, de transformação e continuidade.
O lançamento integra a programação do Cinema e Psicanálise nas Brechas, projeto que ocupa mensalmente o Cine Satyros Bijou, em São Paulo (SP), com filmes e debates sobre arte e subjetividade. Nesta edição, será exibido o longa O menino e o mundo, de Alê Abreu, seguido de uma roda de conversa sobre “A arte do luto na infância”.
Participam da conversa a própria autora, o músico Paulo Tatit, fundador do Palavra Cantada, e a psicanalista e escritora Janine Rodrigues. O encontro propõe refletir sobre como arte, música e literatura podem abrir caminhos para acolher a dor e transformá-la em criação.
A jornalista e escritora Jéssica Moreira, colunista do Morte Sem Tabu (Folha de S. Paulo), explica que falar sobre morte não ameniza a dor, mas faz com que ela ganhe contorno por meio das palavras, o que ajuda as crianças a entenderem por que estão sofrendo.
“Elas têm o direito à informação. É importante explicar o que é a morte de forma objetiva e dizer que ela é irreversível. Quando falamos que alguém ‘foi para outro lugar’, a criança pode esperar que a pessoa volte ou se sentir abandonada”, afirma.
Além disso, é essencial observar como a criança vai elaborar o que está vivendo e abrir espaço para o que quer que apareça, seja nos seus desenhos e brincadeiras ou nas suas palavras e silêncios.
“Uma das coisas mais importantes quando uma criança vive um luto é estar presente e não deixar ela sozinha nessa dor. E é também oferecer memórias e mostrar que apesar da pessoa não voltar mais, ela ainda está presente nas nossas histórias e afetos”, diz Jéssica.
A leitura é outro espaço fértil para essas elaborações: “Uma vez a escritora Cidinha da Silva me disse que não gosta de dar funções para a leitura, mas que ela nos dá vários jeitos de ver o mundo. Então Literatura oferece às crianças novas palavras e jeitos de contar uma história, o que a ajuda a entender como ela quer criar a história de quem partiu ou de como ela está se sentindo. Além disso, ler junto com as crianças é um ato de presença”, analisa.
Na escola, a leitura compartilhada também pode abrir espaço para múltiplas expressões. “Pode vir tristeza e raiva, mas elas também podem expressar alegria. E tudo isso é parte do luto”, explica. “Mais do que impor uma emoção, é preciso garantir um ambiente seguro para que as crianças se expressem e sejam acompanhadas”, afirma Jéssica.
A leitura de O quintal é o mundo convida adultos e crianças a reconhecerem que o luto é uma constante no ciclo da vida, não uma exceção. “Se há vida, há luto”, conclui Ana Cláudia. “Precisamos naturalizar as perdas, para que possamos crescer com elas. O quintal do mundo está sempre florescendo, mesmo depois das quedas”, diz.