publicado dia 11/06/2025

A Educação Integral no Novo Plano Nacional de Educação

Reportagem:

As organizações que compõem o Centro de Referências em Educação Integral manifestam publicamente seu posicionamento frente ao debate sobre o novo Plano Nacional de Educação (PNE), proposto pelo Projeto de Lei nº 2614/2024. Reafirmamos, com base em uma longa tradição pedagógica crítica, nosso compromisso com uma escola pública que seja plural, democrática, inclusiva e comprometida com a superação das desigualdades históricas do Brasil.

Inspiramo-nos em legados fundantes da Educação brasileira — desde os pioneiros da Escola Nova, que defenderam uma escola ativa, centrada no estudante e na experiência, e no movimento negro educador, que historicamente construiu alternativas pedagógicas baseadas na justiça racial, na valorização da ancestralidade e na resistência antirracista. Reconhecemos a Educação como prática de liberdade, instrumento de emancipação e projeto de país. E acreditamos que a escola, enraizada no território e aberta ao diálogo com diferentes saberes, pode e deve atuar como agente irradiador de políticas públicas e proteção social, especialmente nas comunidades mais vulnerabilizadas. Ainda, que os demais agentes educativos sejam reconhecidos e valorizados.

Nesse contexto, recomendamos que a Educação Integral extrapole a meta 6 e seja assumida como concepção orientadora de todo o planejamento educacional dos próximos dez anos, reafirmando o pleno desenvolvimento da pessoa como finalidade da Educação brasileira, como preconiza o Art. 205 da Constituição Federal. Acreditamos que essa centralidade é fundamental para que a Educação Integral possa guiar uma visão sobre a função social da escola. Da mesma forma,  estruture o compromisso deste PNE com a equidade e com o enfrentamento às desigualdades e ao racismo que moldaram o sistema educacional do país.

Educação Integral em Tempo Integral: contexto

Segundo dados do Censo Escolar de 2024, a matrícula em tempo integral apresenta variações significativas entre etapas, territórios e grupos populacionais. Entre 2014 e 2024, o percentual de matrícula em tempo integral no Ensino Médio cresceu de 5,7% para 22,5%, sendo este o segmento com maior avanço. No mesmo período, o percentual entre a população negra (preta e parda) saltou de 5,6% para 24,7%, superando o crescimento entre brancos (de 5,2% para 20,9%). O aumento nesta etapa de ensino também é expressivo entre mulheres (de 5,9% para 22,7%), indígenas (de 5,8% para 11,3%) e quilombolas (de 4% para 16,6%).

Nos anos finais do Ensino Fundamental, o crescimento foi de 14% para 17,8%, entre 2014 e 2024. A população negra passou de 16,5% para 20,4%, e a branca de 9,8% para 16,1%. Já nos anos iniciais, observou-se queda: de 18% para 15%, com destaque para a redução entre quilombolas (de 33,9% para 21,6%) e indígenas (de 9,8% para 5,7%).

Com relação aos estudantes com deficiência, o percentual de matrícula em tempo integral saltou de 30,7% para 41,2%. O aumento mais expressivo é na Educação Infantil, no qual o segmento creche subiu de 43,2% para 59%. E menos expressivo nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, passando de 33% para 34%.

Na Educação Infantil, o atendimento em tempo integral cresceu de 28,9% para 35,1% no mesmo período, com maior expansão entre a população negra (de 22,4% para 32,2%), indígena (de 3,3% para 9,4%) e quilombola (de 9,7% para 24%).

Embora os dados revelem avanços, eles também evidenciam descontinuidades e desigualdades persistentes: o crescimento mais acentuado em grupos historicamente excluídos demonstra esforço de correção, mas as taxas ainda estão distantes da universalização. Isso reforça a necessidade de políticas públicas equitativas e territorializadas para a consolidação da Educação Integral como um direito de todos.

Nesse sentido, defendemos que a Educação Integral deve ser compreendida não como sinônimo de jornada estendida, mas como concepção pedagógica e política que orienta a totalidade do sistema educacional, demandando projetos pedagógicos que dialoguem com os territórios, de forma contextualizada e participativa. 

Pensar a integralidade é assumir a complexidade dos sujeitos e da formação humana, reconhecendo os muitos modos de ser escola, em especial para as populações indígenas, do campo, quilombolas e de outros povos e comunidades tradicionais. Para esses contextos, inclusive, o PNE deveria afirmar a obrigatoriedade de consultas amplas e informadas, respeitando o direito à autodeterminação dos povos, em conformidade com a Convenção 169 da OIT. 

O desafio de ampliar com qualidade e equidade

Prevista para alcançar 55% das escolas públicas e 40% dos estudantes da Educação Básica na próxima década, a ampliação da Educação Integral em Tempo Integral estabelecida pela meta 6 do novo PNE exige um pacto federativo sólido, com articulação entre os entes e apoio técnico e financeiro estruturante. Sua expansão deve ocorrer com base em diagnósticos territoriais e critérios de equidade, priorizando comunidades historicamente excluídas. 

Além disso, as estratégias do PNE devem enfatizar que uma Educação Integral de qualidade só é possível se for inclusiva e concebida como um direito de todos. Nesse sentido, reafirmamos que:

  • A expansão da Educação Integral em Tempo Integral não pode inviabilizar a oferta noturna e da Educação de Jovens e Adultos, especialmente em territórios rurais e periféricos onde a diversidade de trajetórias escolares precisa ser respeitada.
  • O direito à educação inclusiva deve ser articulado ao Atendimento Educacional Especializado (AEE), de forma transversalizada ao currículo e às práticas pedagógicas e não limitado à sala de recursos. Reforçamos que não há impedimento legal para que estudantes com deficiência frequentem escolas de tempo integral e que o acesso a tratamentos médico-terapêuticos não pode ser impeditivo da matrícula ou permanência em jornada estendida.
  • A organização da escola em turno único é essencial para a superação da fragmentação curricular e a construção de projetos pedagógicos integradores, que ampliam  tempos, espaços e saberes, de modo a diversificar as experiências e interações dos estudantes.
  • A Educação Integral em Tempo Integral deve ser acompanhada de uma estratégia intersetorial, capaz de articular  políticas públicas de saúde, assistência social, segurança alimentar, habitação, segurança pública, direitos humanos, cultura, esporte, entre outras, que garantam os direitos sociais de  estudantes e suas famílias, a partir das redes de promoção e defesa de direitos de cada território. 
  • A infraestrutura na Educação Integral deve ser pensada e desenvolvida com a participação da comunidade escolar, considerando as especificidades culturais e ambientais de cada território, e a utilização de materiais e soluções sustentáveis e que busquem garantir conforto ambiental naturalmente. É fundamental que a infraestrutura seja compreendida para além do edifício escolar, abrangendo todo Território Educativo (a escola e seu entorno). E que, sob essa perspectiva, além de serem realizadas reformas, ampliações e construções de escolas, haja financiamento para requalificação dos espaços públicos onde a escola está inserida, a partir de articulação intersetorial com as demais secretarias e políticas.
  • O financiamento da educação básica pública precisa ser garantido e ampliado, não condicionado ou negociado como moeda de troca fiscal. Estudantes que vivem em situação de vulnerabilidade social, especialmente, pessoas negras, indígenas e quilombolas, devem ser prioridade nos mecanismos de repasse de recursos, de modo que esses possam estar a serviço da promoção da equidade e da reparação de desigualdades históricas.
  • A autonomia pedagógica e financeira das escolas deve ser garantida, promovendo a elaboração de Projetos Político-Pedagógicos de forma participativa e direcionando recursos via Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) de forma concomitante à transferência de recursos para os entes federativos. 
  • O compromisso com a valorização dos profissionais da Educação deve se traduzir a partir de condições de trabalho adequadas, salários justos e tempo para formação e planejamento pedagógico. O acesso à formação inicial e continuada alinhadas às demandas da Educação Integral e o reconhecimento de todos os atores escolares como formuladores das políticas educacionais e não meros executores têm papel determinante na criação de uma escola acolhedora, democrática e conectada ao território. A educação integral exige que reconheçamos os profissionais da educação que atuam fora da escola, garantindo também a eles e elas condições para que possam realizar um trabalho de qualidade.
  • A Educação Integral exige uma nova abordagem avaliativa que considere tudo aquilo que é constitutivo desta concepção e que reconheça as escolas como produtoras de conhecimento, fortalecendo suas experiências avaliativas de modo a inspirar e apoiar toda a rede.

Por fim, destacamos que a Educação Integral deve ser tratada como um projeto estratégico de desenvolvimento humano, social e territorial, orientado pelos princípios da equidade, justiça social e democracia. Sua centralidade no novo PNE é condição para que avancemos na construção de uma Educação pública de qualidade, comprometida com os direitos de todas as crianças, adolescentes, jovens e adultos brasileiros.

Centro de Referências em Educação Integral 

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