publicado dia 19/09/2023

No Brasil de Paulo Freire, EJA segue um desafio

Reportagem:

🗒️Resumo: Em 2023, Paulo Freire completaria 102 anos. O Patrono da Educação brasileira, que revolucionou diversos pilares da Educação, especialmente na Educação de Jovens e Adultos (EJA), encontraria hoje um cenário completamente diferente daquele que tanto esperançou: a perda de mais de 97% dos recursos para a modalidade fere o direito à Educação de quem já foi excluído da escola e, portanto, o projeto de um país mais equitativo.

Com papel e caneta na mão, os estudantes do CIEJA Paulo Emilio Vanzolini, em São Paulo (SP), percorreram o entorno da escola copiando as palavras de placas e muros que encontraram pelo caminho ou se arriscando na grafia do nome de objetos e seres que chamaram sua atenção. Enquanto isso, discutiam um dos direitos humanos: o de ir e vir. 

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Eram mulheres trans, pessoas negras, com deficiência, e outros tantos que foram excluídos da escola e agora retornam a ela com a esperança de uma vivência melhor e mais significativa, como esse caça-palavras do mundo real que alfabetiza e vincula ao território. Algo que tem tanto a ver com Paulo Freire (1921-1997) e sua perspectiva de ensinar e aprender a ler e escrever a partir do mundo que cada um traz consigo.

No Brasil de Paulo Freire, EJA segue um desafio

Estudantes do CIEJA Paulo Emilio Vanzolini realizam atividade no entorno da escola, em São Paulo (SP)

Crédito: Bibi Marães

“Durante o projeto, conversamos sobre corpos negros e de pessoas trans na rua e todas as questões sociais envolvidas. Uma aluna trans, por exemplo, falou sobre como foi frequentar a escola durante a Ditadura e não poder andar na rua sendo quem era. Eles também descobriram várias coisas do bairro que não conheciam”, relata Nairim Bernardo, professora estagiária na unidade. 

Cortes na EJA 

A modalidade enfrenta, contudo, um corte de recursos que vem minando a possibilidade destas pessoas terem garantido seu direito a uma Educação de qualidade ao longo de toda vida e, portanto, também o projeto de um país que promova a justiça racial, de gênero e social. 

Entre 2012 e 2022, a modalidade perdeu 97% dos recursos investidos, mostra o dossiê “Em busca de saídas para a crise das políticas públicas de EJA”, uma iniciativa do Movimento Pela Base e realização da Ação Educativa, Cenpec e Instituto Paulo Freire

“Nunca tivemos no Brasil um investimento adequado para EJA. Existe menos controle social sobre a EJA e uma visão meritocrática, como se o sujeito tivesse falhado. Mas quando estamos falando de 65 milhões de pessoas de 19 anos ou mais que não têm ou o Ensino Fundamental ou o Médio, fica evidente quanto não é uma questão individual, mas um problema de exclusão social”, explica Roberto Catelli, coordenador da unidade de Educação de Jovens e Adultos da Ação Educativa.

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Além da falta de recursos, a EJA enfrenta o fechamento de vagas. Em 2010, eram 40,4 mil escolas que ofertavam a modalidade. Em 2021, apenas 29,2 mil, de acordo com o estudo.

No estado de São Paulo, em decorrência do Programa Ensino Integral (PEI), a EJA também perdeu vagas. Entre 2011 e 2018, a modalidade perdeu mais de 75% de suas vagas no estado.

Roberto ressalta que a expansão da jornada escolar precisa levar em conta a modalidade. “As redes municipais e estaduais acabam reduzindo o número de vagas em nome de uma ou condicionando sua abertura a um grande número de matriculados, o que gera um esvaziamento da EJA”, explica Roberto.

A reestruturação do MEC em 2023 e a EJA

No Brasil de Paulo Freire, EJA segue um desafio

A perda de mais de 97% dos recursos para a modalidade fere o direito à Educação de quem já foi excluído da escola e, portanto, o projeto de um país mais equitativo.

Extinta durante o governo Bolsonaro, o presidente Lula (PT) recriou no começo de seu mandato a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), responsável pela EJA.

Uma nova política para a modalidade é aguardada, bem como um novo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) e a volta de investimentos para a área. “Não adianta uma política robusta e baixo investimento”, lembra Roberto.

Para o especialista, também é preciso propor orientações curriculares específicas para a modalidade, promover a busca ativa dos estudantes e estimular a abertura de vagas nas escolas. 

Para evitar a exclusão escolar, em primeiro lugar

A partir do Ensino Fundamental 2, principalmente, a evasão dos estudantes aumenta. “Cerca de metade dos alunos não concluem a Educação Básica e isso se agravou ainda mais na pandemia. Como valorizar a permanência na escola?”, questiona Roberto.

Há redes, como em Alagoas, que adotam políticas de bolsa de estudos para que estudantes não precisem deixar as escolas para trabalhar. Mas podem ser necessárias outras ações que garantam condições de permanência e aprendizagem para todos e todas.

“Muitas escolas empurram alunos que ficam retidos para EJA. Muitos vão se tornando trabalhadores e também já precisam estudar em horários alternativos. Há os que sofreram racismo e/ou violência de gênero no espaço escolar e retornar a ele é traumático. É preciso uma escola para todos”, explica o especialista. 

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