publicado dia 31/05/2021

Oferta de ensino remoto na pandemia varia 633% entre estudantes mais pobres e mais ricos

Reportagem:

Selo Reviravolta da EscolaPara promover um diagnóstico mais detalhado do alcance e das características do ensino remoto no Brasil durante a pandemia e reforçar para onde é preciso concentrar as políticas públicas e os investimentos, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) publicou em outubro de 2020 a pesquisa “Tempo para Escola na Pandemia“, realizada por Marcelo Neri e Manuel Camillo Osorio, pesquisadores da FGV Social. 

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Eles avaliaram como o tempo de estudo variou de acordo com as faixas etárias do Ensino Fundamental e Médio, o nível de renda familiar e os territórios, bem como a oferta das atividades por parte das escolas.

De acordo com Marcelo, os resultados foram “surpreendentes”, negativamente. No período, por exemplo, os alunos mais pobres foram 633% mais afetados pela falta de oferta de atividades escolares que os alunos mais ricos. “Nosso principal resultado foi a constatação de um aumento da desigualdade na educação. A tendência histórica que vinha há mais de 40 anos reduzindo as disparidades, não só foi quebrada, como revertida, durante a pandemia.”

Em termos de redução de tempo de estudo, o problema concentra-se na faixa dos Ensino Fundamental 1 que, nos últimos anos, viu uma evolução significativa nas taxas de matrícula e de redução da desigualdade. “Justamente em uma das etapas fundamentais para todo o desenvolvimento escolar dos alunos, agora é onde está o grande retrocesso, voltando aos índices de 2007. Isso acontece principalmente porque é a idade que depende mais do professor, da família e tem menos contato com a internet”, explica o pesquisador.

Para os autores, a falta de conectividade e de oferta de atividades online ou impressas são os principais entraves para a manutenção do vínculo entre estudantes e escolas. “No Pará, um estado mais pobre e com locais muito remotos, a falta de envio de materiais por parte da rede ensino foi de 62,6%, contra 2,53% no município de Santa Catarina, no Paraná, por exemplo.”

Outra questão que contribuiu para esses resultados foi a falta de gestão por parte do Ministério da Educação (MEC). Até a publicação da pesquisa, em outubro, a pasta havia investido R$ 479 milhões no combate à pandemia, enquanto o Ministério da Saúde investiu R$ 34,3 bilhões e o Ministério da Economia, R$168,5 bilhões.

“O déficit de recursos é preocupante, mas também o de liderança. O MEC não tem atuado como norteador das ações realizadas pelos municípios e estados, quando deveria estar pensando, por exemplo, em levar uma conta digital por aluno, em políticas públicas para tentar curar essas cicatrizes, ou ao menos deixá-las menos marcadas”, afirma Marcelo. 

Confira, abaixo, os principais resultados da pesquisa “Tempo para Escola na Pandemia“:

Por idade

Utilizando microdados da PNAD Covid/IBGE de julho e agosto de 2020, os pesquisadores observaram que o tempo médio dedicado para escola do grupo de 6 a 15 anos, em agosto de 2020, foi de 2,37 horas diárias por dia útil, inferior ao mínimo da LDB, de 4 horas diárias. Para 16 a 17 anos, esse índice foi de 2,34 horas por dia útil.

Tabela

Estimativas de Tempo para Escola (em horas por dia útil) por faixa etária – Julho e Agosto de 2020. Crédito: Pesquisa “Tempo para Escola na Pandemia”/ FGV Social com base nos microdados da PNAD COVID/IBGE de Julho e Agosto de 2020

Por classe econômica

Os estudantes das classes sociais mais baixas entre 6 e 15 anos são os que menos frequentaram a escola (93,7%), menos receberam atividades escolares (77%), menos se dedicaram a essas atividades que receberam (4,39 dias, em média), e menos horas dedicaram aos estudos de casa (2,48 horas). O gráfico abaixo mostra a média de dias e horas empenhados por classe econômica.

Tabela

Média de Dias e Horas empenhadas nas atividades escolares de casa por classe econômica – 6 a 15 anos – Julho e Agosto de 2020. Crédito: Pesquisa “Tempo para Escola na Pandemia”/ FGV Social com base nos microdados da PNAD COVID/IBGE de Julho e Agosto de 2020

Por território

A análise territorial para o grupo de 6 a 15 anos revelou ainda que o Distrito Federal apresenta o maior indicador de tempo para escola entre todas as 27 Unidades da Federação (2,96), seguido por Goiás (2,6), Ceará (2,58), São Paulo (2,54), Minas Gerais (2,5) e Piauí (2,49). Nas últimas colocações do ranking de tempo para escola estavam estados da região Norte: Acre (1,29), Roraima (1,74) e Amapá (1,84). 

Tabela

Tempo para Escola (Horas por dia útil) – Agosto/ 2020
UF – 6 a 15 anos. Crédito: Pesquisa “Tempo para Escola na Pandemia”/ FGV Social com base nos microdados da PNAD COVID/IBGE de Julho e Agosto de 2020

Tabela

Crédito: Pesquisa “Tempo para Escola na Pandemia”/ FGV Social com base nos microdados da PNAD COVID/IBGE de Julho e Agosto de 2020

A oferta de atividades escolares

Dos 30 milhões de estudantes de 6 a 15 anos, 81,75% receberam alguma atividade escolar em agosto de 2020, realizando ao menos parte dessas tarefas. Em torno de 4 milhões de crianças e adolescentes não receberam qualquer atividade para ensino remoto no período. Outros 550 mil não receberam atividades porque ainda estavam de férias e a minoria (2,88%) recebeu as atividades, mas não as fizeram.

Já entre os 6,32 milhões de estudantes de 16 e 17 anos, 76,3% receberam alguma atividade escolar no período, enquanto 17,6% não receberam nenhuma tarefa. Desses adolescentes, 4% receberam tarefas, mas não as realizaram.

“Já vemos, portanto, que a maior parte do público-alvo da pesquisa não realizou tarefas escolares mais por problemas de oferta (não receberam tarefas da escola) do que por questões de demanda (receberam, mas não as fizeram)”, destaca um trecho da pesquisa.

A questão da oferta de atividades é diretamente afetada pela renda familiar. Apenas 2,9% dos alunos mais ricos entre 6 a 15 não receberam qualquer atividade em Agosto, enquanto 21,1% dos alunos de Classe E estiveram excluídos das atividades escolares. O mesmo padrão se repetiu para alunos de 16 e 17 anos das classes E e AB.

Em relação ao território, Pará, Tocantins e Maranhão foram os estados onde 45,3%, 41,3% e 34,1% dos alunos não receberam qualquer atividade, respectivamente.

Tabela

Parcela de alunos que não fez atividade escolar em Agosto de 2020 por tipo de motivo – 6 a 15 anos e 16 e 17 anos e abertura por classe econômica. Crédito: Pesquisa “Tempo para Escola na Pandemia”/ FGV Social com base nos microdados da PNAD COVID/IBGE de Julho e Agosto de 2020

O que é a #Reviravolta da Escola?

Realizado pelo Centro de Referências em Educação Integral, em parceria com diversas instituições, a campanha #Reviravolta da Escola articula ações que buscam discutir as aprendizagens vividas em 2020, assim como os caminhos possíveis para se recriar a escola necessária para o mundo pós-pandemia.

Leia os demais conteúdos no site especial da #Reviravolta da Escola.

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