publicado dia 02/07/2024

Jaqueline Moll: “Situação de escolas no RS é grave não pode cair no esquecimento”

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🗒️Resumo: Saiba como está a situação das escolas dois meses após o início da tragédia climática no Rio Grande do Sul, as ações intersetoriais necessárias para que os estudantes tenham condições de retornar e permanecer aprendendo, bem como a iniciativa Há-Braços, uma rede de solidariedade criada para ajudar a acolher e recompor as escolas.

Dois meses após os temporais e enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul (RS), as redes educacionais e escolas seguem enfrentando desafios para garantir o direito à Educação.

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“A escola é esse lugar de referência e de importância para elas, então é preciso não poupar esforços para garantir as condições para que elas possam voltar”, diz Jaqueline Moll, professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e referência no campo da Educação Integral.

Entre as escolas estaduais do RS, 954 (40,7%) estão com problemas de acesso ou foram danificadas, em 236 municípios. Destas, 426 unidades (18,2% do total) sofreram danos físicos. No total, 11 das 2.338 escolas permanecem paralisadas, segundo contabilização da Secretaria Estadual de Educação no final de junho.

Quanto aos alunos, 3.993 estudantes (0,5%) estão com matrícula pendente para retorno. Um total de 5.440 não realizaram o retorno às atividades. 

Em Porto Alegre, são 42 unidades fechadas, de um total de 319, de acordo com a Secretaria Municipal da Educação. Destas, 12 estão com limpeza concluída e em processo de reforma para retomar as atividades. 60 mil estudantes já retornaram, enquanto 6 mil permanecem sem aulas.

Para apoiar o retorno às escolas, o Conselho Estadual de Educação (CEEd) do Rio Grande do Sul publicou um parecer, nesta segunda-feira (1/7). O órgão orienta que as escolas tenham autonomia para decidir sobre o calendário anual de 2024 e flexibilizar periodicidade das atividades avaliativas dos estudantes.

A Secretaria Estadual de Educação também criou o Mapa do Retorno, que permite à população consultar se as instituições de ensino em cada município ou Coordenadoria Regional de Educação estão funcionando. 

mapa

Mapa do Retorno mostra a situação atual das escolas no Rio Grande do Sul

Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Jaqueline também relatou a iniciativa da rede de solidariedade Há-Braços, em que escolas e redes educacionais do Brasil adotam unidades do Rio Grande do Sul para ajudar a reconstruir material e afetivamente as escolas. 

A especialista trouxe ainda um panorama da situação atual das escolas e reforçou a importância da intersetorialidade e de reestruturar o trabalho pedagógico de todas as unidades do país. 

“A Educação Ambiental é um tema estrutural e precisamos repensar, regenerar a escola, à luz dessa perspectiva de vida”, disse Jaqueline, que também é ex-diretora de Currículos e Educação Integral da Secretaria de Educação Básica no Ministério da Educação (MEC).

Centro de Referências em Educação Integral: Como está a situação das escolas do Rio Grande do Sul dois meses após as tempestades e enchentes que começaram no final de Abril? 

Jaqueline Moll: Na Escola Municipal Chico Xavier (em São Leopoldo) e em outras, as crianças estão batendo na porta perguntando quando podem voltar. Em São Leopoldo, as crianças da orquestra escolheram salvar os instrumentos musicais na hora da enchente. A escola é esse lugar de referência e de importância para elas, então é preciso não poupar esforços para garantir as condições para que elas possam voltar.

As situações das escolas são variadas. Muitas das estruturas estão sendo analisadas porque em várias delas a água chegou até o teto, devastando mesas, utensílios de cozinha, computadores, documentos e todo tipo de material. Com muita ajuda da comunidade, está ocorrendo um processo de recuperação e limpeza das unidades. 

Tem cenários mais graves, em que os prédios ficaram completamente abalados. Há outros em que a água pode não ter subido tanto, mas fez estragos porque também tinha água de esgoto. 

É uma situação de suspensão do calendário escolar em muitos lugares, mas as aprendizagens serão recuperadas. O que mais preocupa é que as crianças estão vivendo precariamente, com suas vidas em suspenso. Muitas não podem sequer voltar para casa, porque as chuvas e alagamentos continuam. 

A situação hoje é bastante grave, que não pode cair no esquecimento. Por onde se olha, parece escombros de um cenário de guerra. 

CR: O que o poder público precisa fazer para apoiar a Educação e garantir todos os direitos das crianças e adolescentes, a fim de que elas tenham condições de retornar e permanecer nas escolas? 

JM: A primeira coisa é entender algo que o geólogo Rualdo Menegat [doutor em Ciências na área de Ecologia de Paisagem e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)] diz. Essa é uma tragédia hidrogeosocioambiental, não uma fatalidade, porque ela vem sendo anunciada há muitas décadas pelos cientistas, além de muita imperícia das prefeituras municipais. 

Para lidar com essa tragédia, é preciso que haja ações coordenadas entre as Secretarias de Educação e a Secretaria Extraordinária da Presidência da República de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, algo que não estamos vendo acontecer.

Nada é muito público, está mais interno, e precisamos saber das ações para garantir as matrículas, realizar a busca ativa e reconstruir as escolas. É preciso um acompanhamento de cada uma das famílias, crianças, adolescentes e escolas.

“Essa situação extrema ajudou a entender a importância da intersetorialidade. Não basta ter só a escola. A criança precisa ter a casa, a segurança da sua família, o atendimento da Assistência Social e da Saúde”, lembra Jaqueline Moll

Mais do que nunca, essa situação extrema ajudou a entender a importância da intersetorialidade. Não basta ter só a escola. A criança precisa ter a casa, a segurança da sua família, o atendimento da Assistência Social e da Saúde.

Vale um destaque para a saúde mental, porque o que é essa hecatombe de sair das suas casas correndo? Em alguns lugares, foi tudo tomado em coisa de 10 a 15 minutos. Então será preciso muita escuta e acolhimento de toda a comunidade escolar. Também será necessário mudar alguns bairros de lugar, porque as pessoas têm direito a morar com qualidade.

Outro ponto é que a reversão dessa situação climática não se dará imediatamente, então as comunidades precisam de planos para saber o que fazer em caso de chuva forte.

Ainda que a responsabilidade por tudo isso seja do poder público, nós criamos uma rede de solidariedade para apoiar as escolas enquanto sociedade civil, a Há-Braços. 

São escolas e redes municipais pelo Brasil que estão abraçando escolas do Rio Grande do Sul. Elas colocam as crianças em contato para conversar entre si, trocar cartas, fazer escutas e acolhimento. Elas também arrecadam materiais escolares e pedagógicos, brinquedos educativos, livros e materiais de limpeza e de higiene.

CR: Com as unidades reabertas e os estudantes com condições de permanecer e aprender nas escolas, qual a importância de articular a Educação Ambiental ao Projeto Político-Pedagógico e ao currículo de forma permanente? 

JM: A Educação Ambiental é um tema estrutural e precisamos repensar, regenerar a escola à luz dessa perspectiva de vida, para que as novas gerações compreendam o que significa a emergência climática, o que desencadeou isso, e terem consciência de que as emissões de gases que levam a esse aquecimento não terminou. 

“As crianças têm que ter a oportunidade de aprender a pensar o mundo de outro jeito”, diz a especialista

As crianças têm que ter a oportunidade de aprender a pensar o mundo de outro jeito, sem poluição ambiental, com alimentos para todos e um consumo consciente e reduzido. É compreender o mundo em que estamos. 

O Menegat diz que isso é o conhecimento social, geológico e hidrológico do lugar onde os estudantes vivem e que precisa estar no currículo desde a Educação Infantil. É pesquisar com elas questões como onde estão as nascentes, para onde vai o lixo e esgoto e quais os riscos que temos onde moramos.

Elas têm o direito de saber que esse modelo de desenvolvimento econômico que temos é o meteoro que nós mesmos estamos criando para nos levar à destruição. A vida é frágil, precisa ser cuidada, e as crianças precisam saber disso por meio de um trabalho escolar sério.

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