publicado dia 31/10/2016
“A intransigência do governo é causadora da violência nas ocupações escolares “
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 31/10/2016
Reportagem: Ana Luiza Basílio
Juntamente com o movimento das ocupações nas escolas, que supera mil unidades em 19 estados brasileiros, vêm crescendo episódios de negação dos direitos de crianças e adolescentes. Nas últimas semanas, surgiram inúmeros casos em que os estudantes foram vítimas de violência.
Em entrevista ao UOL, a advogada que acompanhou o caso da morte do estudante Lucas Eduardo de Araújo Lopes, no Paraná, Tania Mandarino, falou sobre a situação de “extrema fragilidade emocional” a qual estariam submetidos os outros estudantes. Cerca de 12 deles teriam ficado confinados em uma sala de aula, aguardando o momento de irem depor na delegacia. Segundo ela, não havia a presença de nenhum equipamento do sistema de garantia de direitos para acompanhar os jovens, nem a presença de adultos, para além das forças policiais.
Em outra reportagem produzida pelo Centro de Referências em Educação Integral, o professor aposentado da rede estadual do Paraná, Mario Sérgio Ferreira de Souza, já tinha falado sobre o fato dos adolescentes irem depor sozinhos, já que não foi autorizada a entrada de nenhum adulto, nem mesmo o acompanhamento por parte de advogados.
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Na cidade de Miracema, em Tocantins, 26 alunos da Escola Dona Filomena Moreira de Paula foram conduzidos à delegacia após desocupação, alguns algemados. Ainda no Paraná, na noite da última quinta (27/10), integrantes e manifestantes do Movimento Brasil Livre (MBL) protagonizaram uma tentativa de retirada forçada dos estudantes do Colégio Estadual Lysímaco Ferreira da Costa.
O advogado e coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CONDEPE), Ariel de Castro Alves, reforça que a liberdade de expressão é prevista tanto na Constituição Federal, como no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e lamenta os casos de violação de direitos. “Durante muitos anos se alardiou no país que os jovens, principalmente os adolescentes, eram alienados. Aí no momento em que eles resolvem participar o que se vê é violência, ameaças”, condena.
Ariel entende que, além da luta pela educação pública, as ocupações mostram que os estudantes querem uma escola de melhor qualidade e que, portanto, os movimentos deveriam ser incentivados e não o contrário.
Para o advogado, a violência que tem ocorrido nas manifestações reflete a falta de diálogo por parte das autoridades. O especialista chama a atenção para o fato de que a articulação dos sistemas de ensino com as famílias e com a comunidade também está previsto na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e que, na contramão disso, vê-se a imposição de medidas, como a reforma do Ensino Médio via medida provisória.
“Quando as autoridades não assumem as suas responsabilidades, o que se tem é isso. Essa intransigência é a causadora das violências que temos presenciado”
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Ele entende que os estudantes têm propriedade nos questionamentos que têm feito e que uma saída para encontrar esse diálogo seria a instauração de comissões de negociação por parte do poder público, com representantes do Ministério da Educação (MEC), conselhos estaduais de direitos humanos e conselhos estaduais dos direitos da criança e do adolescente para que atuassem como mediadores da situação.
“O papel do agente público é procurar consenso, negociar, ouvir os lados para que sejam possíveis acordos comuns. Agora, quando as autoridades não assumem as suas responsabilidades, o que se tem é isso. Essa intransigência é a causadora das violências que temos presenciado”, criticou.
O especialista ainda comentou os episódios violentos que vêm marcando o movimento das ocupações. Ele rebateu o posicionamento do promotor da Infância e Juventude de Miracema/To, Vilmar Ferreira de Oliveira, que tentou justificar o fato de ter algemado alguns estudantes ao conduzi-los para a delegacia após desocupação de uma das escolas.
“É crime submeter uma criança ou adolescente a situações de vexame ou constrangimento. Algema se usa sob risco comprovado de que o adolescente tenha cometido ato infracional, tente empreender fuga ou não acate ordem policial ou judicial. No caso, isso não ficou caracterizado, evidenciando um abuso de autoridade pelo qual o promotor precisa ser investigado”, declarou.
Ainda sobre a condução dos estudantes à Delegacia de Homicídios, no Paraná, após a morte de Lucas Eduardo de Araújo Lopes, ele é taxativo: “o conselho tutelar teria que estar lá ou os pais teriam que acompanhar por envolver situação de risco. É proibida a incomunicabilidade, ainda que a pessoa seja suspeita. Ali nem suspeitos seriam, porque já se conhecia o autor do crime. É dever do Estado, da polícia ou dos dirigentes educacionais acionarem o conselho tutelar imediatamente”, avaliou.
Sobre as desocupações, que vem sendo forçadas por grupos contrários ao movimento, ele reitera que o pedido de reintegração de posse só pode ser feito com medida judicial e que antes disso a justiça deve tentar propor conciliação entre as partes envolvidas.