publicado dia 27/04/2016
Alagoas proíbe professor de opinar nas aulas; projeto similar tramita no Congresso
Reportagem: Caio Zinet
publicado dia 27/04/2016
Reportagem: Caio Zinet
A Assembleia Legislativa de Alagoas derrubou na terça-feira (26/04) o veto do governador do estado, Renan Calheiros Filho, e aprovou um Projeto de Lei (PL) que proíbe docentes de emitir opiniões na sala de aula. Tramita na Câmara dos Deputados um documento com conteúdo semelhante, sob a alegação de uma “escola sem partido”.
De autoria do deputado federal Izalci Lucas (PSDB/DF), o PL 867/2015 tem trechos semelhantes ao do deputado estadual de Alagoas, Ricardo Nezinho (PMDB/AL), aprovado pela Assembleia Legislativa. Ambos defendem que o professor deve primar pela neutralidade política, ideológica e religiosa, tendo como pressuposto que o educando é a parte vulnerável e o elo mais fraco da relação de aprendizagem.
Os dois projetos partem igualmente do princípio de que os pais têm direito a que os filhos recebam uma educação moral que esteja de acordo com a da família. Além disso, também preveem punições aos professores que manifestarem suas posições ideológicas e/ou religiosas para seus alunos.
“Ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, com a mesma profundidade e seriedade, as principais versões, teorias, opiniões, e perspectivas das várias concorrentes a respeito, concordo ou não com elas”, diz o item III do artigo 3º da lei aprovado em Alagoas e o artigo o inciso IV do projeto de Lei de Izalci. O PL do deputado tucano prevê que as Secretarias de Educação de todo país terão que contar com canais de comunicação destinados para receber denúncias de descumprimento dessa lei.
O PL prevê que tais reclamações devem ser encaminhadas para o Ministério Público que tem o dever de analisar e apresentar denúncia contra o professor em “defesa do interesse da criança e do adolescente”.
No caso da legislação aprovada em Alagoas caberá a Secretaria Estadual de Educação de Alagoas e ao Conselho Estadual de Educação do estado deverão fazer a fiscalização do cumprimento da lei.
Os “servidores públicos que transgredirem o disposto na Lei estarão sujeitos as sanções e as penalidades previstas no Código de Ética Funcional dos Servidores Públicos e no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civil do Estado de Alagoas”, prevê ao documento alagoano.
Em nota enviada ao Centro de Referências em Educação Integral, a Secretaria de Educação de Alagoas afirmou que “emitiu, desde o início, parecer para que o PL da Escola Livre fosse vetado. Diante da derrubada do veto, a Seduc encaminhará ao governador Renan Filho solicitação para que, através da Procuradoria Geral do Estado, entre na justiça arguindo sua inconstitucionalidade”.
Escola Sem Partido
O fato dos textos terem conteúdo muito parecido, quando não idêntico, está longe de ser uma mera coincidência, mas são parte de uma articulação maior promovida pelo movimento Escola Sem Partido. O Centro de Referências em Educação Integral fez uma matéria sobre esses projetos de lei.
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À época, o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, Fernando Penna, afirmou que existem PLs com o mesmo teor das ideias defendidas pelo Escola Sem Partido em pelo menos nove estados e 13 cidades, incluindo capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba.
“Trata-se de uma visão (do movimento Escola Sem Partido) cruelmente deturpada da educação escolar: a de que a sala de aula seria um cativeiro no qual alunos completamente inocentes estariam passivos e indefesos frente ao poder absoluto do professor de impor as suas concepções, seja através da sua doutrinação maliciosa ou da violência física praticada por aqueles [estudantes] que já foram “sequestrados intelectualmente” pelo professor”, afirmou o docente à época.
O coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos de São Paulo, militante do movimento nacional de direitos humanos e advogado, Ariel de Castro Alves, acredita que a proposta de punir docentes por eles expressarem sua opinião é uma medida inconstitucional, além de uma “aberração jurídica”.
“É inconstitucional porque contraria o artigo 5 da Constituição Federal que trata da liberdade de expressão e de manifestação. Isso porque essas leis ou projetos acabam censurando o professor na sua atuação profissional. Além disso, como é possível medir quando alguém manifestou sua opinião? Isso é uma questão subjetiva e que depende do ponto de vista de quem avalia”, afirmou.
Para o advogado, projetos como esse, se aprovados, são uma espécie de funeral da educação brasileira. “O que o professor poderá fazer na sala de aula? Ler os livros e apostilas? No texto desses materiais também não estará presente a visão de mundo do autor? Isso é uma afronta à Constituição brasileira e à declaração dos direitos humanos”, avalia.
De acordo com Ariel, no entanto, a tendência é que o judiciário declare essas medidas como inconstitucionais a partir de ações movidas por entidades de classe, movimentos sociais, subseções estaduais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) movam Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin).