publicado dia 30/09/2015

Tião Rocha: uma vida dedicada a resgatar culturas

Reportagem:

selo-18anos-vermelhoNos primeiros minutos de entrevista, viajamos com Tião Rocha para a sua infância, 60 anos atrás. Ele, aos 7 anos de idade, iniciava sua vida de estudante em Belo Horizonte, sua cidade natal, no Grupo Escolar Sandoval de Azevedo. De lá, traz recordações ainda bastante vivas em sua memória. “No primeiro dia, fomos colocados em uma sala de livros, sentados no chão e a professora se pôs a ler As mais belas histórias, de Lucia Casasanta, um clássico da minha época”, rememora o educador, um dos homenageados pela Associação Cidade Cidade Escola Aprendiz, em ocasião da comemoração dos 18 anos da organização.

E foi no meio do “era uma vez, num país muito distante, um rei e uma rainha…” que surgiu a mão erguida de Tião, pré anunciando a fala eufórica que viria em seguida: “professora, eu tenho uma tia rainha”. O anúncio teve resposta imediata. Um pedido da docente de que ele permanecesse quietinho, acompanhando a leitura, o que não foi prontamente atendido por Tião, afinal, dá para imaginar o quão empolgante é para um garoto de 7 anos se ver como parte de uma história.

Ele insistiu na fala por mais duas vezes. Até que chegou o momento do “cala a boca”, seguido da ida à sala da diretora e da ameaça de ser expulso da instituição, por interromper a leitura e chacotear sobre a história de uma rainha parente. “Eu nunca mais abri a boca”, recorda o educador.

Crédito: Danilo Verpa

Crédito: Danilo Verpa

Perseguindo a rainha

Chegado o momento do ginásio, Tião seguiu para uma escola da rede estadual. Lá, em uma aula de História, de novo esbarrou com a tal figura da rainha: “dessa vez, o professor falava dos reis de Portugal quando descobriram o Brasil, eu não tive dúvidas, levantei a mão e falei que eu também tinha uma tia rainha”, recorda. Novamente, o seu relato não emplacou e Tião se calou mais uma vez.

Essas e outras negativas fizeram com que Tião perdesse o interesse pelos estudos. Depois de concluído o segundo grau, o jovem não tinha vontade de seguir para o vestibular. Até que um dia, em Ouro Preto, Tião conta que teve um insight: “coisa que aqui em Minas chamamos de clarão”, brinca. Foi durante uma tarde em que o jovem, então com 18 anos, lia um de seus livros prediletosA Um Deus Desconhecido, de John Steinbeck. “Eu percebi que eu não conhecia nada sobre a minha história, a história da cidade que eu vivi e, claro, da minha tia rainha, e decidi estudar isso”.

E foi em BH que ele cursou a graduação de História, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Por volta do quarto ano, Tião procurou um dos professores e, mais uma vez, falou do desejo de entender mais sobre a história da tia rainha – a Etelvina, rainha perpétua do congado, e que possibilitou a Tião, desde bem cedo, acompanhá-la nas festas em devoção a Nossa Senhora do Rosário. Ouviu que o melhor caminho seria pela Antropologia.

O encontro com as Etelvinas

E foi o que ele fez. Estudou e se formou antropólogo e, mais tarde, se especializou em cultura popular, o que ele chama de “opção política”. Tião entendeu que só dessa maneira ele poderia resgatar a sua própria história, a da tia Etelvina e de tantos outros filhos de reis e rainhas que se encontravam na invisibilidade. Isso se reforçava a cada novo estudo e encontro com as dicotomias existentes entre o erudito e o popular, entre a academia e o que ele via nas ruas.

Em seu percurso de formação, Tião deu aula para todos os níveis educacionais – da graduação até o doutorado. Aos 36 anos, como professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), teve o que chama de “clarão definitivo”. “Decidi que queria ser educador e não professor, e fui confrontado por diversas pessoas que me diziam as duas funções eram a mesma coisa”, conta.

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Não para Tião. Para ele, era hora de sair daquele lugar de “ensinagem” em que estava, “que opera sob a lógica do eu te cito, tu me citas”. Ele tinha claro que professor é quem ensina, e educador é quem aprende, visão que vinha incomodando aos demais da universidade. Ele se demitiu com uma ideia fixa: atuar em um lugar em que pudesse ser um educador e, sobretudo, um aprendiz.

CPCD: uma questão de acolhimento

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Crédito: Danilo Verpa

Após conversar com um grupo de amigos, Tião lançou no dia 1 de janeiro de 1984 o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), instituição que, como reforça, acolheu suas próprias questões e aprendizagens, antes de mais nada. Desde então, ele atua com a implementação e realização de projetos orientados para a transformação social, para o desenvolvimento sustentável, preferencialmente, nas comunidades e cidades brasileiras com menos de 50 mil habitantes. E, nessa perspectiva, se faz indispensável o diálogo com as culturas locais, próprias de cada indivíduo e cada território.

“O que me move é que as pessoas falam em educação e continuam a praticar a escolarização”, critica o educador. Tião defende a educação como um fim e a escola como um meio, que deve aparecer a serviço dos fins a que se destinam. “Hoje, essa lógica está invertida”, critica.

Tião conta que, em seus percursos, sempre se questionou sobre a possibilidade de fazer educação sem escola. “O que eu descobri é que é possível fazê-la em qualquer lugar, até embaixo de um pé de manga. Isso só fica impossível sem a presença de bons educadores”, avalia. Ele entende o ato de educar como plural: “a partir de duas pessoas, que se propõem a trocar o que tem, pelo que não tem” e que, portanto, precisa do outro, do olhar do outro. “E isso pode ser feito em qualquer lugar, inclusive na escola”, sentencia. A questão, para o educador, é desconstruir a imagem da escola como único e melhor lugar para tanto.

“A escola como política de educação é um equívoco”, coloca, enfático. Em sua leitura, a escola como é hoje cumpre papel de outras instituições da sociedade: “de uma fábrica, por reproduzir em cadeia; de um quartel, pela hierarquia; ou de um hospício, por ensinar coisas que não tem nada a ver com a vida dos meninos”. Para Tião, educação prescinde gente e desconstrução, com rompimento de paradigmas necessários ao seu desenvolvimento.

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