publicado dia 11/10/2015
Projeto estimula crianças e jovens a se tornarem escritores
Reportagem: Caio Zinet
publicado dia 11/10/2015
Reportagem: Caio Zinet
No imaginário popular, escrever e ilustrar um livro são tarefas destinadas exclusivamente para intelectuais e pessoas com alto nível cultural. Experiências, no entanto, refutam o senso comum e mostra que crianças e jovens têm todos recursos para passar para o papel as histórias criadas por eles mesmos.
Essa é a premissa do projeto Primeiro Livro: com liberdade de expressão e autonomia qualquer estudante pode escrever e ilustrar sua própria obra literária. É isso que Luis Junqueira e os criadores do projeto propõem a estudantes entre 9 e 19 anos, desde 2009.
Junqueira explica que a ideia surgiu quando ele era estagiário da Escola do Sítio, em Campinas (SP). Nesse espaço, o professor de Língua Portuguesa estimulava muito a produção escrita de seus alunos. A partir dessa experiência ele soube que era com essa metodologia que queria trabalhar depois de formado.
Em um primeiro contato com estudantes o objetivo é estimular a imaginação das crianças e jovens. “Não delimitamos tema, não damos nota, usamos a primeira aula para que os alunos soltem a imaginação, desenhando e escrevendo o que quiserem”, conta.
O passo seguinte é fornecer a esses alunos referenciais que enriqueçam seu repertório. “Trabalhamos com muita escrita e muita ilustração, somos como tutores, disponíveis para sentar do lado deles atendê-los de maneira bem individualizada. Não usamos lousa, nem damos aulas teóricas, pois a teoria vem com a prática”, relata.
A tecnologia é aliada do projeto, pois os estudantes escrevem e salvam o material escrito em um serviço de compartilhamento de textos online. A parte gráfica também é colocada no computador e trabalhada com softwares livres.
Atualmente o Primeiro Livro está presente em cinco escolas de São Paulo e Alagoas e em duas unidades da Fundação Casa. Luis conta que os estudantes mais jovens têm uma imaginação aflorada e isso transborda na escrita e nas ilustrações dos livros que produzem. “Normalmente os alunos de 9, 10 anos têm um pé na imaginação muito mais solto e contam histórias de dinossauros, princesas, super-heróis e também têm um freio menor nas ilustrações”.
O objetivo do projeto é que, após 1 ano, os estudantes tenham produzido um livro com ilustrações. Eles estão buscando, via financiamento coletivo, os recursos necessários para imprimir 25 livros para cada um dos 300 estudantes participantes do projeto.
A transição da infância para a adolescência traz outros elementos que acabam inibindo um pouco as histórias. É nesse período que a família e a escola começam a se preocupar mais com notas, rendimentos e vestibulares e cobram resultados dos seus estudantes.
“O que eu vejo ao vivo e a cores é que nessa transição da infância para a adolescência a escola se torna mais formal, as provas ganham mais dificuldade e importância e os adultos exigem desempenho. No Primeiro Livro é ao contrário. Queremos que eles não se importem com essa coisas e que escrevam e desenhem com liberdade”, afirmou.
Luiz relata que apesar de estarem mais presos à própria autoestima e na cobrança da família e da escola, os adolescentes também têm mais ferramentas linguísticas, mais controle da narração, um repertório maior de palavras e usam recursos autorais de maneira mais consciente.
“O Primeiro Livro é um projeto que ensina Língua Portuguesa para crianças e jovens por meio de oficinas de criação de livros. Eles não aprendem só ortografia e gramática, mas conseguem também construir personagens, mostrar histórias e isso é um grande incentivo para produção e consumo de Literatura”, afirmou.
Se é certo que estimular a imaginação e a escrita é um caminho para aproximar crianças e jovens da Literatura, quais seriam outras formas de despertar esse interesse? A pesquisadora em educação, Gabriela Rodella, sugere que uma das maneiras de incentivar a curiosidade pela Literatura, desde a educação infantil, é por meio de rodas de contação de histórias nas quais as crianças sejam convidadas a participar, recontando junto com seus colegas as histórias dos livros que leram ou foram lidos para eles.
“Um sujeito leitor começa a se formar desde a primeira infância. A escola e família podem trabalhar com a leitura, incentivando que os estudantes recontem as histórias, mostrando como aquele livro foi sentido por ela e o que ela absorveu”, afirmou. Além do mais, o aprendizado se dá de forma bastante coletiva, pois as experiências que cada criança e jovem sente ao ler o livro são compartilhadas entre eles.
Ela relata uma outra possibilidade, a partir de uma experiência de uma escola no Rio de Janeiro, em que o professor trabalhou as Cantigas de Maldizer e de Escárnio, lendo obras com toda a sala de aula e buscando traçar paralelos com a realidade deles.
Após a leitura das obras, os jovens do 1º ano do ensino médio da escola Pedro II, no Rio de Janeiro, reescreveram algumas delas, “traduzindo-as” para uma versão no Português moderno, aumentando o interesses dos alunos que não conseguiam se apropriar das poesias pela dificuldade de compreender o Português arcaico.
Depois dessa “tradução”, os estudantes fizeram outro trabalho, comparando a representação da mulher nas letras dos trovadores da Idade Média e nos funks cariocas.
Outro exemplo relatado por Rodella de como é possível aumentar o interesse dos estudantes por literaturas mais complexas aconteceu com o Auto da Barca da Inferno, de Gil Vicente. Os estudantes leram a obra e foram estimulados a se dividirem em grupos, onde simulavam entrevistas com os personagens da obra. Eles também fizeram peças de teatro mostrando o que acontecia na obra. O sucesso foi tamanho que os estudantes criaram páginas no Facebook para os personagens.