publicado dia 25/10/2016
Professores do Paraná falam sobre o perigo da criminalização do movimento estudantil
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 25/10/2016
Reportagem: Ana Luiza Basílio
Foi em tom de preocupação que a professora da rede estadual do Paraná, Elizamara Goulart de Araujo, e o professor aposentado, Mario Sérgio Ferreira de Souza, conversaram com o Centro de Referências em Educação Integral na manhã desta terça-feira (25/10). Na tarde de ontem, os estudantes secundaristas e todos aqueles que apoiam o movimento foram pegos de surpresa com a notícia da morte de Lucas Eduardo Araújo Mota, 16 anos, dentro de uma das escolas.
Para os educadores, para além da tristeza, fica um alerta de que o ocorrido possa servir de manobra política para desmobilizar o movimento estudantil, a partir da culpabilização das famílias, das escolas e dos professores, em nome de uma pauta que consideram autoritária e intolerante.
As ocupações no Estado do Paraná começaram no dia 3 de outubro, no Colégio Estadual Arnaldo Jansen, em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba. De lá para cá, são 850 escolas ocupadas segundo dados do Ocupa Paraná. Os professores reconhecem a força de adesão das escolas e contam que chegaram a ter, em um único dia, cerca de 150 novas escolas ocupadas.
“A organização interna é digna da força desses estudantes”, comentam Elizamara e Mário Sérgio. Segundo eles, há uma distribuição interna de tarefas entre os jovens que cumprem, inclusive, pequenos ajustes e reformas nas escolas, “o que é um dever do Estado”, reforçam. Além disso, os docentes veem o esforço do movimento de deixar as escolas ativas. “Eles têm tido aulas preparatórias para o Enem e ‘aulões’ com convidados que têm se mobilizado para trazer”, conta Elizamara. Na visão de Sérgio, “é um movimento de todos que estão comprometidos com a educação pública”.
Saiba + Escolas ocupadas mostram que outra educação é possível e necessária
Secundaristas de GO, MG, SP, RJ, RS e CE criaram formas de organização nas escolas ocupadas que mostram novos caminhos para a educação. Confira.
Sérgio é categórico: “não dá pra viver com esse autoritarismo que vem sendo imposto pelo governo Temer, em uma sociedade em que prevalece a intolerância, inclusive dos meios de comunicação, além da falácia de algumas medidas”. O docente critica a reforma do ensino médio via Medida Provisória (MP) por entender que isso atropela o debate que vinha sendo feito com a sociedade em espaços democráticos, como a Conferência Nacional de Educação (Conae).
“Como vamos garantir o ensino médio em tempo integral se não estamos garantindo nem as creches e os anos iniciais do fundamental?”, questiona Sérgio, fazendo menção à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 que estabelecerá, segundo diversos estudos e especialistas, uma diminuição dos gastos públicos em saúde, educação, assistência social e cultura.
Saiba + Organizações afirma que PEC 241 representa negação de direitos fundamentais
O professor entende que a reformulação da educação pública deve começar pela base. “Sabemos que o ensino médio tem problemas, mas a reforma via MP assusta todo mundo e nos remete a um decreto da ditadura”, reforça.
“É um momento de aprendizado diferente, um outro currículo, é a cidadania colocada em prática nessas ocupações”.
Ao contrário do que muitas afirmações no sentido de que os jovens desconhecem os motivos pelos quais estão se mobilizando e são mera massa de manobra, Elizamara afirma que eles têm na ponta da língua o que está colocado na MP e na PEC 241. “É um momento de aprendizado diferente, um outro currículo, é a cidadania colocada em prática nessas ocupações. Agora, estamos diante de uma autogestão, uma vez que o Estado não está no controle. Precisamos pensar o que podemos aprender e fazer com isso”, questiona a educadora.
Elizamara ainda reconhece a força do movimento estudantil do Paraná e de São Paulo que, já em 2015, protagonizou uma luta contra a reorganização escolar proposta pelo governo Alckmin e também reagiu ao escândalo das merendas. Para ela, as experiências trazem indicativos de que a saída seria abrir uma ampla conferência com os estudantes e ouvir o que eles têm a dizer.
Os docentes colocam que o ocorrido está envolto em muitas arbitrariedades. “Absurdo foi o delegado da Delegacia de Homicídio ter colhido o depoimento de adolescentes sem permitir a entrada de nenhum adulto, não havia advogado, um conselheiro tutelar”, coloca Sérgio. Para os educadores, é impossível saber de fato o que ocorreu até o momento. No entanto, eles temem que a divulgação do fato, dentro do contexto, possa ser utilizado politicamente para criminalizar o movimento dos estudantes.
Os professores colocam que, desde o início, o movimento secundarista vem sofrendo ataques do governo e que uma das estratégias foi a de misturar a pauta dos sindicatos dos professores – que iniciaram uma paralisação desde o dia 17 de outubro – a dos estudantes, enfraquecendo ambas as lutas.
Sobre o estado do Paraná, Elizamara diz ter se mostrado um território ímpar: “se por um lado temos grupos fascistas bancados por empresários, por outro lado temos a resistência de uma população que volta e meia se levanta e diz não”, coloca.
“Por outro lado, quando se tem um governo que alimenta o fascismo e grupos de mesma origem, é de se esperar que a violência ocorra”, critica. “O papel do Estado não é chamar uma guerra civil, é dialogar, negociar. Tenho a impressão de que há formação de milícias para atacar quem pensa diferente. A ordem é: cale-se, obedeça e volte a estudar”, condena, apontando que é comum ver a presença desses grupos na Assembleia Legislativa.
Recentemente, diversas reportagens abordaram a presença de grupos de jovens vinculados ao Movimento Brasil Livre (MBL) que estariam sendo financiados para entrar nas ocupações e agredir os estudantes.
Os docentes afirmam que a tentativa, agora, é de desmobilizar o movimento estudantil a partir da culpabilização das famílias, das escolas e dos docentes. “A justificativa é que os adolescentes vêm promovendo desordem nas escolas ocupadas. E a verdade é que quem tem promovido a desordem nesse país é o governo federal, ao desqualificar e atacar tudo que já construímos por uma educação pública de qualidade”, finaliza.
Já há relatos de que o governo vem incentivando a desocupação das escolas. Uma reportagem do Brasil de Fato denuncia um ato de invasão protagonizado por pais, alunos e professores contrários às ocupações no Colégio Estadual Professor Guido Arzua, Bairro Novo, região Sul de Curitiba, na manhã desta terça. Um vídeo postado na página do Facebook do Brasil de Fato mostra o momento da desocupação forçada. A medida teria partido da direção escolar, segundo a reportagem.
A matéria ainda traz uma colocação da Defensoria Pública do estado de que o despejo forçado só pode ser colocado em prática com ordem judicial. A recomendação do defensor público Ricardo Menezes da Silva é que haja diálogo entre as partes contrárias e pró-ocupação.