publicado dia 19/02/2015
“As práticas esportivas devem ter objetivos pedagógicos claros no contexto escolar”
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 19/02/2015
Reportagem: Ana Luiza Basílio
A discussão do esporte no âmbito escolar vem ganhando profundidade. A separação corpo e mente, como se o movimento motor não pudesse conviver com o de raciocínio – lógica por tanto tempo perpetuada nas escolas -, não responde à perspectiva do desenvolvimento integral dos indivíduos. Por isso, a ideia da Educação Física complementando as atividades curriculares vem caindo por terra, e dando espaço a discussões nas quais o esporte se molda como política setorial constituinte, bem como a saúde, e a assistência social.
Mas qual o seu papel no desenvolvimento dos indivíduos? Como as escolas têm olhado para essa questão? Quais caminhos ainda precisam ser trilhados? O Centro de Referências em Educação Integral levou esses questionamentos para a atleta Ana Moser, hoje presidente do Instituto Esporte & Educação, organização que tem como objetivo implementar a metodologia do esporte educacional em comunidades de baixa renda. Confira a entrevista e conheça outras experiências que dialogam com o esporte na perspectiva integradora.
Para Ana Moser, os benefícios do esporte para o indivíduo são inegáveis. “Há um trabalho direto, por exemplo, com questões de autoconhecimento, autoestima e resolução de problemas. Isso porque a coordenação motora e as operações cerebrais cognitivas estão totalmente ligadas, como demonstra a ciência moderna”, coloca. Em seu ponto de vista, o esporte provoca inteligências que não só as do espaço/tempo, mas também as matemáticas e outras, também construídas com base na relação interpessoal em que se mantêm.
“O esporte é um ambiente social, um meio onde as pessoas se comunicam pela linguagem motora, da atitude, do fair play [do inglês “jogo limpo”, conceito vinculado à ética no meio esportivo]”, explica ao colocar a importância de se trabalhar o esporte para além do aspecto do rendimento. A seu ver, o esporte como elemento educacional pode abarcar questões educativas importantes e configurar-se como um núcleo social integrador de gêneros, de diferenças, de situações de convivência e diálogo. “Entendo que ainda não temos esse modelo em larga escala no Brasil, mas vejo que o esporte pode mostrar pontos estruturantes para a sociedade”, ao que explica: “quando um time vai jogar contra o outro, ou se colocam ali suas torcidas, estão postas diferentes culturas, identidades, e isso em qualquer dimensão, no rendimento, ou em práticas direcionadas a crianças, jovens ou adultos”.
No contexto escolar, Ana Moser entende que os direcionamentos pedagógicos para o esporte – caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais – ainda são bastante genéricos e tratam pouco da questão prática. Ela avalia que ainda há pouca clareza do desenvolvimento pretendido com as crianças e adolescentes diante de uma prática esportiva. “Hoje, temos uma luta bastante clara na educação, que é colocar todas as crianças na escola e assegurar um percurso de qualidade, o que não se reflete no esporte. Vejo que ainda depende muito do lugar e do profissional envolvidos”, discute.
Por essa questão, Ana entende que o roteiro do esporte de rendimento ainda é o mais utilizado pelas instituições de ensino, o que acaba, muitas vezes, por tornar a prática excludente. “Porque aí o olhar se volta para o melhor do ponto de vista da habilidade, da técnica. Mas, se nem as faculdades formam com essa qualidade para o rendimento, o processo todo se torna uma mentira, visto que são poucos os professores que já tiveram alguma vivência esportiva”, avalia. Em sua análise, a falha é abordar a técnica do esporte sem uma clareza pedagógica. “Não se pode ter como o objetivo o resultado; a escola não é para isso”.
Ana entende que o principal desafio de formar para o esporte está justamente em quebrar essa obviedade do rendimento. “É preciso se perguntar: qual é o objetivo pedagógico, qual formato, didática e metodologia devem ser aplicados?”. Em seu entendimento, essa é uma maneira de alinhar o esporte aos objetivos pedagógicos e distanciá-lo do indicador da habilidade técnica, comum às práticas de rendimento, mas excludente fora desse contexto.
Partindo desse enfrentamento, em 2014, o Instituto Esporte e Educação formou mais de 3 mil professores em 76 municípios em diferentes regiões brasileiras. “Precisamos trabalhar para que o professor seja especialista no assunto, realidade não comum ao Ensino Fundamental I, onde ele pode atuar na condição de generalista. Se ele não tem essa formação, como poder ministrar Educação Física?”, questiona.
Por fim, a atleta objetiva que é fundamental que o esporte se solidifique enquanto política. E, nessa perspectiva, Ana indica que há uma proposta mais estruturada dentro das escolas integrais, mas ainda as vê como exceções. “No geral, esse professor de educação física segue apartado na escola, não participa de conselho de classe, reunião pedagógica. Há um isolamento pedagógico da educação física, e a falha é da própria constituição da disciplina e da escola. Falta a educação física se qualificar e a escola se abrir”, conclui.