publicado dia 10/09/2015

“Eu não posso dar a eles uma aula que eu também não gostaria de ter”

Reportagem:

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A docente Luana Tolentino/ Crédito: arquivo pessoal

Aos 10 anos, Luana Tolentino já lidava com o seu desejo de educar. “Nessa época, eu alfabetizei a Bárbara”, conta ao rememorar da amiga que, na época, tinha quatro anos de idade. As duas tinham uma vivência bastante próxima e, para Luana, ser sua professora era uma verdadeira brincadeira. “Ensiná-la a escrever era como brincar de boneca. Até brincávamos de outras coisas, mas eu gostava mesmo era de ensinar”, declara.

“Curioso é que era como se eu tivesse uma cartilha, um método, mas saía tudo da minha cabeça”. Luana conta que, primeiro, ensinou as vogais, depois os números e então o alfabeto. “Eu escrevia pontilhado para ela escrever por cima, fazia exercícios, chamada oral dos números, treinava o alfabeto. Na época, a aspirante a educadora teve o apoio da mãe de Bárbara que comprou giz, quadro, lápis e caderno.

Na memória de Luana permanece a alegria que sentiu quando viu a amiga escrever a letra B pela primeira vez, ainda espelhada. Foi a mesma que sentiu ao vê-la entrar na escola, aos cinco anos, à frente das demais crianças, ainda não alfabetizadas. “Lembrando disso agora, vejo que eu vibrava com os avanços dela, do mesmo modo quando os meus alunos respondem as minhas perguntas e eu vejo que eles já sabem ou que aprenderam com as minhas aulas”, relata a professora de História que, atualmente, leciona na Escola Municipal Bárbara Maria Salomão, localizada em Vespesiano, região metropolitana de Belo Horizonte.

Um caminho de persistência

O sonho de ser educadora, no entanto, nem sempre foi compartilhado e o percurso até lá tampouco facilitado. “Eu cresci ouvindo que eu não devia ser professora”, relembra. A moradora de Belo Horizonte recorda de um episódio em que, ao lado da mãe, viu uma passeata de professores em greve no centro da capital mineira e ouviu o alerta: “é isso que você quer para sua vida?” O medo era pela desvalorização da carreira docente.

Fato é que Luana sentiu o peso da desvalorização muito antes. Filha de uma família humilde, de pais comerciantes e mais três irmãos – dois já falecidos -, Luana teve que se lançar no mundo do trabalho ainda bem cedo para ajudar em casa, sem perder os estudos de vista. “Meu pai sempre priorizou a educação. A gente não tinha nada. Não tínhamos TV em cores, mas tínhamos livros. Não tínhamos aparelho de som, mas tínhamos dicionário”, relembra orgulhosa do pai que, embora só tenha cursado até o ensino fundamental, tinha consciência do valor da educação.

Dos 13 aos 17, Luana cumpriu obrigações de babá, doméstica, faxineira e diarista e acumulou experiências de humilhação, mesmo quando conseguiu seu primeiro emprego registrado como operadora de telemarketing. “Pedi demissão quando a gerente ordenou que eu lavasse o banheiro”.

As experiências, no entanto, não a desanimaram. Só a impulsionaram ainda mais para o seu sonho de lecionar. Sérgio Buarque de Holanda também deu o seu empurrão, como ela mesmo conta. “Fui à biblioteca da escola que eu estudava que me deparei com o seu livro Raízes do Brasil. Eu nem sabia quem ele era, mas resolvi abrir e ler a introdução. Ali tive certeza do que queria e fui procurar a licenciatura. Luana se formou em em História no Centro Universitário de Belo Horizonte, entre 2002 e 2006.

Por uma educação que dialoga

Sua primeira experiência como educadora aconteceu em 2008 em uma escola da periferia de Belo Horizonte. E o que se apresentou para Luana ali foram novos desafios. “Nunca vou me esquecer do dia em que cheguei para trabalhar e um aluno tinha acabado de ser assassinado na porta da escola”, relata. Esses episódios, por vezes comuns aos territórios periféricos dominados pela violência, fez com que a docente lutasse para construir uma experiência mais significativa para si e para seus alunos; para tanto, ela se despiu de suas certezas.

Fã de Chico Buarque, ela sonhava com o dia em que trabalharia suas composições em sala de aula. Mas ali, no chão da escola, percebeu que os estudantes ainda não sabiam quem ele era, mas sabiam quem era Racionais MC’s. “Teve uma vez que um dos estudantes estava cantando um rap deles enquanto eu tentava dar aula. Me juntei a ele e cantei junto”, conta ao se lembrar da reação surpresa do jovem para com ela. Luana entendeu que aquele era um convite de seus alunos para a realidade deles e começou a buscar diariamente formas de inovar na aprendizagem.

“A minha essência também era permeada pela questão do periférico, que esbarra na desvalorização, no estigma da falta de capacidade”, coloca a docente, negra e também moradora de periferia. “Então, todos os dias eu pensava: o que eu posso fazer de diferente? O que eu posso levar para a sala de aula? Eu não posso dar a eles uma aula que eu também não gostaria de ter”, reforça.

Sua proposta, como descreve, é de uma aula participativa, que dialogue com a realidade dos estudantes. “Não consigo pensar em ensinar sobre a Segunda Guerra Mundial sem envolvê-los com mapas, vídeos e filmes. Veja que nem acho isso tão inovador”, coloca a docente. Outra proposta é passar aos estudantes um pouco dos conflitos que vivencia em sua posição de militante. Ela integra o movimento feminista e o movimento negro.

“O que procuro é quebrar os vícios dos estudantes. Eles estão condicionados a atrelar tudo a avaliação, a nota. Eu os quero, sobretudo, cidadãos, capazes de se entenderem importantes para a escola, para a comunidade, e de se posicionarem no mundo”, coloca a docente. Luana diz que os estudantes dão diariamente as respostas para o seu trabalho. E para os que a consideram novata e anunciam uma possível desmotivação na carreira, ela diz: “já são seis anos com a mesma vontade de produzir algo com eles”.

Encurtando distâncias, compartilhando histórias

De 2012 a 2013, Luana Tolentino deu aulas na Escola Estadual Alizón Themoter Costa, localizada no município periférico de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais. A docente brasileira desenvolveu um projeto em parceria com a Escola Secundária de Barada, em Moçambique, que permitia que os estudantes trocassem carta entre si e experimentassem o intercâmbio cultural.

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